“Previdência
Direta
POR FABIO
GIAMBIAGI
O tema da
capitalização parece ter sido incorporado à discussão nacional sobre a
Previdência. Esse debate é positivo, ainda que muito mais complexo do que em
geral se imagina. Quando o assunto surgiu, no ano passado, o frisson associado
às suposições acerca do que o novo governo a ser empossado em janeiro iria
fazer levava a acreditar que a capitalização seria uma espécie de cura
definitiva para a nossa combalida Previdência Social. Com o amadurecimento da
matéria, ficou claro que a reforma teria fatalmente de envolver como
ingrediente fundamental uma mudança dos parâmetros que regem as regras de
aposentadoria e que o tema da capitalização iria muito além dessa questão, não
devendo ser encarado como a solução para o atual déficit.
Por outro lado,
o debate foi muito bom porque serviu como um elemento catalisador que fez “cair
a ficha” de muita gente que, tendo rendimentos superiores ao teto do Regime
Geral de Previdência Social (RGPS), não estava se preparando adequadamente para
a chegada da chamada “terceira idade”.
Anos atrás,
quando eu dava aulas de Finanças Públicas, ao passar pela parte da ementa do
curso relacionada com a Previdência, costumava dizer que “o ser humano, lá
pelos 10 anos, aprende que um dia pode morrer; lá pelos 40, descobre que um dia
irá se aposentar; e, na altura dos 60, percebe que poderá viver mais do que
imaginava”. São momentos extremos com a sua carga de angústia na vida da
pessoa: na infância, quando aos poucos a criança começa a perceber que haverá
um futuro no qual ela não estará mais no mundo; e, em torno de quatro a cinco
décadas depois, quando o fim da vida ativa começa aos poucos a se desenhar
confusamente no horizonte da pessoa já adulta e ela toma nota de que deixou
passar boa parte dela sem ter feito absolutamente nada para o momento em que
não puder mais trabalhar e sua renda for cair abruptamente – com a agravante de
que poderá precisar dessa renda não durante mais duas décadas, e sim durante
três ou quatro. É por isso que Trotski – não é o tipo de frase que costumamos
ver associada a ele, mas foi quem cunhou a sentença – disse certa vez, com
certa dose de ironia, que “a velhice é a mais inesperada de todas as coisas que
acontecem a um homem”.
É para ajudar
neste esforço individual de preparação para o futuro que passou a ser discutida
no meio previdenciário uma proposta consistente de criar um produto
previdenciário em moldes similares ao Tesouro Direto, ideia concebida
originalmente por Abraham Weintraub e outros autores, num artigo de 2017
(Poupança Individual de Aposentadoria – PIÁ, Revista Brasileira de
Previdência).
Tendo este
contexto como pano de fundo, com o objetivo de desenvolver o tema e colaborar
no enriquecimento do debate sobre o assunto, em coautoria com Felipe Amaral
analisamos recentemente em bases puramente técnicas os desdobramentos do
lançamento de tal produto no mercado brasileiro, no artigo Previdência Direta:
o Tesouro Direto para a Previdência (texto para discussão do BNDES n.º 138,
maio de 2019, disponível em www.bndes.gov.br). Os resultados foram muito positivos.
A ideia é procurar adaptar o Tesouro Direto para o que denominamos Previdência
Direta, levando até o usuário a possibilidade de poupar com objetivos de longo
prazo, para ter direito a uma renda vitalícia a partir de certa idade. Esta
será tanto maior quanto maiores forem as suas contribuições, o período de
duração da fase contributiva e o rendimento da aplicação.
Em nossa
configuração para a operacionalização do produto, simulamos os valores
previstos para a aposentadoria em comparação com uma gama de alternativas
existentes para a obtenção de uma aposentadoria complementar, o que abarcou a
previsão da renda gerada pelo próprio INSS – para efeitos comparativos – e pelo
investimento em imóveis, fundos de investimento, no Tesouro Direto e em planos
previdenciários de fundos de pensão e do mercado segurador (PGBL e VGBL). A
Previdência Direta revelou-se um instrumento claramente superior, em nossa
análise. Para um esforço financeiro idêntico, previmos que ela geraria uma
renda em média 67% maior que a gerada pelo INSS.
Comparada com as
alternativas do mercado privado, a relação custo-benefício da Previdência
Direta foi ainda mais interessante. Particularmente notável foi a constatação
de que a expectativa de renda de aposentadoria gerada pela aplicação no Tesouro
Direto é superior àquela gerada em planos do mercado segurador aberto, mesmo
considerando o reinvestimento dos benefícios tributários. Na lanterna das
projeções ficaram os fundos de investimento tradicionais, a poupança e os
imóveis. Nestes casos, as rendas de aposentadoria foram menores por causa da
inexistência de benefícios tributários, em alguns casos; ou das altas taxas de
administração, da baixa rentabilidade ou da impossibilidade de consumir o
principal durante a aposentadoria, em outros.
Sob a ótica do
governo federal, a criação de um produto do gênero seria uma oportunidade de
ouro. Primeiro, por ser um produto de adesão facultativa, não haveria
resistência de nenhum setor da população para seu lançamento. Segundo, o
produto não acarretaria na concessão de nenhum outro tipo de benefício
tributário que já não esteja vigente para o mercado. E terceiro – e mais
importante –, tendo um mercado potencial na casa dos trilhões de reais, o
Tesouro Nacional conseguiria uma fonte abundante, estável e de longo prazo para
a rolagem da dívida pública. Tal fato pode ajudar a baratear o custo desta e
fornecer uma excelente fonte de financiamento de investimentos de longo prazo,
como os investimentos em infraestrutura.
Vale a pena
pensar no assunto.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário