“A guerra dos
Brasis
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
Sob os
repiniques da bateria em torno dos grampos do Joesley desta véspera de votação
da reforma da Previdência (escrevo na quinta-feira 13/6), agora a cargo dos
arrombadores a soldo de um certo The Intercept, uma das marcas-fantasia de
PSOL, PT e cia., está consumado o tombo do costume na última tentativa do País
Real de abolir a escravatura.
Com os Benefícios
de Prestação Continuada de abre-alas, o velho bloco do Me Engana Que Eu Gosto
passou batidos os “jabutis” que realmente lhe interessavam: o regime de
capitalização, que mataria para todo o sempre o comércio de privilégios
previdenciários, a mais produtiva mina de ouro de quem tem o poder de
vendê-los, e a manutenção da constitucionalidade das normas da Previdência, a
garantia vitalícia pela qual cobram caríssimo esses comerciantes. A reforma da
Previdência já entra na avenida castrada, conforme o prometido, portanto, e com
o favelão nacional com todos os “acessos” espetados nas suas veias mantidos
para que o País Oficial possa continuar servindo-se na medida da satisfação dos
seus luxos.
O apartheid
brasileiro tem raízes profundas. O Brasil Real, o Brasil que deu certo, o
Brasil que se fez sozinho escondido do outro, este Brasil continua, como sempre
esteve, à margem da lei. A lei foi feita pelo País Oficial, o antiamericano, o
que sempre viveu das “derramas”, o que enforcou Tiradentes, o que invadiu o Rio
de Janeiro em 1808, de modo a não poder ser cumprida jamais. É a continuação do
Brasil dos traficantes de escravos que compravam pedaços do Estado (feudos) e
“títulos de nobreza” ao rei. São as deles as tais instituições que “estão
funcionando”.
Só dois pontos
destes dois Brasis sempre estiveram conectados: as mãos de um e os bolsos do
outro. No mais, são antípodas em tudo. Na educação, bola da vez, há os nédios
professores das universidades públicas que comem o grosso da verba nacional,
aposentam-se na flor da idade e dão aulas nos enclaves privatizados do
território brasileiro onde polícia não entra (Coafs e tribunais de contas,
menos ainda) e se formam, “de graça” e sem lei, os quadros da elite do País
Oficial. E há as professorinhas miseráveis, que não se aposentam nunca, das
escolas básicas varejadas de balas perdidas, caindo aos pedaços, creches de
quase adultos que vão lá para comer da mão do País Oficial o pão que a
“educação” que ele lhes serve não consegue comprar.
O sindicato
desses diferentes professores é, no entanto, o mesmo. Com estrutura nacional,
vem a ser o núcleo duro da defesa da privilegiatura. Escudados na miséria das
professorinhas, são os professorões que organizam aquela rede que sai em
passeatas milimetricamente cronometradas com as pautas em tramitação no
Congresso Nacional e nas redações que empregam seus parentes, amigos e
correligionários, para “provar” a “impopularidade” de acabar com os salários e
as aposentadorias 100 vezes, 50 vezes, 30 vezes na média nacional maiores que
as do favelão que paga a conta.
Mas não foi a
derrota desse Brasil que saiu nas manchetes. Já não é mais nem “o governo” que
“perde” ou “ganha” as batalhas entre os dois Brasis. Agora é só “o presidente
Jair Bolsonaro” que “sofre derrotas no Legislativo e no Judiciário”, seja na
batalha para o favelão nunca mais ter de pagar lagostas e vinhos tetracampeões
aos STFs de sempre, seja para que o Estado conceda à plebe a graça de não ser
enjaulada quando recusar-se a deixar-se mansamente matar e insistir em defender
a própria vida contra quem resolver atentar contra ela.
As redações
congregam os últimos brasileiros que ainda não entenderam com quem estão
lidando. A bandidagem mata 65 mil. A bandidocracia mata milhões por ano. O
conluio entre as duas é aberto a quem interessar possa, do grande tráfico de
entorpecentes, hoje privilégio de governos praticantes do tipo de “excesso de
democracia” que o lulopetismo prega, para baixo. Mas a imprensa tem mais medo
do povo obediente à lei, da polícia, dos promotores e dos juízes que realmente
apitam faltas do que deles. Nem a “epidemia de ansiedade” que acomete o povo
brasileiro como a nenhum outro do planeta é associada ao que quer que seja de
especial. É mais uma daquelas notícias que os âncoras de TV leem com cara de
paisagem. Uma doença sem causa. Nada a ver com os 40 milhões de desempregados e
subempregados nem com a montanha de assassinados.
Para a
unanimidade da imprensa brasileira essa carnificina só tem a ver com o “acesso
a armas” que – advertem – ou nega-se terminantemente à sub-raça tupiniquim ou
ela sairá matando desbragadamente por aí. É como se esse acesso já não
estivesse drasticamente proibido há 14 anos, contra a vontade expressa em voto
pela população, e não estivesse sendo provada 65 mil vezes por ano, 5.342 vezes
por mês, 178 vezes por dia a mentira de associar desarmamento com segurança
pública.
No quesito
segurança, aliás, o esforço concentrado da ala mais “progressista” do nosso
jornalismo é para discriminar cadáveres. Depois de todo o resto a desigualdade
em nome da igualdade chega, finalmente, aos necrotérios. Cadáver de mulher vale
mais – e dá pena mais pesada – que cadáver de homem e menos que cadáver de
homossexual ou de transgênero. E, em todas essas subcategorias, ganham “peso 2”
os que acumulam a qualidade de não brancos.
Tudo isso tem
precedência, no jornalismo pátrio, sobre a guerra aberta entre os dois Brasis
cuja existência ele nem sequer reconhece. Ele permanece surdo ao País Real, mas
sempre pronto a disparar sem pensar uma vez e meia todo e qualquer petardo que
a bandidocracia houver por bem enfiar-lhes nas culatras “de acesso”, e a
invocar a lei escrita pela bandidocracia para manter eternamente intactas as
leis escritas pela bandidocracia, para julgar todo mundo que ousar tratar de
alterá-las.
Se o Brasil “é
uma democracia”, como parecem crer 9 entre 10 dos nossos jornalistas, qualquer
alteração no status quo será “antidemocrática”. O.k., então. E para onde vamos
na sequência da aceitação dessa premissa?”
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