“Bolsonaro,
muito pitaco e pouca noção de governo
Por Rolf Kuntz
Rei dos pitacos
e das palavras fora de hora e de lugar, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu
numa única semana dizer aos argentinos como votar, propor a extinção de multa
para quem levar criança no carro sem cadeirinha, proclamar a inocência de
Neymar no caso da acusação de estupro, defender o afrouxamento das normas de
trânsito e entrar numa conversa muito estranha sobre moeda única para Brasil e
Argentina. Do lado brasileiro, o Banco Central (BC) logo negou haver qualquer
estudo sobre o assunto. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, condenou
a ideia e foi atacado por internautas, presumivelmente bolsonaristas. A criação
da tal moeda, por enquanto chamada peso real, é e será por muito tempo apenas
uma fantasia, uma ideia muito distante dos problemas e prioridades atuais e
previsíveis. Mas será prioritário para o Brasil, neste momento, facilitar a
posse e o porte de armas ou reduzir o número de radares em estradas? Nem se
trata apenas de saber se essas inovações são positivas. Antes de mais nada,
trata-se de avaliar a importância desses assuntos na ordem dos problemas
brasileiros. Quando se trata de prioridades, as decisões do presidente Jair
Bolsonaro podem ser surpreendentes, como têm notado muitos políticos e
analistas de assuntos públicos.
Falar de
prioridades é falar de agenda, e agenda parece algo desconhecido para o chefe
de governo, segundo o deputado Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, ambos filiados ao DEM. “Se o governo não tiver agenda, e parece que
não tem, vamos fazer a nossa”, disse Alcolumbre à GloboNews. “Não vamos ficar
esperando”, acrescentou. O senador poderia mencionar sem dificuldade uma lista
de trapalhadas, o desarranjo do Executivo e a desarticulação da chamada base
parlamentar. Cumpridos quase cinco meses e meio de mandato, a conclusão parece
inevitável: o presidente Jair Bolsonaro chegou ao governo sem uma ideia clara
dos desafios mais urgentes, sem uma lista de objetivos bem definidos e
articulados e, mais importante, sem entender as funções presidenciais.
Ao defender sua
interferência em anúncio do Banco do Brasil (BB), o presidente usou um
argumento simples, primário e revelador. “Quem indica e nomeia presidente do BB
– não sou eu? Não preciso falar mais nada, então.” Não precisaria, mesmo. Essa
declaração, de 27 de abril, mostrou muito claramente a confusão entre governar
e mandar. Na cabeça do atual chefe de governo, a função presidencial, tudo
indica, consiste em ordenar e proibir – segundo suas preferências, seus
impulsos e suas concepções ideológicas e religiosas.
Isso explica suas
tentativas de intervir também na política de preços da Petrobrás e, mais
timidamente, na orientação da Caixa Econômica. Cabem no mesmo quadro as
tentativas de eliminação ou redução de radares nas estradas, de aumento dos
pontos na carteira de motorista e de alteração da norma sobre transporte de
crianças em carros.
Sem discutir
esses temas, sem consultar especialistas e baseado apenas em sua opinião, ou em
seu impulso, o presidente se pôs a intervir em todos esses assuntos. O uso
frequente de decretos, também característico do estilo Bolsonaro, é compatível
com a confusão entre governar e mandar. Esse tipo de ação pode resultar em
tropeços, quando as decisões presidenciais são contestáveis com argumentos
legais. Esse tipo de resistência forçou, por exemplo, a revisão do último
decreto sobre armas. Poderá levar à anulação de outras decisões, mas é difícil
dizer se o presidente entenderá, em algum momento, os limites de seu poder.
Mas a ignorância
desses limites é apenas uma parte do problema. A questão mais grave e mais
ampla é o desconhecimento do significado de governo e das funções da
Presidência. O presidente Bolsonaro erraria muito menos se consultasse
funcionários competentes em cada área. Quando interveio na publicidade do BB e
tentou fixar normas para anúncios de empresas controladas pelo Tesouro, foi
salvo de mais um erro pelo ministro da Secretaria de Governo, general Carlos
Alberto dos Santos Cruz. A intervenção violaria, advertiu o ministro, a Lei das
Estatais.
Sem uma agenda
clara, com objetivos ordenados, hierarquizados e vinculados a interesses
permanentes e condições de funcionamento do Estado brasileiro, o presidente
Bolsonaro e sua trupe ideológica só produziram confusões e problemas. Forçado a
enxergar e a admitir erros desastrosos, o presidente já demitiu um ministro da
Educação, substituído, no entanto, por uma figura igualmente mal escolhida. Na
diplomacia, acabou aceitando a intervenção do vice-presidente, general Hamilton
Mourão, empenhado em consertar erros graves e custosos e em prevenir novos
desatinos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem igualmente procurado
salvar o relacionamento com relevantes clientes do Brasil.
Não está claro,
no entanto, se o presidente de fato percebeu as tolices cometidas por ele mesmo,
pelo ministro de Relações Exteriores e pelo filho Eduardo Bolsonaro, porta-voz
mais ostensivo da submissão bolsonariana às ideias do presidente Donald Trump.
Ao dar palpite
sobre a eleição argentina e ao aceitar a conversa inconsequente sobre a moeda comum,
o presidente Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, sua dificuldade de perceber as
limitações e obrigações de seu posto. Teria sentido estratégico, por exemplo,
começar um esforço de resgate e de revigoramento do Mercosul.
Se iniciasse um
trabalho firme e competente nessa direção, poderia, com apoio de Paraguai,
Uruguai e de outros países da área, remodelar as condições de cooperação
regional. Seria mais apropriado e eficiente do que agir como cabo eleitoral do
presidente Mauricio Macri. Para ir além das declarações de ódio ao
bolivarianismo e ao kirchnerismo, o presidente Bolsonaro precisaria, no
entanto, formar uma visão menos tosca do governo, dos interesses do Estado e de
suas potencialidades no quadro global. Quatro anos serão suficientes para isso?”
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