Por Jameson Pinheiro
A origem das fogueiras de São João remete à tradição cristã
de haver Isabel, mãe de João Batista, ter prometido a Maria, mãe de Jesus
Cristo, acender uma fogueira no cume de um monte, para avisar quando João
nascesse. Ela também prometeu que ergueria um mastro próximo à fogueira,
colocando nela uma boneca, dando origem a outra tradição, a da bandeira do
santo.
Minha infância e adolescência foram cercadas de fogueiras no
mês de junho. E até hoje a tradição se mantém. Durante a infância eu as curti.
Onde morava, não havia calçamento. Era rua de barro, própria para as
brincadeiras que eram o terror de quem lavava nossas roupas e muito apropriadas
para a existência de fogueiras, neste mês. Lembro minha tia partindo para roça
e voltando com uns feixes de lenhas próprias para cozinhar o feijão e queimar
nas fogueiras. Nesta época as idas e vindas eram mais acentuadas.
Eu nunca tive recursos para a compra de fogos sofisticados,
como vulcões e chuvinhas coloridas, que via de passagem pelas casas do centro
ou perto dele. Mas, uns “traques de massa”, um “beijo de moça” ou um “estalo de
bebê”, minha avó me dava. O que ela não me dava era uma “roqueira” mas, nunca
deixei de ter uma. Era muito fácil de fazer. Explicarei para os ignorantes de
hoje. O material era um prego, um arame, uma peça de torneira velha (aquele que
fica dentro da torneira e que tem um buraquinho onde entra a carrapeta) e muita
engenhosidade. Não minha, porque a tecnologia para sua produção era conhecida
de qualquer menino, naquela época. Havia inclusive outras “roqueiras”, feitas
de ferro, dizem, por Pai Tomás, mas destas eu não usava. Ligava-se o arame ao
prego e a peça de uma forma que podíamos pegar no arame e ao colocar o prego no
buraco da peça podíamos balançá-los e bater numa pedra ou no meio fio, quando
na rua havia. Dentro do buraquinho colocávamos pólvora e o atrigo entre o prego
e a peça da torneira gerava um som de explosão que variava, principalmente com
a quantidade de pólvora utilizada. Espero tenham entendido, se não, vejam o que
aconteceu num dia destes de junho.
Encontrei com o Oswaldo (penso era este o seu nome) enquanto
ele preparava sua “roqueira” para a ação. Estava na fase de tirar a pólvora de
um “beijo de moça” para colocar na "roqueira". Cheguei perto e
perguntei: Oswaldo, tu não achas que esta pólvora está demais, não? Ao que ele
respondeu em silêncio, com um não, continuando o que vinha fazendo.
Colocou toda o pó preto dentro da “roqueira” e não se
conteve, começando a calcar a pólvora com o prego, dizendo que era para o
estrondo ser maior. A sensação que tive na época foi aquilo que hoje sinto
quando o Irã ameaça o mundo construindo bombas atômicas, ou quando, naqueles
filmes da TV alguém começa a fazer algo muito perigoso, e eu digo mentalmente:
Isto não vai dar certo. O que vi minutos depois, ainda hoje, não gosto de
lembrar. No entanto, nem só de coisas bonitas vive o São João. Simplesmente,
depois de um estrondo, vi o dedo polegar do meu amigo pela metade e o sangue
cair no chão como uma torneira pigando. A partir deste dia botei minha
“roqueira” no saco e nunca mais a vi.
Outra vez, vi o Joaquim. Era marido de uma tia minha, e
morava em Recife ou em Paulista, não lembro bem, só sei que era prás bandas do
litoral. Neste São João ele estava em Bom Conselho. Uma pessoa alegre e
brincalhona, contador de lorotas e bravatas além de uma exímio jogador de
dominó. Pelo menos, penso que foi ele que me introduziu no vocabulário do
“lai-lou”, que é a situação onde se ganha no dominó combinando as duas cabeças.
A partir de Joaquim, bater “lai-lou” era uma glória. Numa noite, já tarde,
quando a fogueira já estava em brasas, ele inventou que poderia andar sobre
estas brasas sem se queimar. A fogueira dos santos tinha algo mágico, ele
dizia, que a concentração e mais umas rezas que ele sabia, fazia com que a dor
sumisse quando do contacto com o fogo. Óbvio que todos o incentivaram a fazer a
proeza, tirando as espigas de milho das brasas, já com um tom de dourado, quase
prontas para comilança.
O Joaquim chegou perto da fogueira, baixou a cabeça, fechou
os olhos, balbuciou alguns palavras enquanto mexia de leve nas brasas, ora com
um pé ora com o outro. Alguns minutos depois começava ele a caminhada pela
fogueira. Primeiro passo, segundo passo, terceiro passo e cada um maior e mais
rápido do que o outro. Aqui quebro a narrativa para dizer que me lembrei do
nosso conterrâneo Carlos Sena atravessando o açude de seu Liro, quando ele diz
que ao chegar ao meio do açude deu um certo medo mas pensou, para voltar vai
levar o mesmo tempo que continuar em frente, foi em frente e teve a glória da
travessia. O mesmo deve ter ocorrido com o Joaquim naquele dia, os pés estavam
queimando mas, ao chegar ao meio ele, a la Carlos Sena, decidiu ir até o fim da
fogueira. Ganhou assim os gritos e aplausos que abafaram o seu grito de dor e
talvez compensaram as bolhas que vi no dia seguinte nos seus pés.
E as belezas das festas juninas continuam com outra cena por
mim presenciada, ainda quando criança, e se deu quase de frente da casa de seu
Abelardo, marido de dona Gilda, ou, parece até que foi defronte da Alfaitaria
de Antonio da Tupi. Um menino, mais ou menos da minha idade, nunca soube o seu
nome, soltava “cobrinhas”, aquele troço pequeninho que encosta no fogo, você
sacode e ele sai correndo com um rabo de fogo. Já adulto, vi que em algumas
cidades fazem umas “cobrinhas” bem grandes e as chamam de “espadas”. A
brincadeira é não correr daquelas coisas perigosas. No entanto, como não existe
fogos de São João sem risco, naquele dia o menino ao jogar uma “cobrinha”,
propositalmente ou não, ela foi direto no tornozelo de uma garota que também
brincava com fogos. Sei que a menina, que não morava por ali, se contorcia em
dor, enquanto o menino sumia. Chegou uma senhora, não sei se sua mãe, pediu
água na casa de seu Leopoldo, que consertava relógio, e que, por muito tempo
depois passei defronte a sua casa, quando ia trabalhar. Uma de suas filhas
trouxe algo e aliviou a dor da garota. Enquanto isto, Dona Iramir, esposa de
seu Leopoldo, aparecia na porta e perguntava: Cadê o menino? Será que foi o
Teofinho de seu Marçal? Não sei se o menino era o Teofinho ou se foi punido.
Não deveria, São João sim.
Termino dizendo que enveredei pelas coisas cruéis que podem
acontecer neste período de fogueiras e fogos. Isto não quer dizer que não haja
coisas boas como aquelas que descreveu o Gildo, no seu casamento matuto (http://www.citltda.com/2009/06/memorias-de-um-casamento-matutuo.html
) aqui mesmo neste blog e no site de Bom Conselho, apesar do castigo que ele
ganhou por comprar fiado. O nosso colega Cleómenes ainda pediu para falar da
influência das fogueiras no aquecimento global, comparando-as com as queimadas
da Amazônia. Assim também já era crueldade demais com o São João. Que ele mesmo
escreva sobre isto. No entanto, seria prudente pensar mais na tradição dos
mastros e das bandeiras.
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