Por Carlos Sena (*)
Dos conselhos que mamãe me dava
um deles eu nunca me esqueci: "quem com porco se mistura, farelo
come". Demorei um pouco a entender essa lição, pois tive a sorte, desde
criança, de não conviver com "porcos" e, por consequência, não comia
"farelo". Depois de grande, já no Recife, comecei a conviver com a
natural pluralidade de pessoas nas diversa tribos. Percebi, então, que estava na
hora de seguir à risca o conselho de mamãe. O grande problema era descobrir
quem eram, naquelas tribos os que comiam feijão e arroz e os que comiam
"farelo". Hoje, passada a fase em que eu corria risco de me misturar
com as galeras do mal, vejo como é mais fácil para as atuais gerações se
misturarem e comerem mais "farelo" do que feijão com arroz. Digo isso
porque os jovens de hoje contam com o beneplácito da evolução tecnológica que,
não raro, estimulam à vida fácil sem muito trabalho e na base do "levar
vantagem em tudo". Por outro lado, nesse bojo entram as drogas que, no
geral, vitimam pessoas que não tiveram a mesma ventura que eu é muitos, de ter
uma mãe vigilante. E que não conhecia (minha mãe) essa tal de pedagogia moderna
tão permissiva e tão pouco useira dos limites necessários a formação das
pessoas.
Certamente que se "conselho
fosse bom não se dava, vendia". Mas, conselho de mãe tem que ser levado a
sério, porque elas não nos dão, apenas transferem pra nós (no DNA?) pela
simbiose natural da relação. Ou não?
Quando ainda estudava o antigo
“ginasial”, no Ginásio São Geraldo, ganhei de um colega de turma, João
Lisímaco, uma caneta esferográfica novinha. Dessas, tipo Bic que hoje a gente
perde ou a deixa em qualquer lugar e nem liga. Na época era o máximo aquela
canetinha. Quem tinha uma delas era considerado rico e João estava nessa conta,
mas era meu amigo e colega de fé. Talvez por isso tenha me dado aquele presente
que eu, encantado, cheguei em casa mostrando a mamãe. Pensando que estivesse “arrasando”
levei logo uma bronca dela e, em seguida, a pergunta: “quem lhe deu essa
caneta”? – Foi João Lisímaco, respondi. Ela nem titubeou. Pegou pelo meu braço
e me arrastou para a casa de Dona Primavera, a mãe de João. Primavera era muito
amiga de mamãe, mas se assustou quando viu mamãe adentrar em sua casa comigo
junto e perguntando: “Primavera, João está aí”? Nisto João veio e ela fez a
pergunta fatal: “foi você quem deu essa caneta a Carlinhos”? – Foi, dona
Pretinha, respondeu. Diante disto, e tudo esclarecido, mamãe volta comigo pra
casa, mas completa sua ladainha em forma de “conselho”: “se chegar em casa com
qualquer coisa você que não seja sua vai ter que me dizer direitinho quem lhe
deu, e se não me disser vai pro cacete” (grifo meu).
Hoje, tanto tempo depois, eu me
lembro dessa história com muito carinho. Lembro, inclusive, que meu amigo
querido João faleceu precocemente. Mamãe está com 84 anos e muito lúcida e
muito feliz. Seus filhos podem ter vários defeitos, mas a honestidade foi por
ela passada pra nós com muito rigor. O melhor disso tudo é que hoje não temos
problemas de frustrações, nem recalques ou coisas semelhantes. Aprendemos,
dentre outras lições, que o que é dos outros não nos pertence – e seguimos
repassando isso aos que nos cercam como sobrinhos, parentes ou aderentes. O
melhor disso tudo é saber que essa atitude enérgica de minha mãe pode hoje ser
condenada pelos pedagogos de plantão. Mas, de uma coisa a gente não pode
esquecer: contra fatos não existem argumentos, pois nesse quesito, todos os
meus amigos contemporâneos tem idênticas posturas – certamente, suas mães são
do mesmo time da minha.
----------------
(*) Publicado no Recanto de
Letras em 19/03/2014 em dois textos 1 e 2. Como são todos conselhos de dona
Pretinha resolvemos publicar em um só texto. Desculpas ao autor, um dos
melhores colaboradores do nosso blog.
Nenhum comentário:
Postar um comentário