Por Carlos Sena (*)
Quando a gente tem tudo por
perto, percebe que o céu não é perto. A gente estuda, forma-se, cumpre todo o
ritual porque é preciso “vencer na vida”. É. Na minha terra os pais criavam os
filhos para “vencerem na vida”. Acredito que em outros locais também, pois
afinal os pais sempre querem o melhor para os filhos. Errado. Os pais, no
geral, querem o melhor pra eles, pois colocam os filhos nos seus sonhos e
querem que eles (os filhos) não tenham os deles. Assim, talvez tenha sido
comigo e com meus irmãos. Mas o vencer na vida era definitivo e através dos
estudos. É nesse fato que acho muito digno – através dos estudos! Porque
através deles, os filhos, se tiverem visão de mundo açodada, logo perceberão
que seus sonhos existem e que são diferentes dos seus pais.
Trilham-se os caminhos dos
estudos. Como disse pra vencer na vida. Mas o tempo que onera é o mesmo que
desonera. E os filhos seguem seus caminhos em desacordo, quase sempre, com os
sonhos sonhados pelos pais. Nada, evidentemente, contra os sonhos que os pais
constroem pra eles e que os filhos terão que realizar. O danado é que na
realidade concreta isso é quase que impossível. Não raro, diante dessa
impossibilidade, os filhos contrariam os pais. Ou quando tentam acatar os
sonhos deles, se dão mal e são infelizes. Houve um tempo em que na minha terra
filho tinha que estudar e se formar em Direito, Veterinária, Medicina e
Odontologia. Fora disso qualquer coisa
era submundo cultural, era “não vencer na vida”. Não vencer na vida
seria não ter vida boa, não ter dinheiro pra dar vida melhor aos pais e por aí
afora.
De repente a gente cresce e vai
estudar. Descobre que gosta de botânica, mas os pais querem que o filho seja
Advogado. O conflito fica posto, mas os filhos se forem resolutos seguem seus
caminhos. Afinal, os pais tiveram que seguir os seus independentes dos sonhos
dos pais deles. Finalmente se descobre que vencer na vida é além de ser doutor,
de ter mestrado, doutorado, phd, pqp ou que mais peste seja. Belo dia, doutor,
após ter “vencido na vida” uma pessoa pode se perder em si e não descobrir o
valor das coisas mais simples – porque talvez sejam essa que as pudessem fazer
feliz. Não se trata de ser contra ser um
bom profissional, nem tampouco de seguir sonhando os sonhos dos pais sem ser
eles. Trata-se de ser feliz numa vida tão volátil, tão cobradora mais do que
“passageira”...
Amanhã os pais se vão embora pro
outro lado da eternidade. Se orientaram os filhos em busca da felicidade,
ótimo. Porque é assim que os pais devem fazer com quem não pediu pra nascer. E
porque não pediu pra nascer não tem obrigação de cumprir sonhos por eles nunca
sonhados. Pai é Pai e filho é filho. Filho não é dos pais nem esses dele.
Ninguém é de ninguém. Portanto, urge que se seja feliz sendo rico, sendo pobre,
sendo homem, mulher ou os dois misturados. Para os pais o melhor que poderão
dar aos filhos é a possibilidade deve-los sonhando seus próprios sonhos e os
tornando realidade.
Diante de uma vida sexual pouco
ortodoxa que um filho viva, há pais que morrem.
Errado. Pais tem que amar aqueles que não pediram pra nascer e lhes querer
bem incondicionalmente. Um pai não precisa de um filho héteros, nem gay, por
exemplo, pois ele não vai copular com seu próprio filho e vice versa. É duro
isso, é. Mas a gente tá cheio de papo molinho e falso moralista. A vida é dura,
mas ela mole pouco vale. Assim, ser feliz custa pouco. Custa o olhar acurado
para deleite de um por de sol; custa dar valor a um colo de quem se ama; um
cafuné; um olhar cheiro de ternura; um afago; um silêncio de cumplicidade. Quem
vence na vida na forma como os pais queriam no passado, dificilmente serão
felizes com as coisas simples que são as que nos dão o sabor da vida e da
felicidade. Dinheiro é bom, mas a paz, o sossego, um beijo de quem se ama é
melhor. Tudo isso junto, com um bom emprego é um céu. Mas o céu é relativo.
Então que se absolutize o que for mais prático e mais legítimo para a
felicidade.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 13/01/2013
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