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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MACHADO, O NATAL E EU.




Por Carlos Sena


“Mudou o natal ou mudei eu?”... Ah, Machado de Assis que do seu belo soneto me faz pensar. Mais que isto: repensar nos natais dos tempos que não voltam mais. Parece mesmo que a vocação dos tempos bons é chegar, nos ludibriar de encantos e depois nos deixar com a saudade a tiracolo. Mudou o natal ou mudei eu? Mudou o natal e eu também mudei. Mudei pro mundo dos números, do acúmulo de bens materiais, da pouca solidariedade entre irmãos. Mudei como quem cala, mas não consente. Não consente que a gente faça do natal apenas um dia no ano. Não consente que a gente se finja de irmãos! Tampouco não se consente cúmplice do jogo dos presentes de boas festas e feliz natal. Ah, Machado de Assis, bem que eu poderia ter mudado como todo mundo lá fora. O que me deixa feliz nessa mutação é que o natal, diferente de mim, em sua essência não mudou.

O princípio dele é que virou fim e não se reconhece os irmãos pelo fim. Tudo bem que pra muita gente os fins justificam os meios. Pra mim não. Não neste caso do natal. Lembro, Machado, que quando criança mal terminava um natal e eu já estava perguntando a minha mãe quando ele chegava novamente. Ela tentava do seu jeito me dizer o tempo que faltava, mas eu não entendia, exceto quando via na pracinha da cidade o reflorir dos flamboyants. Naquele tempo a gente nem fazia ceia nos moldes de hoje. Mamãe nos levava pra pracinha do centro da cidade em frente da matriz e lá a gente era feliz e sabia. Diferente da canção do Ataulfo que as pessoas eram felizes sem saber, a gente sabia. Naquela praça a gente era livre e se divertia por nada – talvez pelo simples prazer de termos dentro de nós o natal em sua forma mais cristalina. A Missa do Galo! Ah, Assis, como era linda aquela missa. Tudo parava na hora em que o padre tocava o sino anunciando seu começo: parava o parquinho, as barracas da quermesse, a jogatina, o passeio na praça, enfim, tudo. Lembro que eu não parava. Ficava ali junto da minha mãe, mas com o pensamento lá fora, bem distante da homilia da missa do Galo. “Missa do galo”! Até esse nome me era estranho, mas se perdia no sentido dos meus natais. Depois minha avó me disse o porquê do nome e o significado do galo.

Assim era um pouco dos nossos natais. A gente vestia roupa nova e ia pra praça fazer nada, mas ao mesmo tempo fazia tudo, pois a gente era dona dos nossos natais e eles estavam dentro de nós – diferente de hoje – pois parece que ele fica de fora e nós mais ainda fora dele. Mudou tudo, Machado: o natal, eu e até você mudou. Mas você foi fiel em sua liturgia nos deixando essa inquietação do natal que passa, a gente pensa que não passa, mas marca sempre. Independente da modernidade, o natal como nos velhos tempos não morreu – foi morto pelo egoísmo humano e pelo estabelecimento de relações sociais interessadas mais no TER do que no SER. Sorte nossa, caro poeta, é que nalgumas pessoas o natal vive incólume, embora sem o glamour das luzes, dos corais, dos cantos gregorianos, das lapinhas, das cavalhadas, dos pastoris! O natal de verdade existe discreto em cada homem de boa vontade; em cada pessoa que faz do seu dia a dia um dia de natal; em cada ser que se vê no outro e entende que esse “outro” é a imagem e semelhança de Jesus.

Como se não bastasse, caro Machado de Assis, ainda importaram um velho de barbas brancas para vender ilusões. Dizem que veio do pólo norte (região do Ártico), mas bem que não precisava ter vindo de lugar nenhum. Dizem que ele vende sonhos, que está com o saco cheio de presentes para atender às crianças lhe pedem durante o ano. O pior, caro amigo, (desculpe a intimidade) é que os pais das crianças colaboram com esse imbróglio, pode? Assim, pouco a pouco a gente vai se retraindo e vivendo um pouco das lembranças do que um dia introjetamos dentro de nós sob forma de sentimento natalino. Pode até parecer saudosismo, mas não é. Não se pode ser saudoso com um fraterno sentimento que nutre o mundo. Não se pode ser saudosista vivendo numa  sociedade que atrela o Senhor dos céus e da terra aos efeitos materiais em detrimento do amor e do perdão. Por isto, Machado de Assis, seu soneto é novinho em folha. Eu é que me me sinto velho me perguntando como sem querer acreditar: “Mudou o natal ou mudei eu?”

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(*) Publicado no Recanto das Letras em 09/11/2011

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