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terça-feira, 26 de março de 2019

Você tem vergonha de ser brasileiro?





“Você tem vergonha de ser brasileiro?

POR RUTH DE AQUINO

Pode ser um mês. Pode ser um ano ou uma década. Estar fora não faz o Brasil sair da gente. Nossas belezas e mazelas vão na mala de rodinhas e no celular. Nosso sotaque nos acompanha, e junto vai a saudade da família, vai o jeito criativo e caloroso. Pode estar na Islândia, em Paris, na Patagônia, em Nova York, o brasileiro compartilha freneticamente memes, verdades e mentiras por WhatsApp.

É um choque ver sucessivas prisões de ex-presidentes ou ex-governadores por corrupção na Lava-Jato. A cada tragédia criminosa como as de Brumadinho e do Ninho do Urubu, a cada assalto com fuzil, bala perdida, inundação na sua esquina, feminicídio com rostos destroçados de mulher... a cada agressão covarde de PMs ou crime da milícia sem-vergonha... a cada “ato falho” da família Bolsonaro que transforma migrantes carentes em “vergonha nossa”, ou a cada besteirol de ministros e secretários ungidos por Deus acima de todos, a gente pensa: tenho vergonha de ser brasileiro?

Gosto de ser brasileira e carioca. Sou daqui, desse mar e dessas montanhas. O Rio de Janeiro, mesmo castigado, é deslumbrante. Há resistência cultural, moral e cívica em cada canto do país. É só olhar para o outro lado do espelho e vamos encontrar talento, alegria e solidariedade. Não podemos deixar uma maré de ignorância básica e cosmovisão cristã ou um discurso de esfola-e-mata nos subjugar ou derrotar nossa autoestima.

Por que a gente teima em voltar para o Brasil? Como morei cinco vezes na Europa, ouvi bastante essa pergunta. Desde os anos 1970. Voltar por quê, tá louca? O Brasil está numa crise imensa! Já vivemos temporadas obscuras. E jamais pensei em não voltar. Não tenho vocação para emigrar definitivamente para outro país. Teria uma vida mais sossegada. Mas seria mais triste.

O vento de intolerância sopra por todo lado. França, Holanda, Alemanha, Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos. Há terror, ânsia de separatismo, preconceito, temor da extrema-direita. Falta empatia e sobram muros. Nem falo de China, Rússia e África. Vemos êxodos de crianças famintas. Déspotas populistas, ditadores.

No Brasil, temos chance de contribuir para mudar. O que me envergonha é ver meu país expulsando o povo por falta de dois direitos fundamentais: Educação e Saúde. Em quase toda família que conheço, um casal jovem tenta emigrar porque não consegue manter filhos em escolas particulares e não há rede pública de qualidade. Idosos não conseguem um plano de saúde digno e e acessível. Buscam no exterior menos sobressaltos, mais civilidade e retorno para os impostos que pagam.

Esse foi um verão calorento que culminou num massacre em escola de São Paulo. A overdose no noticiário não ajudou. Estamos sensacionalistas demais. Nesse pós-carnaval e pós-tuite escatológico, não suportei o massacre de vídeos chocantes e depoimentos lacrimejantes sobre Suzano, que se repetiam ad nauseam por falta de informação nova. Desliguei. Não dá para banalizar o sofrimento ou espetacularizar atos de ódio. Precisamos de uma cota de boas notícias, uma injeção de esperança, arte e cultura. Nesse Brasil brasileiro, a gente esconde o que tem de bom.”

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