“Você tem
vergonha de ser brasileiro?
POR RUTH DE
AQUINO
Pode ser um mês.
Pode ser um ano ou uma década. Estar fora não faz o Brasil sair da gente.
Nossas belezas e mazelas vão na mala de rodinhas e no celular. Nosso sotaque
nos acompanha, e junto vai a saudade da família, vai o jeito criativo e caloroso.
Pode estar na Islândia, em Paris, na Patagônia, em Nova York, o brasileiro
compartilha freneticamente memes, verdades e mentiras por WhatsApp.
É um choque ver
sucessivas prisões de ex-presidentes ou ex-governadores por corrupção na
Lava-Jato. A cada tragédia criminosa como as de Brumadinho e do Ninho do Urubu,
a cada assalto com fuzil, bala perdida, inundação na sua esquina, feminicídio com
rostos destroçados de mulher... a cada agressão covarde de PMs ou crime da
milícia sem-vergonha... a cada “ato falho” da família Bolsonaro que transforma
migrantes carentes em “vergonha nossa”, ou a cada besteirol de ministros e
secretários ungidos por Deus acima de todos, a gente pensa: tenho vergonha de
ser brasileiro?
Gosto de ser
brasileira e carioca. Sou daqui, desse mar e dessas montanhas. O Rio de
Janeiro, mesmo castigado, é deslumbrante. Há resistência cultural, moral e
cívica em cada canto do país. É só olhar para o outro lado do espelho e vamos
encontrar talento, alegria e solidariedade. Não podemos deixar uma maré de
ignorância básica e cosmovisão cristã ou um discurso de esfola-e-mata nos
subjugar ou derrotar nossa autoestima.
Por que a gente
teima em voltar para o Brasil? Como morei cinco vezes na Europa, ouvi bastante
essa pergunta. Desde os anos 1970. Voltar por quê, tá louca? O Brasil está numa
crise imensa! Já vivemos temporadas obscuras. E jamais pensei em não voltar.
Não tenho vocação para emigrar definitivamente para outro país. Teria uma vida
mais sossegada. Mas seria mais triste.
O vento de
intolerância sopra por todo lado. França, Holanda, Alemanha, Espanha,
Grã-Bretanha, Estados Unidos. Há terror, ânsia de separatismo, preconceito,
temor da extrema-direita. Falta empatia e sobram muros. Nem falo de China,
Rússia e África. Vemos êxodos de crianças famintas. Déspotas populistas,
ditadores.
No Brasil, temos
chance de contribuir para mudar. O que me envergonha é ver meu país expulsando
o povo por falta de dois direitos fundamentais: Educação e Saúde. Em quase toda
família que conheço, um casal jovem tenta emigrar porque não consegue manter
filhos em escolas particulares e não há rede pública de qualidade. Idosos não
conseguem um plano de saúde digno e e acessível. Buscam no exterior menos
sobressaltos, mais civilidade e retorno para os impostos que pagam.
Esse foi um
verão calorento que culminou num massacre em escola de São Paulo. A overdose no
noticiário não ajudou. Estamos sensacionalistas demais. Nesse pós-carnaval e
pós-tuite escatológico, não suportei o massacre de vídeos chocantes e
depoimentos lacrimejantes sobre Suzano, que se repetiam ad nauseam por falta de
informação nova. Desliguei. Não dá para banalizar o sofrimento ou
espetacularizar atos de ódio. Precisamos de uma cota de boas notícias, uma
injeção de esperança, arte e cultura. Nesse Brasil brasileiro, a gente esconde
o que tem de bom.”
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ADG
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