“Tuitar e
governar
Por Denis Lerrer
Rosenfield
O risco de
identificar tuitar com governar tem uma alta carga explosiva. Ações e ataques
se multiplicam numa guerra cujo armamento principal reside nas redes sociais. O
pensamento tende a desaparecer em proveito de ações imediatas que se utilizam
de meios de expressão limitados, até pelo número de caracteres. Em tal
contexto, a concisão toma a forma de acusações, em que vale somente o valor
retórico ou demagógico do que é transmitido, sem a necessária atenção à verdade
do que foi comunicado.
Tuitar, como o exibiu
a campanha do atual presidente, tornou-se um elemento imprescindível em
eleições, em que prevalecem acusações e denúncias, sem que se estabeleça nenhum
diálogo e, por consequência, nenhum debate ou troca de pensamento. Ganha quem
souber transmitir uma mensagem, independentemente de sua coerência, falsidade
ou consistência. É bem verdade que o contexto da vitória era propício a tal
tipo de campanha, pois a sociedade brasileira estava farta da corrupção e dos
governos petistas, clamando por mudanças. Logo, chamando alguém capaz de
personificá-las. A hábil estratégia de comunicação da equipe do candidato
Bolsonaro foi exímia ao alcançar tal objetivo.
Acontece, porém,
que as demandas de governar são de outro tipo, exigindo um pensamento de outra
espécie, mais elaborado, caracterizado pela consideração do outro como
adversário, e não como inimigo, e por propostas de quais serão os programas de
governo para uma transformação do Estado. Aqui intervém o tempo de elaboração
de ideias, suas formas de implementação e seus instrumentos mais adequados. O
twitter eleitoral, tornado twitter presidencial, pode ser de valia, sempre e
quando acompanhado por uma comunicação digital institucional e uma atenção
particular para a mídia tradicional, em particular a impressa.
O recente
episódio envolvendo uma jornalista do Estadão e a imediata reação presidencial
é uma amostra do que não deve ser feito, um exemplo da identificação indevida
entre tuitar e governar. A jornalista Constança Rezende terminou sendo
envolvida numa rede de fake news, voltada para desacreditá-la e “denunciar” o
próprio jornal, tornado, então, “inimigo”. A jogada do suposto blogueiro é nada
mais do que pueril, própria de pessoa de má-fé, ideologicamente guiada. Chegou
a ser desautorizado pelo próprio site.
Note-se, a
propósito, que o Estadão é um jornal de longa tradição liberal, não se encaixa
minimamente no perfil de esquerdista ou petista, sua característica principal é
a adesão à liberdade como princípio. Soube se opor a regimes autoritários no
transcurso de sua história, tampouco se curvou à hegemonia petista. Não poderia
haver alvo mais inadequado.
Ganhou, no
entanto, dimensão global (sendo originário da França) ao ser tomado por
verdadeiro pelo presidente da República, que se apressou a considerar tal
falsidade como se fizesse parte de uma conspiração contra o atual governo. A
cautela deveria ter sido de rigor, exigindo, portanto, uma averiguação
preliminar de se tal “notícia” era ou não verdadeira. Houve um problema de
assessoria, o presidente não se pode arriscar indevidamente. Há toda uma
liturgia do cargo que deve ser observada.
Quando se parte
de uma suposta doutrina da conspiração, seu perigo maior consiste em que
qualquer opinião divergente é tomada como se fosse inimiga. A divergência e a crítica
fazem parte de qualquer sociedade democrática e como tal devem ser
consideradas. A mídia tradicional não é inimiga, mas uma espécie de poder
social independente, seu comprometimento maior é com a notícia verdadeira,
editoriais responsáveis e artigos analíticos. Ora, para preencher essa sua
função é primordial que tenha independência e rigor em suas fontes
investigativas.
A mídia
impressa, da qual este jornal é um exemplo, não perde sua importância num mundo
de comunicação digital. É ela que se torna um bastião para a averiguação das
fake news e do que se propaga, sem nenhuma regra ou controle, no mundo virtual.
É ela também que subsidia as redes sociais, que tomam dela boa parte de suas
“matérias” e “notícias”. Atrever-me-ia a dizer que a mídia impressa é cada vez
mais importante numa sociedade digital, servindo-lhe como referência e âncora
da verdade e da análise, lugar do pensamento. O problema está em que a
publicidade não leva em conta esse fator central, fazendo a mídia impressa
viver uma crise financeira atrás da outra. O paradoxo consiste em que a mídia
impressa é cada vez mais necessária num mundo virtual e suas condições de
existência são progressivamente mais precárias.
Do ponto de
vista governamental, pode haver total sintonia entre uma comunicação digital
presidencial, uma comunicação digital institucional e uma comunicação de mídia
tradicional. O que não convém é identificá-las e confundi-las. O próprio
presidente da República, por intermédio de seu porta-voz, general Rêgo Barros,
e de seu secretário de Comunicação Social, Floriano Amorim, sinalizou uma
correção de rota ao convidar jornalistas para dois cafés da manhã. O que conta,
aqui, é o fato de o presidente ter aberto essa forma de comunicação ao
reconhecer a mídia impressa e a televisiva como interlocutoras. Faltava,
evidentemente, esse tipo de interlocução, agora é ampliá-la.
O Brasil vive
uma oportunidade única de mudança. O presidente Bolsonaro foi eleito por
personificar a luta contra a corrupção, por suas firmes posições antipetistas e
por sua contestação frontal do politicamente correto. Tem a sorte de o PT estar
completamente desorientado, agindo como biruta de aeroporto. A rigor, não tem
oposição, salvo a que parece estar fazendo a si mesmo, com uso abusivo de
tuítes e divergências internas, de cunho ideológico, completamente
desnecessárias.
Urge a mudança e
para tal o bom senso deveria prevalecer.”
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AGD
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