“Menos Brasília?
Por Zeina Latif
As políticas
públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas
impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências
e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de
regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem
comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.
O debate sobre a
revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões
fiscais.
A Constituição
de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor
de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir
simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e
obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga
tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações
estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.
Outro sério
problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via
emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos
públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o
Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos
Municípios.
A posição dos
Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por
fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José
Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças
no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante
é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair
investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária
mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e
essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.
Esse quadro se
agravou na gestão Dilma. O governo federal, equivocadamente, promoveu renúncias
tributárias em impostos compartilhados, para estimular a economia. Além disso,
estimulou a leniências fiscal dos entes ao autorizar o aumento do endividamento
com aval da União e reduzir exigências para receber os repasses. Ainda que
deletérios, esses fatores não são a real razão da crise dos Estados, que
decorre de decisões equivocadas na contratação de servidores e aumentos de
salários acima dos ajustes no setor privado. O maior endividamento não resultou
em aumento de investimentos, mas sim em gastos com a folha.
Em grave crise,
a maioria dos governos estaduais pressionam por ajuda do Tesouro Nacional.
Não há espaço
para transferir mais recursos tributários aos entes, por conta do rombo fiscal
da União. Tampouco seria uma decisão sábia até que reformas estruturais mudem a
dinâmica dos gastos nos Estados e municípios. Seria água no ralo.
O governo acena
com outro tipo de ajuda: garantias da União para novos empréstimos aos Estados,
mesmo sem contarem com nota de crédito suficiente para ter direito ao aval. Não
parece medida adequada antes de ações concretas para cortes de despesas e
aprovação da reforma da Previdência.
Além disso,
propõe-se reduzir a rigidez orçamentária eliminando regras constitucionais que
regem o orçamento, o que impactaria basicamente gastos com saúde e educação. O
debate é necessário, mas o impacto da medida é limitado, não vai salvar
ninguém, pois o grande peso no orçamento é a folha de ativos e inativos. O tema
é polêmico e será difícil o Congresso aprovar sem um amplo debate.
Acredito que um
outro debate deveria ser o de inserir meritocracia nos repasses aos entes.
Estados e municípios que fazem boa gestão e têm bons resultados em termos de
qualidade do serviço público deveriam ser premiados.
Rever o pacto
federativo não é sinônimo de socorrer Estados. Se o lema é “menos Brasília e
mais Brasil”, os Estados precisam fazer sua parte, adotando medidas para elevar
a arrecadação e conter despesas. Sem isso, vamos continuar a assistir as
visitas periódicas dos entes subnacionais à Brasília pedindo ajuda.”
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AGD
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