“Bolsonaro à luz
da ciência comportamental
POR ROBERTO
MACEDO
A ciência
comportamental cobre várias disciplinas que estudam as ações humanas, como a
sociologia e a psicologia. E também o comportamento do ser humano no contexto
de outras disciplinas, como economia e biologia. Como economista, vi que nas
duas últimas décadas a economia comportamental ganhou grande espaço na análise
econômica. Com ajuda da psicologia, analisa as decisões econômicas e,
especificamente, as financeiras.
Entre as
evidências desse avanço, destaco um manual de economia comportamental publicado
este ano pela North-Holland, Handbook of Behavioral Economics – Foundations and
Applications. Tem dois volumes, 1.241 páginas e foi escrito por 24 autores,
vários deles de universidades famosas, como Yale, Harvard, Cornell, MIT e a
London School of Economics. No prefácio é dito que Daniel Kahneman, Richard
Thaler, George Akerlof, Tom Schelling, Robert Shiller e Jean Tirole, todos
premiados com o Nobel de Economia desde 2000, o foram “em parte, ou no todo,
por suas contribuições seminais à economia comportamental”.
Na sua essência,
a economia comportamental contesta o axioma da racionalidade do ser humano, que
por muito tempo pautou a análise econômica de suas decisões. Argumenta que essa
racionalidade é limitada e muitas vezes leva a decisões equivocadas.
Na economia
comportamental destaco Daniel Kahneman, um psicólogo. Suas análises têm
aplicação ampla, como às ações do presidente Bolsonaro. Os artigos científicos
que deram prestígio a Kahneman são de difícil leitura para o público em geral,
mas ele também publicou um livro mais acessível, já traduzido para o português,
Rápido e Devagar: duas formas de pensar (São Paulo: Objetiva, 2012). Nele
argumenta que o processo decisório do ser humano recorre a dois sistemas. O
sistema 1, automático e rápido, essencialmente intuitivo, influenciado por
instintos, emoções e vieses comportamentais, muitas vezes não se mostra
racional. O sistema 2 pensa de forma mais elaborada e controlada, toma mais
tempo e nele a racionalidade é mais presente. Nas decisões, a mensagem é se
informar bem sobre o objeto delas, submetê-las ao sistema 2, e que o recurso a
este se torne um hábito.
As decisões de
Bolsonaro ficam mais por conta do sistema 1. São impulsivas e às vezes causam
perplexidade, como ao divulgar um vídeo obsceno recentemente. Passando a um
exemplo de sua gestão, após enviar ao Congresso seu projeto de reforma da
Previdência Social, objeto de dificílimas negociações, num encontro com
jornalistas abordou a idade mínima de 62 anos proposta para a aposentadoria de
mulheres e o valor de R$ 400 por mês previsto para antecipar aos 60 anos o
Benefício de Prestação Continuada, devido a idosos carentes. Então admitiu que
a idade mínima feminina poderia ficar mais próxima de 60 anos e o referido
valor poderia ser ampliado.
Ou seja, já
cedeu antes de a negociação avançar, a ponto de um líder oposicionista,
Paulinho da Força, ironicamente agradecer essa concessão em mensagem a
parlamentares, nestes termos: “Nós que lutamos por uma reforma mais amena
podemos dizer que temos um aliado de peso: o amigo Jair Messias Bolsonaro”.
Houvesse o presidente recorrido ao sistema 2, uma resposta racional seria que a
proposta do governo é a que foi encaminhada ao Congresso e lá será discutida.
Na economia,
reconhecendo não entender do assunto, racionalmente decidiu pelo sistema 2 ao
delegá-lo ao ministro Paulo Guedes, mas mesmo assim costuma dar seus pitacos
pelo sistema 1, como nessa reunião com os jornalistas.
Bolsonaro também
se descuida na busca de informações, agravando seu despreparo em vários
assuntos. Não se espera que um presidente entenda de tudo, e racionalmente deve
sempre se aconselhar com especialistas de sua confiança. Mas ele valoriza muito
o aconselhamento de pessoas como Olavo de Carvalho, um filósofo que também
parece operar pelo sistema 1, e seus três filhos, mais inexperientes do que
ele. Estes deveriam mesmo é cuidar dos próprios mandatos, pois é para isso que
foram eleitos.
Bolsonaro tem
também vieses comportamentais que não se coadunam com seu cargo. Demonstra não
gostar dos políticos brasileiros e do jogo político indispensável para aprovar
matérias no Congresso, jogo esse que requer um compartilhamento de poder que
Bolsonaro recusa até mesmo a seu próprio partido. Pensando noutra disciplina, a
política comportamental, também aí ele está operando pelo sistema 1.
O que fazer?
Usando termo antigo aplicado a automóveis, que não vinham tão bem ajustados
como os modernos, pode-se dizer que o presidente ainda está amaciando como tal.
Aliás, então era comum colocar nos carros novos uma placa com o termo
amaciando, para advertir pedestres e motoristas quanto a riscos ligados à baixa
velocidade com que os veículos eram amaciados, a paradas súbitas e a outros
contratempos. Assim, ainda nesta fase Bolsonaro deveria habituar-se ao sistema
2, para refletir sobre decisões, ir devagar, buscar bons assessores, evitar
discursos improvisados mediante textos escritos revisados por assessores e
desviar-se em situações de maior risco.
Como penso no
Brasil, continuo a desejar sucesso ao presidente, mas vale apontar o risco de
que isso não aconteça – e sobrevir um desastre. Seus desacertos são um dos
ingredientes da deterioração das expectativas de crescimento do produto interno
bruto (PIB) em 2019, que, segundo o Boletim Focus, do Banco Central (de
expectativas do mercado financeiro), começaram o ano com uma taxa de 2,5%, mas
de umas quatro semanas para cá essa previsão caiu para 2%. Contudo esse mesmo
mercado ampliou de 2,6% para 2,8% sua previsão de aumento do PIB em 2020. Ou
seja, parece acreditar que o sucesso do presidente foi adiado, o que já é uma
deterioração das expectativas quanto ao seu desempenho.”
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AGD
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