“Ataque à
imprensa e o autoritarismo
POR MÍRIAM
LEITÃO
Há várias formas
de ameaçar a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro tenta um novo tipo, que
é expor na rede os jornalistas como forma de tolher, ameaçar, intimidar pessoas
que estão no exercício da profissão. Já fez isso várias vezes usando a rede de
sites, perfis e bots que controla desde a campanha. Neste caso que atingiu uma
repórter do “Estadão”, ele usou o cargo de presidente para divulgar uma
mentira, e isso é um crime duplo porque a Presidência tem poderes que não podem
ser usados com essa leviandade.
O presidente
Jair Bolsonaro não gosta dos jornais e jornalistas que não lhe seguem cegamente
e de forma acrítica. Acha que pode, através das redes sociais, substituir
entrevistas por lives do Facebook, trocar os anúncios oficiais da Presidência
por disparos no Twitter, e que ele e seus filhos podem promover falsos
jornalistas e perseguir os profissionais dos quais eles não gostam. Não dará
certo, como outras investidas autoritárias também fracassaram.
Eu escrevi em
2004 várias colunas criticando duramente as investidas contra a imprensa pelo
governo Lula, em seu início. Elas estão publicadas no meu primeiro livro,
“Convém Sonhar”. O então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu propôs a
criação de duas agências para controlar os jornalistas. Na exposição de motivos
para o Congresso, argumentou que sua iniciativa se devia ao fato de não haver
uma instituição capaz de “fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos
jornalistas”.
Os poderosos de
então, como os de hoje, estão errados. Os jornalistas estão submetidos a todas
as leis do país. E principalmente ao escrutínio de quem nos lê, ouve, assiste,
segue. Se naquela época o PT queria inventar uma agência que punisse os
discordantes, agora o presidente Bolsonaro cria milícias digitais que simulam o
movimento natural da opinião pública, e às quais ele pessoalmente dá a senha de
atacar.
O caso deste fim
de semana deve ser analisado cuidadosamente para se entender a forma Bolsonaro
de ameaçar a liberdade de imprensa. Um blog assinado pelo jornalista e
documentarista marroquino Jawab Rhalib, hospedado no site francês chamado
Mediapart, publica trechos de uma suposta entrevista de Constança Rezende e
inventa a frase “a intenção é arruinar Flávio Bolsonaro e o governo”. Rhalib
não entrevistou a repórter do “Estadão”. Recorreu a uma conversa que ela teve
com uma pessoa que se apresentou como estudante para entrevistá-la. Na própria
transcrição que o blog faz não aparece a frase atribuída a ela e ressaltada na
postagem do presidente brasileiro. Bolsonaro deu curso a uma mentira e insuflou
seguidores a atacar a jornalista. A Agência Lupa fez a verificação e mostrou
que era falso, o “Estadão” também desmentiu, mas o linchamento virtual
continuou, já que teve o aval do próprio presidente. Ontem à tarde, o Mediapart
publicou em português, em sua conta no Twitter, que não tem responsabilidade
sobre a seção de blogs — destinada a leitores — e que a informação que
Bolsonaro divulgou não era verdadeira. A propósito, quem ameaça o senador,
filho do presidente, é ele próprio e seu amigo Fabrício Queiroz. Quando
esclarecerem as movimentações bancárias estranhas, cessará o problema.
Não é a primeira
vez que o bolsonarismo ataca jornalistas. Os métodos já são conhecidos:
ameaças, xingamentos, uso de pedaços de verdade para construir uma grande
mentira, intimidação, exposição do rosto do repórter com o aviso de que aquela
pessoa é o alvo da vez. Isso já foi feito várias vezes nestes poucos meses que
vão da campanha, transição e exercício do poder.
O ataque virtual
é idêntico ao que fazia o então presidente Hugo Chávez. Ele era capaz, como vi
em Caracas, de no meio de uma multidão que o aclamava apontar para um
jornalista presente ao evento e acusá-lo de ser um inimigo do bolivarianismo,
colocando-o em risco físico. Como agora se aponta na rede quem supostamente é
inimigo do bolsonarismo.
Em abril de
2004, escrevi neste espaço contra governantes autoritários. “São perigosos,
estejam eles na esquerda ou na direita, seja de que partido forem”. Naquela
época me referia a essa tentativa do PT de criar agências para controle da
imprensa, projeto que acabou sendo retirado diante das muitas críticas. O
governo usou então sites aos quais repassava grandes somas de dinheiro para
criticar alguns jornalistas. Aquela coluna escrita há 15 anos tem frases que
parecem atualíssimas, como por exemplo, a que dizia: “Senhores governantes, por
favor governem”. É o que está faltando a Bolsonaro. Dedicar-se ao exercício do
cargo para o qual foi eleito e que tem usado de forma tão abusiva.”
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AGD
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