“O momento da
Lava-Jato
Por Fernando Gabeira
Aqui no alto da
Serra de Ibitipoca, uma bela região de Minas, chove e faz frio. Na minha
cabeça, tentava organizar um artigo sobre uma possível intervenção militar na
Venezuela. Rememorava a Guerra do Iraque e os grandes debates da época. Achava
uma visão idealista tentar impor, numa sociedade singular, a democracia liberal
à ponta do fuzil.
Continuo
achando. Lembro-me de que, num debate em Paraty, o escritor Christopher
Hitchens ficou bravo com meus argumentos. Nada grave. Semanas depois, escreveu
um artigo simpático sobre aquela noite. Hitchens, ao lado de outros
intelectuais como Richard Dawkins, dedicava-se muito ao combate da religião.
Mas não percebeu como suas ideias sobre a invasão do Iraque, como observou John
Gray, tinham uma ponta de religiosidade.
Esse era meu
plano. No alto do morro, o único lugar onde isso era possível, o telefone deu
sinal da mensagem: Temer foi preso. Moreira Franco também. A possibilidade da
prisão de Temer sempre esteve no ar. Na última entrevista, lembrei a ele que ia
experimentar a vida na planície.
Aqui neste
pedaço da Mata Atlântica, não é o melhor lugar para se informar em detalhes. No
meio da semana, tinha escrito um artigo sobre a derrota da Lava-Jato no STF,
que deslocou o caixa 2 e crimes conexos para a Justiça Eleitoral.
Lembrava que o
grupo de ministros que se opõem à Lava-Jato aproveitou um momento de
desequilíbrio. Foi o escorregão dos procuradores ao tentar destinar R$ 2,3
bilhões, oriundos do escândalo da Petrobras, para uma fundação. Eles recuaram
para uma alternativa mais democrática, um uso do dinheiro através de avaliação
mais ampla das necessidades do país.
Distante dos
detalhes da prisão de Temer, tento analisar este novo momento da Lava-Jato. Até
que ponto vai fortalecê-la ou ampliar o leque de forças que se opõem a ela,
apesar de sua popularidade? Diante da prisão do ex-presidente, que é do MDB,
certamente vai surgir uma tendência de opor as reformas econômicas à Lava-Jato.
É uma situação
nova, que ainda tento avaliar. O ministro Sergio Moro tem um pacote de leis
contra o crime que já está sendo colocado em segundo plano, em nome da reforma
da Previdência. É possível que avance junto ao governo uma nova tese, a de que
a Lava-Jato prejudica as reformas, reduzindo suas chances de aprovação. Além
disso, há o mercado, sempre expressando seu nível de pessimismo.
As acusações
contra Temer eram conhecidas. Como diz um analista estrangeiro, ele gastou
grande parte da energia e do tempo de seu governo para tentar escapar delas.
Por essas razões, será necessário deixar bem claras as razões que levaram Temer
à cadeia. É apenas mais um ex-presidente; mas, no caso de Lula, só houve prisão
depois de condenado em segunda instância. Essa diferença desloca o debate
técnico para a causa da prisão. Daí a importância de bons argumentos.
A ideia geral é
de que a Lava-Jato deve seguir seu curso independentemente de análises
políticas. Mas ele depende do apoio da opinião pública. Qualquer momento de
fragilidade é usado pelos lobos no Supremo que querem devorá-la.
Numa análise
mais geral, as eleições fortaleceram a Lava-Jato. A própria ida de Moro para o
governo era o sinal de que agora ela teria o Executivo como aliado. Mas as
coisas não são simples assim. A escolha de Moro por Bolsonaro foi um gesto
político.
A renovação no
Parlamento pode ter ampliado o apoio à Lava-Jato. Mas ainda é bastante nebuloso
prever que leis contra o crime, especialmente o do colarinho branco, tenham um
trânsito fácil, maioria tranquila.
O governo perde
prestígio, segundo as pesquisas. Está dependendo da reforma da Previdência.
Pode haver uma convergência momentânea para empurrar com a barriga as leis
contra a corrupção.
Houve maioria no
Supremo para mandar processos para uma Justiça Eleitoral sem condições de
investigá-los com rigor. A mesma maioria de um voto pode derrubar a prisão em
segunda instância.
Nesse momento,
não adiantará aquele velho argumento: perdemos uma batalha, mas venceremos no
final. Uma sucessão de derrotas precisa acender o sinal de alarme. Somente uma
interação entre a opinião pública e a parte do Congresso que entendeu a
mensagem das urnas pode reverter essa tendência. Haverá força para isso?”
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AGD
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