“‘Brazil first’
Por Eliane
Cantanhêde
Enquanto o
presidente Jair Bolsonaro distrai o digníssimo público com uma barbaridade por
dia, o mercado só quer saber da reforma da Previdência e o mundo, os
investidores, os exportadores e os importadores perguntam qual é a política
externa brasileira. Aliás, se há uma. Se há, pode ser resumida assim: “Brazil
first”.
É, obviamente,
um plágio do slogan de Donald Trump nos Estados Unidos: “America first”. A
questão, levantada por ex-presidentes, ex-chanceleres e diplomatas da ativa é
se é “Brazil first” ou se vai acabar sendo “Brazil after America”.
Além de causar
perplexidade de novo ontem, ao dizer que “liberdade e democracia só existem
quando as Forças Armadas assim o querem”, Bolsonaro enumerou os seus aliados no
governo e incluiu aí “aqueles que querem aproximação com países que têm
ideologia semelhante à nossa (Brasil)”.
Mais do que uma
manifestação de ojeriza a Cuba e Venezuela, foi uma referência à aliança com os
EUA e com Trump, pedra fundamental da política externa da “nova era”. Há
consenso quanto a aprofundar as relações com a maior potência mundial,
tradicional parceira brasileira. A dúvida é sobre a calibragem. Alinhamento
automático? Brasil caudatário dos EUA?
Tudo isso vai
ficar mais claro no encontro de Bolsonaro com Trump, dia 19. Além da gorda
pauta bilateral de negócios, cooperação e facilitação de trânsito de pessoas e
produtos, os dois terão muito a conversar sobre temas globais e regionais e
interesses estratégicos de EUA e Brasil, como Venezuela e China.
Setores do
Itamaraty lembram que Bolsonaro deixou muito claro na campanha eleitoral o que
pensava, o que significava e o que pretendia. Logo, o eleitorado chancelou uma
forte guinada ideológica no poder e isso, evidentemente, tem reflexo direto no
Itamaraty. Na montagem do gabinete, na distribuição das peças no tabuleiro e na
própria política externa.
A equipe do
chanceler rechaça “caça às bruxas” e diz que os movimentos são naturais. Mudou
o governo, muda o Itamaraty. Quanto à política externa, a intenção é “quebrar a
inércia”. Ou seja: rever conceitos, práticas e hábitos que vêm de décadas, de
governo após governo, como se fossem cláusulas pétreas. “É desligar o botão
automático”, resumiu um dos artífices das mudanças, sempre enfatizando que tudo
está sendo suave, sem solavancos.
Uma das
“verdades absolutas” é justamente que o multilateralismo tem de se sobrepor a
tudo. “Por quê?”, pergunta ele. Decisões de organismos internacionais são boas
quando são boas para o Brasil. Não são quando não convêm ao País. Simples
assim. Quer dizer... mais ou menos simples, porque a ONU tem seus problemas,
mas é fonte de estabilidade internacional, e a OMC, útil nas guerras
comerciais, é fundamental para países médios como o Brasil. E vai por aí afora.
Quanto aos temas
mais bombásticos da campanha, eles trariam enorme prejuízo ao Brasil e foram
estacionando no caminho para o poder: embaixada em Jerusalém, retirada do
Acordo do Clima, cacetadas na China. Parecem bem distantes.
Após reduzir a
estrutura do Itamaraty – “escolher pessoas para cargos, não cargos para
pessoas”, diz Araújo –, há sérias dificuldades para fechar postos no exterior
criados pelo ex-chanceler Celso Amorim como forma de atrair votos para uma vaga
no Conselho de Segurança da ONU. Criar é fácil, fechar é que são elas. É o
oposto do “soft power”, é como dizer aos países: “Vocês não têm a menor
importância”.
E a exoneração
do embaixador Paulo Roberto de Almeida por críticas ao chanceler? Resposta: não
é nenhuma novidade, que o digam os embaixadores Moscardo, Bustani e Samuel
Pinheiro Guimarães no governo FHC. Turma é turma.”
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AGD
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