“Ganhos e perdas
da visita de Bolsonaro aos Estados Unidos
Por Eliane
Cantanhêde
Nem tanto ao
mar, nem tanto à terra. Nem a versão de que nunca antes neste País uma viagem
do presidente brasileiro aos Estados Unidos teve tantos resultados
maravilhosos, nem a crítica de que a primeira visita bilateral do presidente
Jair Bolsonaro foi um fiasco marcado por um entreguismo humilhante.
Objetivamente, a
visita a Donald Trump rendeu decisões importantes no médio e longo prazos e o
que chocou foi o excesso de ideologia e o esforço inédito do presidente
brasileiro em agradar ao americano, afinando o discurso em praticamente todas
as áreas.
Bolsonaro levou
anúncios e apoios concretos, mas trouxe de volta alguns acordos fechados e
acenos a serem materializados.
Ele dispensou
americanos (além de canadenses, australianos e japoneses) de vistos, sem
contrapartida, e apoiou o muro entre os EUA e o México, que equivale a um muro
entre a potência EUA e uma América Latina incômoda. De que lado desse muro o
Brasil está? Não é mais latino-americano?
Também na linha
de agradar a Donald Trump, Bolsonaro foi para cima dos imigrantes ilegais
brasileiros nos EUA. A maioria deles, acusou, “tem más intenções”. Pegou tão
mal que Bolsonaro teve de pedir desculpas em público e o Planalto mandou
retirar e depois “editar” a entrevista no site oficial.
O pior, porém,
foi Bolsonaro apoiar a reeleição de Trump em 2020. Nada poderia ser tão
antidiplomático, tão surpreendente. E se Trump não disputar? E se sofrer
impeachment? E se perder para os democratas? A posição do presidente brasileiro
configura ingerência em assuntos internos e pode custar caro ao Brasil mais
adiante.
Curioso fazer o
cruzamento entre as manifestações do presidente e do seu filho, deputado
Eduardo Bolsonaro. Foi ele, Eduardo, quem primeiro meteu na cabeça um boné com
a inscrição “Trump 2020” e disse que os pobres imigrantes brasileiros – que,
aliás, votaram em massa em Bolsonaro – são “uma vergonha”. E também foi Eduardo
quem declarou que “o Brasil” apoia a decisão (ou obsessão) de Trump de
construir um muro entre o seu país e o México. Que “Brasil”, cara pálida?
Se Eduardo
Bolsonaro brilhou, ofuscou o chanceler Ernesto Araújo e deixou o Itamaraty de
lado, a filha e o genro de Trump, Ivanka e Jared Kushner, assim como o
secretário de Estado, Mike Pompeo, não deram o ar da presença. Se a visita de
Bolsonaro era tão importante, como eles sumiram e o secretário de Estado
viajou?
A ausência de
Pompeo foi pretexto para excluir Araújo da reunião de Trump e Bolsonaro no
Salão Oval, da qual só Eduardo participou. Nesse tipo de reunião, participam
pelo menos chanceleres, ministros da Economia, embaixador em Washington,
subsecretário para o Hemisfério Ocidental, tomadores de notas. Virou um
tête-à-tête, com Eduardo de quebra.
Bolsonaro também
ajustou o tom brasileiro sobre a Venezuela ao gosto de Trump. Enquanto generais
e diplomatas brasileiros são veementes ao dizer “não” para uma ação militar,
Bolsonaro foi vago, falou que discussões secretas não são reveladas e, mais
tarde, acrescentou: “diplomacia em primeiro lugar, até as últimas
consequências”. Ficou claro que a possibilidade, por mais absurda, está “on the
table”.
Bolsonaro tem de
enfrentar uma negociação duríssima para obter o maior troféu da viagem: o aval
dos EUA para entrar na OCDE. Trump condicionou o apoio à decisão do Brasil de
abrir mão dos privilégios que a OMC concede a países emergentes. Ou seja: o
Brasil vai ter de renunciar à condição de emergente e se arvorar desenvolvido.
A única coisa
que não pode acontecer é o Brasil abdicar já da condição preferencial da OMC e
ficar esperando dois ou três anos para entrar, se entrar, na OCDE. As duas
medidas têm de ser, no mínimo, simultâneas. Quanto ao reconhecimento do Brasil
como aliado extra-Otan dos EUA, é basicamente um título honorífico. A Argentina
já o ostenta desde 1998. E daí?
Bem, o acordo de
salvaguardas para o uso comercial da Base de Alcântara (MA), negociado por 20
anos, é um bom negócio para ambos. Uma enorme economia para eles, como admitiu
Trump. Uma janela de oportunidades para nós, como todos reconhecem. E houve
acordos importantes nas áreas de energia, defesa e segurança, além de promessas
de abertura comercial e conversas sobre agricultura.
Logo, foi bom,
como sempre foi bom. FHC trouxe US$ 40 bilhões do FMI para enfrentar a crise do
Brasil do início dos anos 2000. Lula acertou uma grande reestruturação das
relações bilaterais, com impacto muito positivo para o Brasil. A diferença é
que nunca antes neste País o presidente se esforçou tanto para dizer amém a
tudo que Washington quer.
A viagem
seguinte do presidente foi ao Chile, onde os países da América do Sul
descartaram a Unasul e começaram a construir o Prosul. A Unasul foi uma ideia
megalomaníaca do venezuelano Hugo Chávez, até com banco e agência de notícias
comuns, na era do “bolivarianismo”. Chávez morreu, a Venezuela afundou e houve
a forte guinada da esquerda para a direita na região. O Prosul reflete isso.
Trata-se de um fórum de debates e de desenvolvimento com nítido carimbo
liberal.
A próxima parada
de Bolsonaro é Israel, um dos focos da política externa brasileira na “nova
era”. Há um problema de oportunidade, já que o primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu, aliado de Bolsonaro, foi indiciado por corrupção. Mas, antes mesmo
da viagem, o Brasil já revê sua posição histórica na ONU e votou ontem, em
Genebra, contra uma resolução que pede o fim da ocupação israelense nas Colinas
do Golan, a libertação de sírios presos em complexos israelenses e condena
violações de direitos humanos. O Brasil, portanto, votou do jeitinho que Trump
gosta.”
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AGD
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