“Democracia à
mão armada
Por Fernão Lara
Mesquita
Já que em
reforma pra valer ninguém fala mesmo, lá vai só pra você saber como é.
O voto
distrital sozinho só barateia o custo das eleições. O que é decisivo é armar a
mão dos eleitores para depois das eleições. Lei de iniciativa popular todo
mundo já tem. Mas retomada de mandato (recall) e referendo das leis aprovadas
pelos legislativos por iniciativa popular é o que realmente as faz valerem
exatamente como você as fez. Primárias diretas, eleições de retenção de juízes,
defesas contra arrochos tributários, tudo o mais pode ser conseguido brandindo
essas duas armas. O sistema tem de ser o distrital puro (misto é tapeação) só
para garantir que elas sejam usadas com absoluta legitimidade e segurança para
o regime.
A delimitação
do distrito eleitoral é função do número de eleitores dividido pelo número de
representantes que se quer ter em cada instância de poder. Mas a fidelidade
dessa representação é tudo. Tem de ser pessoa a pessoa. A única base aferível
para isso é o endereço do eleitor. Cada município pode definir quantos
legisladores quer ter e qual o tamanho dos seus distritos eleitorais desde que
siga a regra básica de quantidades equivalentes de moradores em cada um. O
distrito é então desenhado sobre o mapa e daí por diante só o censo poderá
levar a alterações. Os eleitores podem mudar de distrito mas o distrito só
mudará de desenho se o censo demonstrar que houve grandes alterações na
equivalência do número dos seus habitantes.
Em eleições
estaduais cada distrito será uma soma de distritos municipais. Nas federais uma
soma maior. 513 congressistas daria distritos de mais ou menos 400 mil
habitantes neste Brasil de 207 milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435
deputados, cada distrito federal tem aproximadamente 700 mil habitantes. Os
candidatos só podem concorrer por um distrito e cada distrito só elege um
representante. Assim todos saberão o nome e o endereço de cada um dos seus
eleitores. Não tem enganação.
No Congresso
americano os deputados não representam um estado mas sim “o distrito número
tal”. Não há vice nem “suplente”. Se alguém renunciar, morrer ou tiver o
mandato retomado o distrito convoca nova eleição e elege o substituto. Não tem
data marcada, nem para isso, nem para deseleger representantes ou funcionários
eleitos. E quase todos os que têm função de fiscalização ou contato direto com
a população como fiscais, auditores, promotores, xerifes, policiais e outros
são diretamente eleitos.
A maioria das
cidades americanas não tem mais prefeito ou vereador. Nos sistemas de City
Council ou de City Manager, as variantes mais usadas, elege-se um conselho de
cinco a sete membros chefiados por um CEO ou “gerente”, com metas precisas para
entregar e demissível a qualquer momento. Como tudo que é importante será mesmo
proposto por lei de iniciativa popular e/ou aprovado em referendo, os corpos
legislativos, lá, são, cada vez mais, oficinas de acabamento técnico das leis.
Um recall, um
referendo ou uma lei podem ser propostos por qualquer cidadão. Ele terá de passar
uma lista no distrito afetado e colher assinaturas válidas numa quantidade pré-determinada
(em geral de 5% a 7%) a serem aferidas pelo Secretário de Estado municipal ou
estadual, funcionário que se dedica exclusivamente a organizar essas “eleições
especiais” que acontecem a toda hora. Uma vez qualificada a proposta, haverá
uma campanha de esclarecimento contra e a favor e então, ou a proposta constará
da cédula da próxima eleição, ou será convocada uma “eleição especial” só no
distrito afetado para um “sim” ou um “não”.
Nas cédulas das
eleições majoritárias – presidenciais, estaduais ou municipais – aparecem
dezenas de proposições geradas por esse sistema nas quais votarão apenas os
eleitores dos distritos afetados. É nelas, também, que estarão os nomes dos juízes
de cada comarca, coincidentes com um ou mais distritos eleitorais, com a
pergunta: “O juiz fulano deve permanecer mais quatro anos na função”? Cada
eleitor, portanto, preenche alguns quesitos e deixa outros em branco. O
resultado será conferido a partir do seu endereço, daí as apurações lá
demorarem tanto.
Cada cidadão,
enfim, tem um poder decisivo sobre o seu pedaço mas ninguém tem poder sozinho
sobre o todo. A constituição federal define o regime e as atribuições de cada
ente federativo e de cada um dos três poderes, e só. Os direitos do cidadão e
seu respectivo custo fica para as constituições estaduais e municipais que são
revistas a cada 10 anos.
Nas ex-colônias
inglesas da América, Ásia, África e Oceania, independente do grau de desenvolvimento,
o distrito básico é o bairro que elege o school board de cada escola pública.
Esse “conselho diretor” de entre cinco e sete membros constituído por pais de
alunos é quem contrata (e demite) o diretor da escola e aprova ou não o seu
currículo e o seu orçamento anual. Nos Estados Unidos as escolas têm a
prerrogativa de emitir títulos de dívida para financiar projetos novos desde
que atendam à regra nacional para isso, que torna obrigatório, para a emissão
de qualquer dívida pública, um projeto mostrando quanto se quer arrecadar, em
quanto tempo se dará o resgate, quanto vai custar e quem vai pagar. O projeto
vai então a votação direta da comunidade afetada. O resgate normalmente é feito
mediante um aumento temporário do IPTU somente dos moradores do bairro
beneficiado. O estado só interfere para prover mais verba para escolas de
bairros sem condição de se autofinanciar. O mesmo esquema é usado em obras como
construção ou reforma de estradas, pontes e prédios públicos, aumentos de
salário para esta ou aquela categoria de funcionários e etc., tanto nos estados
quanto nos municípios. O resgate sempre é amarrado a algum mecanismo adstrito à
comunidade beneficiada como pedágios, taxas adicionais temporárias nos combustíveis
ou no imposto local de bens de consumo. Nem pensar em criar ou aumentar
impostos sem consulta direta, no voto, a quem vai paga-los.
Na democracia à
mão armada os reféns são “eles” e a corrupção e a miséria praticamente
desaparecem.
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AGD
comenta:
Já
estive nos Estados Unidos, pelo menos, o tempo suficiente para, ao andar pelas
ruas, ficar refletindo como eles podem ter cidades tão organizadas, mesmo como
uma população, às vezes, alta e com um volume de veículos a dar inveja à
Avenida Paulista, por exemplo, ou mesmo em Bom Conselho dia de feira.
Ao
ler o texto acima do Fernão Lara Mesquita, já tendo, há algum tempo me metido
na área de Planejamento Urbano, eu fiquei pensando, e quase descobri, porque lá
as coisas dão certo e aqui, na maioria das vezes não dão. E o motivo é um só: A
participação popular de uma forma adequada e agindo em seu benefício, tendo na
mão a grande arma da Democracia que é o voto, junto com a outra arma essencial que é a possibilidade
de “julgar” a qualquer tempo seus governantes.
Vivemos
num país onde a coisa mais difícil que existe é demitir um funcionário público.
Suas leis emperradas e eivadas de privilégios constroem um sistema
completamente ineficiente e que se propaga no tempo, gerando crises e mais crises,
muitas vezes evitáveis, dando uma mudada na gestão. Isto se aplica também ao
campo político.
Por
que esperar que um vereador totalmente incompetente, como conheço vários, só
possam deixar de cometer iniquidades depois de 4 anos? O prejuízo é muito
grande e evitável com o chamado “recall” que é uma forma civilizada e eficiente de
gerir o bem público, com a ingerência popular.
Participação
popular, aqui, virou apenas um meio de proteger alguns partidos políticos que
se vangloriam de ajudar os pobres, sem pensar que há sempre pobres e ricos numa
comunidade e não se pode criar valores morais aceitos por todos para dizer que
uns são melhores do que os outros.
Em
suma, uma reflexão mais aprimorada e ampliada de uma reforma política que não
passe do nome deve levar em conta as ideias desenvolvidas no texto acima
transcrito.
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