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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Decepção: o Supremo e sua pauta-bomba




        
POR ROBERTO MACEDO

Como outras no Congresso Nacional, uma pauta-bomba surgiu no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 8 de agosto, ele aprovou reajuste de 16,38% dos salários de seus ministros. A proposta passará para o Congresso, onde a tradição é aprovar coisas do tipo, e desse tipo em particular, pois também serviria de pretexto para ampliar ganhos de deputados e senadores.

Se ali aprovada, é caso para veto presidencial. Seja pelo presidente de saída, para melhorar sua má imagem pública, ou pelo(a) novo(a) presidente, que, se aceitasse o reajuste, já estaria no caminho de um mau governo, pois agravaria ainda mais seu principal problema: a enorme crise fiscal que cairá em seu colo na posse.

Tenho insistido em apontar essa crise como um seriíssimo problema sem solução, e em pregar que esta seja tomada com urgência. Às vezes dá vontade de jogar a toalha, como ao ver o STF, que deveria primar pela sabedoria e pelos bons modos, optar por mais um petardo dirigido às contas públicas.

Contudo, animaram-me a ir em frente os paupérrimos argumentos brandidos por ministros do STF em defesa de sua lamentável decisão. E também o placar da decisão, 7 votos a 4, longe de um humilhante 10 a 1 ou 11 a zero.

Aliás, comparado ao de um jogo de futebol, esse placar se distingue porque os gols da vitória foram contra. Contra quem? Os quase 210 milhões de brasileiros, dos quais apenas alguns milhares foram favorecidos. A favor dessas centenas de milhões vieram os gols dos derrotados, infelizmente insuficientes para a vitória, mas com responsabilidade e espírito público.

Marcaram contra os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Surpreendi-me só com o gol do último, pois esperava um a favor, como os de Cármen Lúcia, Celso de Mello, Rosa Weber e Edson Fachin. As únicas mulheres do STF brilharam mais uma vez.

Passando aos paupérrimos argumentos dos vencedores, o ministro Toffoli alegou que o reajuste não provocará aumento de despesas. Textualmente: “Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando dinheiro da saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios” (Estadão, 9/8). Ora, se é possível tirar dinheiro dessas despesas, é porque são irrelevantes e já deveriam ter sido cortadas, com repasse do montante ao Executivo, carente crônico de recursos para despesas com educação e saúde, entre outras sob aperto pela crise fiscal em andamento. Ademais, o ministro ignorou os efeitos em cascata dos reajustes nos seus impactos sobre outros orçamentos públicos, como nos Estados. Conforme cálculo das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, em face desses efeitos o custo do reajuste anual total foi estimado em R$ 4 bilhões (!), cerca de cinco vezes (!) os R$ 717,2 milhões (!) previstos para o Poder Judiciário federal.

O ministro Lewandowski argumentou que o reajuste recuperaria parcialmente perdas de salário real em razão da inflação e, com base no segundo número citado, provocaria impacto inferior ao valor de R$ 1 bilhão que recentemente a Operação Lava Jato devolveu aos cofres da Petrobrás. Ora, o que uma coisa tem que ver com a outra? É um raciocínio estrambótico. Louve-se a Operação Lava Jato, mas não tem sentido tratar esse dinheiro como justificativa de reajustes salariais no setor público. É o caso de perguntar ao ministro: dentro de seu estranho raciocínio, como custear o reajuste nos anos seguintes se a Lava Jato não transferisse mais dinheiro para a Petrobrás? E como esta passaria dinheiro para o governo?

A Constituição exige que os ministros do STF tenham reputação ilibada e notável saber jurídico, e este deveria incluir uma boa noção de como funcionam as contas públicas. Alguns também não parecem preocupados com sua reputação.

A discussão do assunto deve focar em quatro pontos: 1) a magnitude do reajuste e sua abrangência; 2) a justiça dele em si mesmo, relativamente aos beneficiados e aos excluídos de algo semelhante; 3) quem vai pagar a conta; e 4) o estado das contas públicas em sua capacidade de suportá-lo, que não vejo.

São elementos para avaliar a ética da decisão, que tem como parâmetro sua relação com o bem comum à sociedade, se alcançado ou não. Não me meto a avaliar a decisão em sua moral, pois cada um tem a sua, algo pessoal e normativo. Em particular, entre juristas, como são todos os ministros do STF, costuma-se tomar a legalidade como sinônimo de moralidade.

A magnitude do reajuste é alta e alcança salários que estão entre os maiores do poder público federal e do País como um todo. Há categorias de servidores com salários muito menores e sem reajustes de mesma magnitude. E há os efeitos em cascata, como nos Estados, que prejudicarão não só servidores sem reajuste há muito tempo, mas também poderão agravar atrasos de pagamentos, que ocorrem nos Estados de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Quem vai pagar a conta é o povão, via impostos ou mais dívida pública. E decisões como esta agravam ainda mais a desconfiança dos agentes econômicos quanto ao futuro das contas públicas. Entre esses agentes se destacam empresários e consumidores, que assim restringem suas decisões de investir e consumir, prejudicando o crescimento econômico e a arrecadação de impostos.

Trata-se, portanto, de decisão aética, pois compromete o bem comum. Quanto a isso, digno de registro foi o desabafo da ex-presidente do STF ministra Cármen Lúcia, após a decisão: “Fui contra devido ao momento do Brasil. Grave do ponto de vista econômico e fiscal, com uma sociedade que está penando muito pelas condições que estamos vivendo, com mais de 13 milhões de desempregados. Então eu acho que, se o sacrifício é de todo mundo, tem de ser nosso também”.

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