POR ROBERTO
MACEDO
Como outras no
Congresso Nacional, uma pauta-bomba surgiu no Supremo Tribunal Federal (STF).
No dia 8 de agosto, ele aprovou reajuste de 16,38% dos salários de seus
ministros. A proposta passará para o Congresso, onde a tradição é aprovar
coisas do tipo, e desse tipo em particular, pois também serviria de pretexto
para ampliar ganhos de deputados e senadores.
Se ali
aprovada, é caso para veto presidencial. Seja pelo presidente de saída, para
melhorar sua má imagem pública, ou pelo(a) novo(a) presidente, que, se
aceitasse o reajuste, já estaria no caminho de um mau governo, pois agravaria
ainda mais seu principal problema: a enorme crise fiscal que cairá em seu colo
na posse.
Tenho insistido
em apontar essa crise como um seriíssimo problema sem solução, e em pregar que
esta seja tomada com urgência. Às vezes dá vontade de jogar a toalha, como ao
ver o STF, que deveria primar pela sabedoria e pelos bons modos, optar por mais
um petardo dirigido às contas públicas.
Contudo,
animaram-me a ir em frente os paupérrimos argumentos brandidos por ministros do
STF em defesa de sua lamentável decisão. E também o placar da decisão, 7 votos
a 4, longe de um humilhante 10 a 1 ou 11 a zero.
Aliás,
comparado ao de um jogo de futebol, esse placar se distingue porque os gols da
vitória foram contra. Contra quem? Os quase 210 milhões de brasileiros, dos
quais apenas alguns milhares foram favorecidos. A favor dessas centenas de
milhões vieram os gols dos derrotados, infelizmente insuficientes para a vitória,
mas com responsabilidade e espírito público.
Marcaram contra
os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso,
Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Surpreendi-me só
com o gol do último, pois esperava um a favor, como os de Cármen Lúcia, Celso
de Mello, Rosa Weber e Edson Fachin. As únicas mulheres do STF brilharam mais
uma vez.
Passando aos
paupérrimos argumentos dos vencedores, o ministro Toffoli alegou que o reajuste
não provocará aumento de despesas. Textualmente: “Não se está encaminhando para
o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando dinheiro
da saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos
custeios” (Estadão, 9/8). Ora, se é possível tirar dinheiro dessas despesas, é
porque são irrelevantes e já deveriam ter sido cortadas, com repasse do
montante ao Executivo, carente crônico de recursos para despesas com educação e
saúde, entre outras sob aperto pela crise fiscal em andamento. Ademais, o ministro
ignorou os efeitos em cascata dos reajustes nos seus impactos sobre outros
orçamentos públicos, como nos Estados. Conforme cálculo das consultorias de
Orçamento da Câmara e do Senado, em face desses efeitos o custo do reajuste
anual total foi estimado em R$ 4 bilhões (!), cerca de cinco vezes (!) os R$
717,2 milhões (!) previstos para o Poder Judiciário federal.
O ministro
Lewandowski argumentou que o reajuste recuperaria parcialmente perdas de
salário real em razão da inflação e, com base no segundo número citado,
provocaria impacto inferior ao valor de R$ 1 bilhão que recentemente a Operação
Lava Jato devolveu aos cofres da Petrobrás. Ora, o que uma coisa tem que ver
com a outra? É um raciocínio estrambótico. Louve-se a Operação Lava Jato, mas
não tem sentido tratar esse dinheiro como justificativa de reajustes salariais
no setor público. É o caso de perguntar ao ministro: dentro de seu estranho
raciocínio, como custear o reajuste nos anos seguintes se a Lava Jato não
transferisse mais dinheiro para a Petrobrás? E como esta passaria dinheiro para
o governo?
A Constituição
exige que os ministros do STF tenham reputação ilibada e notável saber
jurídico, e este deveria incluir uma boa noção de como funcionam as contas
públicas. Alguns também não parecem preocupados com sua reputação.
A discussão do
assunto deve focar em quatro pontos: 1) a magnitude do reajuste e sua
abrangência; 2) a justiça dele em si mesmo, relativamente aos beneficiados e
aos excluídos de algo semelhante; 3) quem vai pagar a conta; e 4) o estado das
contas públicas em sua capacidade de suportá-lo, que não vejo.
São elementos
para avaliar a ética da decisão, que tem como parâmetro sua relação com o bem
comum à sociedade, se alcançado ou não. Não me meto a avaliar a decisão em sua
moral, pois cada um tem a sua, algo pessoal e normativo. Em particular, entre
juristas, como são todos os ministros do STF, costuma-se tomar a legalidade
como sinônimo de moralidade.
A magnitude do
reajuste é alta e alcança salários que estão entre os maiores do poder público
federal e do País como um todo. Há categorias de servidores com salários muito
menores e sem reajustes de mesma magnitude. E há os efeitos em cascata, como
nos Estados, que prejudicarão não só servidores sem reajuste há muito tempo,
mas também poderão agravar atrasos de pagamentos, que ocorrem nos Estados de
Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Quem vai pagar
a conta é o povão, via impostos ou mais dívida pública. E decisões como esta
agravam ainda mais a desconfiança dos agentes econômicos quanto ao futuro das
contas públicas. Entre esses agentes se destacam empresários e consumidores,
que assim restringem suas decisões de investir e consumir, prejudicando o
crescimento econômico e a arrecadação de impostos.
Trata-se,
portanto, de decisão aética, pois compromete o bem comum. Quanto a isso, digno
de registro foi o desabafo da ex-presidente do STF ministra Cármen Lúcia, após
a decisão: “Fui contra devido ao momento do Brasil. Grave do ponto de vista
econômico e fiscal, com uma sociedade que está penando muito pelas condições
que estamos vivendo, com mais de 13 milhões de desempregados. Então eu acho
que, se o sacrifício é de todo mundo, tem de ser nosso também”.
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AGD
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