Por Elena
Landau
Escrevo de
Copenhagen, onde passo por um choque civilizatório. Todo mundo para no sinal,
até os passantes. Não se ouve barulho de buzinas. Bicicletas, carros e
pedestres convivem de forma harmônica. Muito respeito e gentileza entre as
pessoas. País conhecido pelo bem-estar social e pouca corrupção, e uma grande
confiança da sociedade nas instituições e seus instrumentos. A Dinamarca supera
a média de países da OCDE, em itens como conexões sociais, engajamento cívico,
educação e habilidades. A carga tributária é elevada, mas a sociedade sente que
recebe de volta os impostos pagos. Impossível não pensar no Brasil, no
contraste com nossa realidade.
Me veio à
cabeça um extraordinário artigo de João Moreira Sales (1) em que ele descreve
com maestria a situação que vivemos hoje. O texto fala das pichações nos muros
cariocas com os dizeres “Não fui eu” e de seu significado: “A culpa não é
minha”. Eu não tenho sentimento de responsabilidade. Eu não ajudei a cavar o
buraco. Se os outros fazem, eu também posso. Posso parar em fila dupla, avançar
sinal, não pagar impostos, sentar em lugares reservados para grávidas e idosos.
Um erro é justificado pelo erro dos outros. E no final estão todos
insatisfeitos. Por aqui, percebe-se o oposto; um senso de comunidade e de
pertencimento. Todos são responsáveis.
Como quebrar
esse equilíbrio ruim que vivemos no Brasil? Como chegar num ambiente
institucional que inverta a lógica? Se ninguém fecha o cruzamento, também não
fecharei é obviamente um equilíbrio superior.
Não há muitas
opções. Ou isso acontece culturalmente, educando a sociedade, fortalecendo
instituições, integrando o cidadão, crescendo e reduzindo a desigualdade, um
percurso longo e lento. Ou pelo caminho da punição. Há candidatos à Presidência
que escolheram a segunda via, que em nada contribuirá para uma mudança
cultural. Mas é compreensível o apoio de parte dos eleitores a propostas de
repressão. Estão com medo e apreensivos quanto ao seu futuro, num presente
marcado pelo desemprego e pela violência. E pior, sem esperanças. Não têm a
quem recorrer. Interesses corporativos se sobrepõem ao interesse difuso da
sociedade. E as instituições que deveriam zelar pelo bem comum estão cada dia
mais voltadas para seu próprio bem-estar. A defesa de privilégios inconcebíveis
num país marcado pela desigualdade não enrubesce ninguém.
Os três Poderes
estão em desordem, sem credibilidade, não oferecem rumo ao País, se boicotam e
não assumem responsabilidades. Recentemente, o STF se autoconcedeu um reajuste
de 16,38%, enquanto 13 milhões de desempregados não têm aumentos sobre os seus
não salários. Farinha pouca, meu pirão primeiro, não é exatamente o
comportamento que se espera da Corte nesta crise.
O Supremo sabe
que há um efeito cascata sobre outras carreiras, federais e estaduais, como já
deixou claro o Ministério Público (MP). Tremenda irresponsabilidade. No melhor
estilo “não fui eu”, os que defendem o reajuste alegam que o impacto sobre as
contas é pequeno e que pode ser financiado com remanejamento de gastos. Por que
não economizaram antes, é o que me pergunto. Uns querem até usar os recursos
recuperados na Lava Jato como uma forma de bonificação, quando estavam
simplesmente cumprindo as funções do cargo que lutaram para exercer.
O aumento dos
salários dos ministros do STF ainda tem de ser aprovado pelo Congresso. O
Congresso terá apetite para vetar? É o mesmo Congresso que aprovou o aumento
dos servidores na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019. E que cedeu ao
lobby das corporações, especialmente do MP, e engavetou a reforma da
Previdência.
O Executivo,
por sua vez, perdido entre denúncias de corrupção, vai assistindo, sem
credibilidade para intervir, a deterioração das contas públicas e a redução de
espaço para fazer política social. Se arrasta para o fim do mandato agarrado
como um afogado na regra que impõe um teto aos gastos para evitar o descontrole
total e a volta da inflação, que como sabemos “resolve” os conflitos
distributivos da pior maneira possível. E o sentimento de pertencimento e
responsabilidade que percebi nesses poucos dias por aqui vai ficando mais
distante.
E todos
seguimos com a consciência tranquila, afinal, não foi ninguém.
( (1) Anotações sobre uma pichação, João Moreira
Salles, Piauí, abril de 2018
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