“PSL: o liberal e o capitão
POR MÍRIAM LEITÃO
A grande dúvida econômica em
relação à campanha de Jair Bolsonaro é se as ideias liberais de Paulo Guedes
entraram na cabeça do candidato do PSL à Presidência. “Não sabemos o quanto
disso vai se converter em ideias liberais”, admitiu Guedes. “O economista vai
propor coisas duras, o presidente vai dar uma amaciada, o Congresso vai dar
outra amaciada, e vai sair de lá um negócio que não é o que o economista quis,
mas também não é o que a turma queria.”
Qualquer processo de negociação
altera o teor dos projetos, mas neste caso a dúvida é maior. Não há qualquer
ponto de contato entre o liberal e o capitão. Ao longo da vida pública, o
deputado Jair Bolsonaro votou contra todas as propostas de privatização, quebra
de monopólio, previdência e até o Plano Real. Votou a favor de privilégios de
parlamentares e entrou na carreira política em defesa do soldo de militares e
policiais. Nada que nem remotamente lembre a pregação liberal de Paulo Guedes
em toda a sua carreira de economista e empreendedor.
E o que está no programa, ou tem sido
defendido por Paulo Guedes, é radical. Na entrevista que concedeu à Central das
Eleições da Globonews, ele confirmou que calcula em R$ 2 trilhões o valor da
venda de todas as participações do governo em estatais e de 700 mil imóveis da
União. Na lista dos bens a serem privatizados está a Petrobras, o Banco do
Brasil, a Caixa. Tudo. A Eletrobras, também. “Vamos fazer o que o Temer está
fazendo, só que mais rápido do que ele. A convicção vem de muito tempo.” A
convicção de Paulo Guedes é da vida toda, mas a de Bolsonaro não se sabe se
existe.
O mais relevante são as
contradições no presente. O candidato Jair Bolsonaro, na entrevista que
concedeu à Globonews, havia defendido a recuperação do valor das aposentadorias
e pensões em salário mínimo. Nos governos Fernando Henrique e Lula, houve
sempre aumentos reais do salário mínimo. Por isso, muitos que se aposentaram
com um múltiplo do mínimo hoje recebem menos, nessa conta, ainda que tenham
tido correção pela inflação. Se fossem reajustados agora, nova bomba explodiria
sobre a Previdência. Perguntado sobre se isso seria adotado, Guedes admitiu que
há divergências. Disse que haverá uma coalizão de centro-direita que vai tentar
“convergir os sistemas”. E avisou: “Ninguém terá superpoderes, muito menos um
economista.”
Guedes disse que um eventual
governo Bolsonaro manterá o teto de gastos, mas avisou que o teto vai cair
porque não há parede. Ou seja, sem a reforma da Previdência ele é inviável.
Afirmou que o sistema previdenciário está falido e comparou-o a um avião que
está ficando sem combustível e vai cair, “e nós estamos tentando colocar nossos
filhos lá, isso é um crime.” Com essa imagem forte, o que ele quer dizer é que
tem de ser criado outro sistema de capitalização, de contas individuais. Quanto
custará? Se os jovens vão contribuir para uma nova previdência, o combustível
no velho avião acaba mais rápido. O programa fala em um fundo, mas não informa
de onde sairá o dinheiro.
Na área trabalhista, ele quer
também um novo sistema. O programa defende uma carteira de trabalho “verde e
amarela”, em vez da azul, que cria um regime de trabalho sem CLT. Nele, as
normas seriam negociadas entre patrão e empregado. Perguntado sobre os
subsídios à agricultura, disse que o setor ficará fora de sua alçada, mas que
se depender dele não haverá. Bolsonaro tem buscado apoio no agronegócio.
O programa do PSL promete zerar
em um ano o déficit público e para isso Guedes faz contas de pegar recursos que
estariam disponíveis, como o que pode vir da cessão onerosa com a Petrobras, o
fim do abono salarial, a devolução do BNDES, redução de isenções fiscais. Mas
para os anos seguintes ele acredita que conseguirá privatizar “em um ataque
frontal”. Imaginando que houvesse acordo para privatizar Petrobras e Banco do
Brasil, levaria tempo para preparar o processo. Perguntado sobre isso, ele diz
que está “fora da caixa”, ou seja, do pensamento convencional. O dinheiro seria
usado para reduzir a dívida pública e diminuir o gasto com juros.
Guedes defende tirar da
Constituição todas as vinculações constitucionais para que se possa fazer o
orçamento a partir do zero, inclusive saúde e educação. Mesmo quem acha que
rearrumar as contas públicas exige decisões radicais tem noção da
extraordinária dificuldade de fazer isso. Quando perguntado sobre a distância
entre ele e Bolsonaro, Guedes diz que “todo mundo muda devagar”. Mas afirma que
o candidato tem aprendido mais rápido do que os economistas brasileiros.”
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