“A bandeira da ética
Por Ruy Altenfelder
As campanhas eleitorais estão nas
ruas. A bandeira da ética volta a ganhar espaço nos programas dos candidatos,
nas entrevistas e nos debates políticos. A ética passa a ser usada como arma contra
os adversários. Embora a profusão de citações condene significativos vocábulos
ao desgaste, a ética constitui um caso à parte, pois se torna cada vez mais
referência importante na decisão do voto, passando a ser também baliza de
comportamento no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na
atuação profissional e na relação com os consumidores.
A ética foi a poderosa bandeira
que mobilizou a reação da sociedade à escalada da corrupção no setor público.
São exemplares, como resultado da pressão social, dois avanços: a Lei da Ficha
Limpa (Lei Complementar 135/2010), que busca alijar das eleições candidatos
corruptos, e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846), que pune empresas e seus
dirigentes envolvidos em atos de corrupção.
Tais avanços sinalizam para o
reconhecimento da ética como um dos pilares da construção da modernidade, com
desenvolvimento sustentável e população beneficiada ao máximo pelo bom uso dos
recursos públicos, com planejamento eficiente e gestão correta dos projetos e
das políticas públicas.
Apesar dos retrocessos -
decorrentes da multiplicidade de recursos propiciados por normas processuais
obsoletas que persistem no País -, a nova postura cria condições para o
fortalecimento de políticos e servidores públicos dispostos a privilegiar o
interesse coletivo em detrimento do interesse pessoal ou da conquista do poder
a qualquer preço.
A ética está ligada à cidadania e
esta, por sua vez, decorre da boa educação, entendida em seu sentido mais amplo
e nobre. O processo de formação cidadã pode - e deve - ter início na família,
continuar na escola, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da
vida.
A semente da cidadania brota da
vinculação dos ensinamentos teóricos à pratica, em especial nas fases da vida
em que as mentes estão mais abertas à aquisição de valores e princípios, isto
é, na infância e na adolescência.
Para depurar largos segmentos da
sociedade da inversão de valores ou do desencanto com corretas posturas sociais
e individuais é preciso que quem respeita os códigos da ética continue e mesmo
intensifique a pressão pelas mudanças de comportamento. A esses se pede que
saiam da zona de conforto da omissão ou do simples protesto. Deles - candidatos
ou eleitores - se espera uma ação mais assertiva já nas eleições de outubro,
uns com a correta decisão de votos e outros com o compromisso de uma atuação
pública de fato dedicada ao bem comum.
Vale sempre recordar a postura do
Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2012, na Ação Penal 470 (o famoso
mensalão), com a condenação da maioria dos denunciados, o que trouxe um alento
aos milhões de cidadãos responsáveis que aspiram a viver num país sob o império
da lei, e não num reino da impunidade.
Ficou evidenciada a necessidade
da reforma modernizante do arcabouço jurídico da Nação. Para isso não basta uma
limpeza das estruturas e dos dispositivos obsoletos que retardam os
julgamentos, sem prejuízo do amplo direito de defesa. Será necessário também
empreender ações que atenuem o ímpeto legiferante, que resulta em muitos
projetos que, aprovados, ampliam a já confusa teia de leis, bom número das
quais condenado ao lamentável fosso das “leis que não pegam” e, portanto,
jamais serão cumpridas. Seja por serem inviáveis, seja por não encontrarem o
respaldo da sociedade.
A análise detida e equilibrada da
Ação Penal 470 serviu para mandar para a lata do lixo conceitos que, de tão
aéticos, contribuem para denegrir a imagem do Brasil no cenário internacional e
enfraquecer valores da cidadania, sem os quais não há desenvolvimento
sustentável nem construção da paz e igualdade social.
Em artigo anterior publicado na
página propus a seguinte reflexão: pode existir desenvolvimento econômico,
social e político de uma nação sem obediência aos princípios éticos? Em outras
palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação
da crença em contrário, a História mostra que a resposta é negativa, pois o
desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos
e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benefício em
efeito cascata, que constitui, se não o único, ao menos o mais promissor
caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre
as nações que marcam este início de século.
Espero, como milhões de
brasileiros, que o histórico desfecho da Ação Penal 470 produza um benéfico
efeito cascata contra a corrupção e contribua para sustentar a nova engenharia
social, preconizada pelo desembargador Newton de Lucca, ex-presidente do
Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), em seu livro Da Ética Geral à
Ética Empresarial.
A desideologizada atuação do STF
no caso do mensalão resultou num momentoso resgate da confiança da sociedade no
Poder Judiciário, outro fundamento do Estado do Direito, e de aperfeiçoamento
da democracia. E se espera seja mantida nos julgamentos em curso com profunda
repercussão na sustentação do Estado Democrático de Direito.
Eros Grau, ex-ministro do STF e
professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, em trabalho publicado na
Revista do Advogado (Aasp) abordando o comportamento da chamada classe
política, afirmou que a política com p minúsculo está aquém da ética; somente a
Política com P maiúscula nela se compõe. E conclui: “O voto é a ferramenta do
aperfeiçoamento da classe política e de que dispomos nas democracias. Refina
tanto as virtudes de quem é votado quanto as virtudes dos eleitores”.”
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