“Mantendo a virgindade
Por Fernão Lara Mesquita
O Secretário da Previdência
Social, Marcelo Caetano disse ao Valor do fim de semana que são 29,8 milhões os
aposentados do INSS mas que se a reforma for aprovada nos termos a que está
reduzida apenas 9,5% – entre eles o grosso daquela fatia do funcionalismo
federal que segue o padrão salarial de Wall Street – “teriam a sua renda
afetada em mais de 1%”. A regra de transição é escandalosamente lenta para o
tamanho do incêndio que se propõe amainar. A idade mínima de 65 anos para
homens e 62 para mulheres só começaria a se alterar a partir de 2020 e só
estaria valendo plenamente em 2038. Quase nenhum dos privilegiados vivos (posto
que só a “nobreza” que tem 100% dos proventos da ativa realmente se aposenta no
limite de idade de hoje) seria afetado. E, por consequência, nenhum miserável
também. Permaneceria praticamente intacto do começo ao fim desse caminho,
portanto, o vasto favelão nacional cuja raiz é diretamente irrigada por essa
sangria desatada.
Mas esse pormenor não diminui um
milímetro a intransigência da nossa privilegiatura. “Sacrifício” e
“contribuição” para o esforço de salvação nacional são palavras que não constam
dos dicionários do Planalto Central mas esses 1% num prazo de 20 anos não se
enquadram nessas categorias. A questão, aqui, não é de perda de qualidade de
vida nem muito menos de sacrifício. É de perda de virgindade. É a criação do
precedente que os aterroriza. Ceder a migalha que for da montanha de “direitos
adquiridos” empilhados em cima da qual se refestela a fera pode expor o tigre
de papel que devora o Brasil como o que é.
Vai que o país acorda!
De todos os aposentados do
Brasil, lembra o secretário, 60% recebem 1 salário mínimo. Os “direitos” dessa
ralé e de todo o resto da sub-ralé que, multiplicada por 29,8 milhões de vezes
custa o que custam as 980 mil “excelências” para a previdência, podem ser
alterados por lei ordinária ou até por Medida Provisória. A presente reforma só
tem de passar por Projeto de Emenda Constitucional (PEC), que requer quórum
especial, para poder incluir esse milhãozinho de funcionários cujos direitos
previdenciários estão inscritos nessa constituição que só por exclusão é a “dos
Miseráveis” deste país onde, em pleno Terceiro Milênio nada, das prisões para
cima, é igual para nobres e para plebeus.
Mesmo assim, fato é fato, até o
providencial evento estrelado pela dupla Janot & Joesley da véspera da
votação de 18 de maio de 2017, a reforma da previdência, por todas as
contagens, ia passar no Congresso Nacional. E isso depois que uma maioria de
deputados e senadores, um por um declinando seu nome e suas razões diante das
câmeras da rede de televisão que os ameaçava de fuzilamento sumário, votou a
favor da reforma trabalhista no primeiro horário nobre sem novela de que ha
memória neste país. E o mesmo estava marcado para acontecer com a
previdenciária. É tão negra a alma que se requer para continuar indiferente à
chuva de balas perdidas e balas acertadas que implica não abrir mão desse 1%
que já nem no Congresso Nacional, onde todos fazem jus aos privilégios visados,
é possível encontrá-las em numero suficiente.
Junto com o outro poder eleito, o
Legislativo é sempre quem acaba recebendo toda a carga da cobrança pela
desgraça nacional. Mas relevadas as figuras teratológicas que lhe fazem a fama
e considerada apenas e tão somente a sequência dos acontecimentos desde a
aprovação no voto da cláusula de barreira (1995) depois também derrubada pelo
STF(2006), não se sustenta a acusação de que é ele quem barra as reformas sem
as quais o Brasil não sai dessa sua anacrônica idade média. Sistematicamente,
tem havido quem faça e quem desfaça para impedir todo e qualquer avanço
institucional. E eles estão sempre nos mesmos lugares.
O fato presente em todas as
mentes mas que os brasileiros dificilmente trazem à boca ainda é que nós
estamos em plena vigência de uma forma mal camuflada do “excesso de democracia”
bolivariano onde a vontade expressa do povo pode ser anulada e cassados os seus
representantes eleitos ao arrepio da lei ao bel-prazer de meia dúzia de
tiranetes. A terceirização das culpas para as próprias vítimas, o povo que “não
sabe votar” basicamente porque não permitem que mudem as regras que o obrigam a
votar como vota, só se torna possível pelo viés sistemático com que trata esses
acontecimentos a parcela das mídias de massa mais claramente embarcada nesse
jogo de interesses inconfessáveis.
Alimentar qualquer ilusão a esta
altura é suicídio. A festejada “recuperação da economia” não passa, por
enquanto, de especulação em cima de uma expectativa de mudança cuja
probabilidade real foi mais exatamente medida pela desclassificação do Brasil
pela Standard & Poor’s que pela fervura da bolsa de valores, de resto
doentia nesse paroxismo cheirando a Baile da Ilha Fiscal em que anda. Cinco
estados não conseguiram pagar o 13.º salário de 2017 e a maioria dos demais
está na ponta da prancha para o mergulho. A pré-estreia do que vem vindo foi
dada pelas polícias sem soldo deixando o crime rolar. Está caindo a última
barreira antes do nada enquanto os “camisas pardas” do PT e profundezas são
abertamente atiçados contra a parte sã do poder judiciário que, de Curitiba
para cima, se tem mantido, por assim dizer, em claro “desafio atitudinal” à
outra.
O Brasil só se começará a curar
quando armar os eleitores dos instrumentos necessários para fazer com que
finalmente se imponha a regra da maioria. A receita é conhecida:
despartidarização das eleições municipais e eleições primárias para a remoção
dos velhos caciques políticos, iniciativa para a apropriação da pauta nacional
por quem tem o direito legítimo de defini-la, recall e referendo para impor a
vontade dos eleitores aos seus representantes eleitos. Mas para que se torne
possível sonhar com esse futuro é preciso antes impor a lei a quem a desafia
com a força que se mostrar necessária e restabelecer os limites dos três
poderes, sem o que naufragamos já.”
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