“A compulsão de pedalar
Por Fernando Gabeira
O Brasil tem dois fatos marcados
para o início de 2018. Um, com direta repercussão na política, o julgamento de
Lula, em 24 de janeiro; e o outro, com impacto na economia, a votação da
reforma da Previdência, marcada para 19 de fevereiro.
Em agosto de 2018 o impeachment
de Dilma Rousseff completa dois anos, e existe ainda uma discussão aberta sobre
se valeu a pena, se foi melhor para o Brasil.
Formalmente, Dilma foi derrubada
por causa das pedaladas fiscais, por ter gastado mais do que permitia a lei.
Nas comissões e no plenário do Congresso oradores se sucediam para condenar
essa prática. Parte do governo de Dilma, o PMDB se voltou contra ela e apoiou o
impeachment. Estavam todos horrorizados com as pedaladas fiscais.
Agora, o segundo aniversário do
impeachment vem aí e o governo falou em aprovar, antes dele, uma lei que lhe
permita pedalar sem ser punido legalmente. Ao que parece, não queria nem
pedalar, mas passar da bicicleta comum para uma elétrica, destas que se movem
sem o esforço das pernas. Em termos de nossas tradições, nas quais certas leis
pegam e outras não, o governo Temer pretendia inovar. Não se trata mais de
afirmar que a lei não pegou, e sim de uma lei que tira férias, como, por
exemplo, o horário de verão: só vale em certa época do ano. Não há dúvida de
que isso desmoralizaria a tese central do impeachment.
Todos sabemos, também, que a
esperança do movimento popular era deter o processo de corrupção. Mesmo aí os
resultados só podem ser creditados à Operação Lava Jato, porque o governo Temer
não só fazia parte do esquema de corrupção anterior, como é muito mais
audacioso que o PT, como mostra aquele maroto decreto de indulto no final do
ano. Na verdade, são táticas diferentes. O PT faz coisas erradas e tenta
convencer de que você é que está equivocado, tem uma visão conservadora,
aristocrática – enfim, há um arsenal de adjetivos a serem usados em cada
ocasião. O governo Temer usa a tática do se colar, colou. Sem debates, assinou
um decreto abrindo uma área da Amazônia à mineração. Ouviu o barulho e
concluiu: não colou. No caso da portaria que atenuava as punições ao trabalho
escravo, da mesma forma, ouviu o barulho e concluiu: não colou. Vamos fazer
algo mais severo ainda porque as eleições vêm aí. O indulto de Natal morreu no
STF, por uma decisão de Cármen Lúcia. Duvido que sobreviva ao plenário, embora
já imagine quem possa votar a favor. E, finalmente, as próprias pedaladas “dentro
da lei” parecem não ter colado também.
O único saldo do governo Temer
foi ter conseguido deter o processo de degradação da economia, propiciar uma
discreta retomada do crescimento. Somado à reforma da Previdência, ainda que
modesta, ganhará fôlego para ir até o fim, um pouco pela inutilidade de,
simultaneamente, derrubar um governo e eleger outro em 2018.
Voltando ao calendário, suponho
que a decisão do caso Lula este mês e a possível reforma da Previdência definam
um cenário relativamente favorável ao debate sobre a reconstrução, implícito na
campanha eleitoral.
Não abstraio a existência de
protestos, caso a condenação de Lula seja confirmada. Mas o êxito máximo de um
movimento desse tipo seria manter Lula em liberdade, apesar da condenação em
segunda instância. Dar umas férias a essa determinação legal do STF.
A sentença de Sérgio Moro não
será anulada. A tese de que houve uma perseguição judicial é difícil de se
expandir para fora do petismo, pois foram vários anos de trabalho de
investigação, toneladas de documentos, perícias, provas testemunhais.
Tudo isso aconteceu numa
atmosfera democrática, com Congresso aberto, imprensa e, sobretudo,
transparência. Aliás, o processo de investigações foi acusado mais por mostrar
do que ocultar, como naquele diálogo entre Dilma e Lula em que Bessias levaria
um documento de posse para proteger Lula da prisão.
A esquerda decide lançar todas as
suas fichas na salvação do líder num momento em que a maioria está preocupada
com a salvação do País. Essa energia concentrada em salvar Lula deixa de lado
algumas questões vitais que ela teria de encarar num processo eleitoral.
Será difícil de afirmar que a
corrupção é algo apenas do governo Temer, que conseguiu se equilibrar porque
era o sócio menor no esquema descoberto pela Lava Jato. Será difícil de
explicar como acabou com a pobreza e surgiram 52 milhões de pessoas abaixo da
linha da pobreza apenas neste curto mandato de Temer. É como se 52 milhões de
pessoas estivessem escondidas nos pântanos, nas selvas, favelas e sertões e
tivessem aparecido apenas quando ouviram os gritos de “tchau, querida”.
De qualquer forma, mesmo distante
do tema da reconstrução, a esquerda é importante fator subjetivo no cenário
eleitoral. Ela afirma que as eleições sem Lula são uma fraude, em outras
palavras, que a decisão do TRF-4, caso confirme a sentença, não vale. Na
verdade, ela pede uma espécie de corredor em que alguns mecanismos legais sejam
suspensos, para que ele possa prosseguir na salvação dos pobres, mandando-os de
novo para a galáxia onde se escondiam antes do impeachment. Se a decisão do
TRF-4 confirmar a de Moro, então seriam necessárias não só as férias da
determinação de prender em segunda instância. Seria preciso, também, um
congelamento da Lei da Ficha Limpa. Não afirmo que isso é impossível. Apenas
muito improvável, uma espécie de distração dos problemas reais do País.
Na Venezuela, foi possível, por
exemplo, colonizar a Justiça e corromper os militares com cargos e vantagens.
Cada pessoa perdeu em média 5 kg nestes anos de Maduro. Os venezuelanos estão
sumindo corporalmente, assim como os pobres sumiram nas estatísticas do PT.
É difícil elaborar os fracassos,
partir para outra. Requer capacidade de dúvida, suspensão da fé religiosa em
certos projetos políticos. Por enquanto, as esperanças do governo Temer e as do
PT são de pedalar, driblando as lei da responsabilidade fiscal e as decisões da
Justiça. No fundo, não eram só uma coligação, mas uma equipe de ciclistas.”
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AGD comenta:
Realmente, a situação do Brasil
em 2018, como tentou mostrar o ex-homem da sunga, Gabeira, no texto acima, está
de vaca não reconhecer bezerro e até colocá-lo na roda dos enjeitados. Tudo
conspira contra.
Ainda bem que temos uma
oportunidade, talvez única, de, nas eleições de outubro, votarmos louvando os
que merecem e deixando os sujos de lado. Isto se aparecerem candidatos não
sujos e que não demonstrem ideias que possam sujá-lo depois.
Temos no dia 24 de janeiro um
julgamento histórico que já definirá, em parte, o nosso futuro. Se o Lula for
inocentado, o que seria uma surpresa grande, nem adianta esperar o dia 19 de
fevereiro, porque a Reforma da Previdência não passará, e em breve, o Brasil se
tornará uma nova Grécia, onde os aposentados e pensionistas estão aprendendo
que dinheiro público não dá em árvores.
E, depois virão as eleições se
ainda houver Brasil vivo até lá. Eu estou um pouco pessimista, e digo pouco,
porque sou um otimista contumaz. Atualmente, quem é otimista sem nenhuma
adjetivação, é porque vive num carnaval permanente, como barracão de Escola de
Samba.
No entanto, sempre resta uma
esperança, e ela está em que, no dia 24 de janeiro, o placar do julgamento de
Lula seja de 3 x 0. Se for, eu nem me importarei se Alemanha repetir os 7 x 1
contra do Brasil lá na Rússia. Há coisas mais importantes do que carnaval e
futebol, embora o brasileiro, em sua grande maioria, não saiba.
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