“A batalha de
Porto Alegre
Por Denis
Lerrer Rosenfield
Longínqua é a
época em que o PT se vestia de defensor de outra forma de participação
política, procurando seduzir não somente os incautos do Brasil, mas também os
do mundo. A soberba já naquele então desconhecia limites, mas apresentava-se
com as sandálias da humildade.
Era o mundo da
dita “democracia participativa” e da mensagem, no Fórum Social Mundial, de que
um “outro mundo era possível”. Porto Alegre tornou-se o símbolo que irradiava
para todo o País, e para além dele, transmitindo a imagem de uma grande
solidariedade, de uma paz que o partido encarnaria.
Para todo
observador atento, contudo, a farsa era visível. Porém foi eficaz: levou o
partido a conquistar três vezes a Presidência da República. Mas deixando um
rastro de destruição, com queda acentuada do PIB, inflação acima de dois
dígitos, mais de 12 milhões de desempregados e corrupção generalizada.
Dirigentes partidários foram condenados e presos a partir do “mensalão” e do
“petrolão”. Antes, o partido tinha um currículo baseado na ética na política;
hoje, uma folha corrida.
No dito
orçamento participativo das administrações petistas de Porto Alegre já se
apresentavam o engodo, a enganação e, sobretudo, o desrespeito à democracia
representativa, tão ao gosto dos petistas atuais. Reuniões de 500 pessoas em
bairros da cidade, nas quais um terço dos participantes era constituído por
militantes, decidiam por regiões inteiras de mais de 150 mil ou mesmo 200 mil
habitantes. Impunham uma representação inexistente, numa espécie de
autodelegação de poder. O partido tudo instrumentava, arvorando-se em detentor
do bem, o bem partidário confundido com o público.
Num Fórum
Social Mundial, os narcoterroristas das Farc foram recepcionados no Palácio
Piratini, sob o governo petista de Olívio Dutra. Lá, numa das sacadas do
prédio, em outra ocasião, discursou, com sua arenga esquerdizante, Hugo Chávez,
líder do processo que está levando a Venezuela a um verdadeiro banho de sangue,
com a miséria e a desnutrição vicejando como uma praga – a praga, na verdade,
do socialismo do século 21.
Eis o “outro
mundo possível”, louvado pelos atuais dirigentes do PT. A vantagem hoje é a de
que a máscara caiu. O partido, pelo menos, tem o benefício da coerência.
A máscara
caindo mostra com mais nitidez que a democracia representativa nada vale e que
a violência é o seu significante. A mensagem de paz tornou-se mensagem de
sangue. A presidente do partido não hesitou em afirmar que a prisão de Lula
levaria a “prender” e a “matar gente”. A tentativa de conserto posterior nada
mais foi do que um arremedo.
Conta o fato de
ter ela expressado uma longa tradição marxista-leninista de utilização da
violência, da morte, acompanhada, segundo essa mesma tradição, de menosprezo
pelas instituições democráticas e representativas, na ocorrência atual, sob a
forma de desrespeito aos tribunais. A democracia, para eles, só tem valor
quando os favorece. Desfavorecendo-os, deve ser liminarmente deixada de lado.
Mesmo que seja sob a forma jurídica de pedidos de liminares, para que a luta
continue.
Não sem razão,
contudo, o PT e seus ditos movimentos sociais consideram este dia 24 como
decisivo, o de seu julgamento. Para eles, tal confronto se exibe como uma
espécie de luta de vida e morte. Nela, ao jogar-se a candidatura de Lula à
Presidência da República e caindo, em sua condenação, o ex-presidente na Lei da
Ficha Lima, está em questão a “vida” do candidato e do seu partido. Este,
aliás, escolheu identificar-se completamente com seu demiurgo, selando com ele
o seu próprio destino. O resultado é uma batalha encarniçada, o seu desenlace
constituindo-se numa questão propriamente existencial.
A imagem da
“morte”, segundo a qual os militantes fariam sacrifício por seu líder, por não
suportarem a prisão dele, nada mais faz do que revelar o profundo divórcio
entre o partido e a democracia representativa, com as leis e suas instituições
republicanas. Pretendem sujar a Lei da Ficha Limpa com o sangue de seus
seguidores.
Assim foi na
tradição leninista: os líderes mandavam os seguidores para o combate e a morte,
permanecendo eles vivos; e depois, uma vez conquistado o poder, usufruindo suas
benesses. O sangue do ataque ao Palácio de Inverno e a vitória da revolução
bolchevique levaram aos privilégios da Nomenklatura, dominando com terror um
povo que veio a ser assim subjugado.
Segundo essa
mesma lógica “política”, sob a égide da violência, Lula e os seus dividem
apoiadores e críticos nomeando os primeiros como “amigos” e os segundos,
“inimigos”. Sua versão coloquial é a luta do “nós” contra “eles”, dos “bons”
contra os “maus”, dos “virtuosos” do socialismo contra os “viciados” pelo
capitalismo. Ora, tal distinção, elaborada por um teórico do nazismo, Carl
Schmitt, é retomada por esse setor majoritário da esquerda, expondo uma faceta
propriamente totalitária. Lá também a morte, o sangue e a violência eram os
seus significantes.
O desfecho do
julgamento do dia 24, estruturante da narrativa petista, será vital para o
destino do partido. Em caso de condenação, o que é o mais provável, o partido
continuará correndo contra o tempo, numa corrida desenfreada por meio de
recursos jurídicos, procurando esgotar os meios à sua disposição do Estado
Democrático de Direito.
Assim fazendo,
tem como objetivo produzir uma instabilidade institucional que venha a
propiciar-lhe a reconquista do poder, produzindo um fato consumado numa
eventual eleição sub judice. Seria consumar a morte da democracia
representativa, solapando seus próprios fundamentos.
Resta saber se
o partido conseguirá, para a concretização de seu projeto, realizar grandes
manifestações de rua. Se lograr, a democracia representativa correrá sério
risco. Se malograr, o partido estará fadado a divorciar-se ainda mais da
sociedade. A narrativa soçobraria na falta de eco.”
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AGD
comenta:
Se o
Brasil conseguiu alguma coisa de bom, depois de ter sido descoberto, isto foi,
à duras penas e com alguns percalços, ter como regime de governo, nos tempos
modernos uma Democracia Representativa.
Mesmo
com algumas iniciativas na antiguidade e alguns engodos modernamente, não sei
nem se poderia haver outro tipo de Democracia, senão aquela, na qual somos
representados por quem elegemos. A Democracia Direta, em suas tentativas, nunca
deu resultados, a não ser com um partido único que fingia representar o povo.
E,
vejo no texto acima, além dos fatos lidos alhures, que o PT sempre quis destruir
o que nos resta de Democracia e nos levando para um regime totalitário, como na
Venezuela, e até como em Cuba, antes deste já se passar para os americanos, como
brevemente o fará.
E o
que sei é que, hoje, o PT é o Lula e Lula é o PT. Um não viverá sem o outro. E
por isso o texto anterior fala na “batalha
de Porto Alegre”, que é o julgamento de
um recurso de Lula que pede, por todos os santos, para não ir para a cadeia.
Eu só
posso dizer que está chegando a hora, nesta quarta-feira, de o PT prestar
contas ao Brasil de tudo que ele fez de ruim ao país e à sua, ainda incipiente,
Democracia, com a confirmação da condenação de Lula.
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