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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A "regra de ouro de tolos"




“Uma regra que vale ouro
        
Por José Serra

A introdução da “regra de ouro” na Constituição de 1988 foi feita pela comissão que tratou de finanças públicas, da qual fui relator. O autor da emenda, por mim acolhida, foi o deputado Cesar Maia. A ideia é simples: não se deve gerar dívida para financiar despesas correntes. Há alguma analogia com o orçamento familiar. Não convém tomar emprestado para pagar contas de água, luz e telefone, pois nos meses seguintes as três contas se repetirão, porém acrescidas da dívida e dos juros.

É diferente quando a dívida é usada para investimentos. Estradas, energia, portos ou saneamento geram empregos, produção e arrecadação no futuro. Aumentar gastos correntes não garante crescimento econômico, que depende de aumento de capacidade produtiva, tecnologia, mão de obra qualificada, exportações de maior valor adicionado e outros fatores.

O espírito da regra de ouro é este: estimular os governos a poupar e investir. Ela foi estabelecida no artigo 167 da Constituição, que veda “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.

Em síntese, “operação de crédito” quer dizer aumento da dívida pública, decorrente de juros ou déficit primários, menos as receitas financeiras do governo. Já “despesa de capital” são os investimentos e amortizações da dívida.

Assim, a expansão da dívida pública não pode superar os investimentos. Por hipótese, se o governo investir R$ 50 bilhões em dado ano e as operações de crédito totalizarem R$ 60 bilhões, a regra de ouro terá sido rompida.

Vejamos os números da última década. Em 2007, o pagamento de juros reais sobre a dívida do governo federal ficou em torno de R$ 100 bilhões, os investimentos somaram R$ 22 bilhões e o superávit nas contas primárias foi de R$ 58 bilhões. As receitas financeiras oriundas da remuneração da conta única e do pagamento dos juros da dívida dos Estados e municípios à União totalizaram R$ 45 bilhões. Como se vê, a regra de ouro foi cumprida, pois o pagamento de juros somado ao resultado primário do governo, subtraídas as receitas financeiras, totalizou saldo negativo de R$ 3 bilhões, resultado inferior aos R$ 22 bilhões investidos naquele ano.

Essa foi a dinâmica dos anos subsequentes, graças a superávits primários elevados e às transferências de resultados positivos do Banco Central para o governo.

Entre especialistas, o sinal de alerta acendeu entre 2015 e 2016, quando se percebeu que déficits primários crescentes poriam em xeque a regra de ouro. De fato, se a devolução de R$ 100 bilhões do BNDES não tivesse sido feita em 2016, o descumprimento da regra de ouro teria quase ocorrido. Os investimentos federais foram de R$ 65 bilhões e o líquido das operações de crédito, de R$ 61 bilhões. Com a devolução feita pelo BNDES (recursos que aumentaram a dívida no passado para que o banco concedesse empréstimos), as receitas financeiras aumentaram em R$ 100 bilhões e, assim, o total de operações de crédito caiu para R$ 39 bilhões negativos.

Em 2017, a devolução de R$ 50 bilhões do BNDES auxiliou novamente o governo no cumprimento da regra. Alguns dados ainda não são oficiais, mas é possível estimar que os investimentos tenham ficado em torno de R$ 55 bilhões e as operações de crédito, próximas de R$ 38 bilhões, uma diferença de R$ 17 bilhões. Sem os R$ 50 bilhões do BNDES, a regra teria sido rompida em R$ 33 bilhões. Um efeito colateral dessa transferência foi a perda de capacidade de financiamento do banco, a juros decentes, para investimentos produtivos.

Uma análise dos números e projeções mostra que a regra de ouro tende a ser descumprida neste e nos próximos anos. Trata-se de um sintoma de problemas mais sérios, como o desmonte do modelo de crescimento, com forte impacto sobre as receitas fiscais.

Alterar a Constituição para mudar a regra de ouro, no entanto, não seria conveniente. O bom funcionamento da economia requer credibilidade. Se as perspectivas sobre o futuro são abaladas, o presente é afetado: exigem-se mais juros para financiar a dívida, produtores reduzem investimentos, consumidores guardam dinheiro e o crédito se reduz. Mudar a Constituição poderia causar esse efeito negativo sobre as expectativas. Por essa razão, o melhor a fazer, no curto prazo, é valer-se do dispositivo já presente na Carta Magna que permite o descumprimento temporário da regra com autorização do Legislativo. É o caminho natural: usar os instrumentos já previstos na própria Constituição.

Mas não podemos parar por aí. O descumprimento da regra de ouro é apenas a face mais visível da crise de financiamento do Estado. A intenção dos constituintes, com a regra de ouro – posso afirmar com clareza –, era motivar o investimento em infraestrutura, fundamental para o crescimento, proibindo criação de dívida para custear despesas do dia a dia.

Mas o investimento público, incluindo Estados, municípios e União, nunca esteve tão baixo – R$ 127 bilhões no período de 12 meses encerrado em junho de 2017 –, como mostrou recente estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI).

O excesso de vinculações e a rigidez da despesa engessam a ação dos governantes e impedem a escolha democrática sobre como alocar os recursos dos impostos. Este é o nó a ser desatado já. Mais de 90% do Orçamento está predeterminado na Constituição ou em alguma legislação. Não há espaço para escolha de prioridades.

A correção de rumos no plano fiscal deve prosseguir, mas o ajuste não pode continuar a prejudicar investimentos para elevar gastos correntes. É hora de recuperarmos a capacidade de planejamento e ação do poder público, fixando uma estratégia nacional voltada para a expansão das taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) e para o controle do gasto público, combatendo desperdícios e privilégios encravados no setor público brasileiro.”

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AGD comenta:

Eu estava procurando um texto que pudesse aqui publicar e que fosse pelo menos inteligível, para um não economista, sobre o que é a tão falada “regra de ouro”, sobre a qual tanto ouvimos nos meios de comunicação.

Encontrei o texto acima, do Jose Serra, que já foi tudo neste país, menos presidente da república. Eu até já votei nele para tal cargo. Hoje, eu não sei se faria o mesmo, pelos rumores corruptivos que apareceram a seu respeito.

No entanto, não se pode negar que ele seja um bom economista e um administrador capaz. Penso nele toda vez que compro os “genéricos” nas farmácias, implantados quando era ministro da saúde. Mas, afinal, o que é a “regra de ouro”?

Para quem leu o artigo sabe que ela foi implantada na Constituição de 1988, para evitar que os governos gastassem mais em bugigangas do que em investimentos sérios para melhorar o futuro das pessoas. E o Serra deve ter tido grande participação em sua elaboração.

Sua sensatez é visível com o exemplo dado sobre a “regra de ouro” numa entidade familiar. Se um chefe ou chefa de família só gasta com o almoço de hoje e não ver que ele tem que comer todos os dias, a família, pelo menos teoricamente, nunca comerá mais do que o que come. Se ele toma emprestado para almoçar, fatalmente, se não der o calote nos juros devidos aos credores, a tendência é o almoço diminuir com o tempo.

O que diz a “regra de ouro” então? Sempre que almoçar pense em melhorar o almoço de amanhã, investindo parte do dinheiro, em coisas que rendam dinheiro no futuro. E o que vimos nos governos mais recentes, foi o abandono desta regra, com o intuito de pegar o voto com um almoço grande, sem investir no futuro.

Ninguém é contra os chamados gastos sociais que tirem da miséria quem é miserável, mas, ceteris paribus, como gostava de escrever quando ainda lembrava de Economia, se não tirarmos os recursos de algum lugar ou de outras pessoas, fatalmente, os investimentos diminuirão, e é esse o grande problema brasileiro, agravado pelos governos petistas que diziam ter tirado o Brasil da miséria, embora o tenha colocado mais no fundo do poço.


Eu penso que se elegermos um governo sem a promessa de manter a “regra de ouro”, descobriremos breve que teremos implantada a “regra de ouro de tolos”. Portanto, votem bem!

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