“A pequena política
POR MERVAL PEREIRA
O ministro Moreira Franco, em
entrevista ao GLOBO, justificando a política do "toma lá dá cá"
explicitada por seu colega Carlos Marun, que exigiu o apoio à reforma da
Previdência em troca de financiamentos de bancos públicos, disse que o sistema
de reciprocidade existe desde a Roma Antiga.
De fato, se pegarmos o livro
"A campanha eleitoral na Roma Antiga", do historiador alemão
Karl-Wilhelm Weeber, veremos que "operava o princípio da assistência
recíproca":(...) A rede de amigos ativos na política constituía-se, no
contexto da campanha eleitoral romana, um elemento de capital
importância".
Era importante, diz o historiador
alemão, mobilizar velhos aliados, cobrar a gratidão por um benefício concedido,
cercar-se de amigos ativos na política que tiveram apoio em situações análogas
e, se possível, exibir a simpatia de apoiadores célebres, prestigiados, que
possam fornecer referência sobre a capacidade do candidato.
"Sucesso gera sucesso",
um slogan válido até para a campanha eleitoral romana. Quanto mais numerosos e
prestigiados eram os apoiadores, tanto mais provável que as pessoas simples
seguissem esse "modelo". Até mesmo os vizinhos tinham papel
importante nas campanhas eleitorais.
O depoimento dos vizinhos sobre
as qualidades do candidato era mais importante que o de apoiadores anônimos,
pois, supostamente conheciam os hábitos dos candidatos e viviam seu dia a dia,
podendo garantir suas qualidades para representante da região. Era muito comum
que as inscrições nas paredes afirmassem que "os vizinhos" apoiavam
este ou aquele candidato.
Até mesmo existia um pequeno
manual da campanha eleitoral, atribuído a Quinto Tullio Cicerone, para orientar
seu irmão mais velho, o grande orador Marco Tulio, que foi eleito cônsul em 63
AC. O manual determinava duas regras fundamentais: tornar-se o mais popular
possível, dar a impressão de ser simpático, cercar-se do maior número possível
de apoiadores e aliados e fazer com que os eleitores saibam.
Um conselho básico: não dizer
"não", nunca, ao eleitor, e prometer tudo a todos. Se não der para
ganhar tempo sem responder, adocicar a resposta negativa com palavras gentis e
compreensivas. Indispensável, embora discutível do ponto de vista ético, diz
Cicerone, era a fusão, em um só indivíduo, do homem bom (bonus vir) e o hábil
contentor (bonus petitor).
Ele definia assim, com brutal
franqueza: A primeira é a característica de um homem honesto; a segunda, de um
bom candidato". O livro toma por base as eleições de Pompeia, sobretudo a
mania do que chamamos hoje de grafites. As paredes dos edifícios do chamado
mundo romano eram completamente cobertas por mensagens eleitorais,
completamente sem conteúdos ou mensagens programáticas, mas ressaltando a
personalidade dos candidatos e seus temperamentos, menos suas ideias políticas,
relata Karl-Wilhelm Weeber, ressaltando que nesse ponto há uma analogia
impressionante com os dias atuais.
O poeta Giovenale é citado ao
lamentar este estado de coisas; "Panem et circenses (pão e circo): o povo
romano não deseja outra coisa e em troca deixa que tirem seus direitos
políticos". Não havia ainda agências publicitárias e as mensagens que
apareciam nas paredes das cidades eram geralmente palavras de voluntários. Mas
havia pintores e vários trabalhadores especializados em campanhas eleitorais, que
às vezes trabalhavam em time, que incluía inclusive escritores.
Como se vê, o ministro Moreira
Franco tem razão, esse sistema de reciprocidade existe mesmo desde a Roma
antiga. Mas não quer dizer que seja um modelo a seguir, especialmente porque
este tipo de política vulgar predominava especialmente nas eleições municipais.
É preciso não esquecer que havia eleições em que a "grande política"
dominava, principalmente em Roma no século I DC.”
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AGD comenta:
No texto acima o Merval Pereira, nosso
imortal da ABL, nos remete à Roma para falar do que ele chama a “pequena política”, e para nos dizer que nem sempre, ela era praticada lá. A “grande
política” também o foi.
É uma pena que ele não tenha
desenvolvido o que ele pensa sobre a “grande política”, o que nos leva
a uma reflexão difícil, neste nosso Brasil, em que quase só conhecemos a “pequeniníssima
política”.
Depois da chamada abertura
democrática, é muito difícil se ver algum episódio de “grande política”. Eles existiram, mas, foram muito poucos pelo que entendemos do
conceito. Para nós, ela se faz quando o político pensa primeiro nos seus “súditos” do que nele próprio. Então sua subida ao
poder não é uma questão pessoal e sim coletiva da prática do bem comum.
Ficamos pensando, quantos políticos,
em tempos recentes fizeram isto, aqui. Pelo contrário, o que encontramos é a “pequeniníssima política” na qual o homem, quando pretende o poder, além de só pensar nele,
pretende se beneficiar dos outros, fora da lei e da moral.
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