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terça-feira, 26 de maio de 2015

RAIMUNDINHO




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho


Menino nascido no morro de Casa Amarela. Pai alcoólatra e mãe de profissão duvidosa ele vivia perambulando pelas ruas do morro, descendo escadaria ou por rua enlameada e escorregadia. Vivia pedindo alguma coisa para os vizinhos ou na mercearia e nos bares para se alimentar. O pai vivia mais numa barraca se embriagando enquanto a sua mãe saia do barraco pela manhã e voltava à tarde, com algumas migalhas encontradas pela rua. Não estudava, não sabia ler e nem contar ao quatorze anos de idade. O convite de um colega do morro resolveu dar uma volta no centro do Recife. Desceu as escadarias indo apanhar um ônibus na Avenida Norte, saiu pendurado com o colega. Quase caiu, pois nunca tinha feito esta extravagancia. Chegou à Avenida Guararapes, ficou deslumbrado com os prédios e as pessoas passando de um lado para outro. O rio chamou sua atenção olhando do parapeito da Ponte Princesa Izabel, os barcos deslizando pelas aguas turvas. Ao meio dia nada de comer, pois não tinha dinheiro. O colega já feito na rua chamou-o para ir até a Praça do Sebo. Lá tinha variados bares e por certo algum tira gosto o sobrava e ele já acostumado, pois uma garçonete lhe dava o resto em uma lata de doce. A noite não foi para casa. Ir para a casa ver o pai bêbado deitado no sofá esfolado e sua mãe sentada em um tamborete velho pego no lixão com um cigarro no bico, não gostava. Vou começar me acostumar por aqui. A noite junto com outros meninos se agasalhou na calçada dos Correios e Telégrafos. O tempo foi passando e o silencio da noite era somente quebrado por alguns carros que circulava. Os moradores da rua iam se aglomerando, cada um com pedaço de papelão e cobertores rasgado e fedidos. Passou mais ou menos seis meses sem dar a cara em casa. Um dia voltou e encontrou a mesma miséria, pai bêbado e a mãe em lugar ignorada. Voltou para o Recife. Aqui é meu lugar. Os colegas o chamavam para pequenos roubos, fumar maconha e tomar drogas, nunca quis, queria sim ter uma vida melhor e nunca como à dos seus pais. Em uma batida policial foi agarrado com outros meninos recebeu uma advertência. Saiu da Avenida Guararapes, atravessou a ponte de ferro e seguiu pela Rua Imperatriz até a Praça Maciel Pinheiro. Comprou uma caixa de engraxate e começou a engraxar nas imediações da Rua do Hospício, Aragão e Imperatriz. Seu ponto era a Praça, sentado esperando algum freguês. Com o dinheiro que ia ganhando com o trabalho, arranjou um cantinho para dormir por trás do Hotel Avenida, pela caridade do Seu Osvaldo. Todo o dia ali estava ele com a sua caixa de engraxate. Certa tarde, em um sábado, ali sentado um carro grã-fino estacionou. Uma bela senhora, rica e cheia de joias, desceu com a bolsa aberta. Não sentiu que uma carteira tinha caído no meio fio. Ele viu. Não pensou duas vezes, chamou à senhora. Ela olhou com desprezo e medo daquele menino. Ia correr mais ele chamou duas vezes – Moça aqui esta sua carteira ela caiu quando a senhora desceu do carro. A mulher olhou e pegou a carteira com todos os documentos e dinheiro. Abriu a carteira deu-lhe uma nota e enquanto caminhava para assistir a missa na Matriz da Boa Vista. Olhou e sorriu para ele. No termino da missa caminhou de volta para apanhar o carro que já se encontrava parado e ele sentado no seu banco. Ela chegou para ele, e disse quer limpar o terreno da minha casa? Vou senhora! Onde é? Lá em Boa Viagem. Tome o dinheiro e segunda feira vá à Rua Domingos Ferreira. Deu-lhe o endereço. Ele ficou alegre com o convite. Já estava estudando no colégio Municipal à noite e já sabia ler escrever um pouco. Chegou por volta das oito horas com a caixa de engraxate nas costas. Desceu do ônibus e encontrou logo a casa. Muito grande. Terreiro cheio de flores e arvores. O mato tomava conta de quase toda área. As folhas voavam de um lado para outro. Bateu e um senhor veio lhe atender. Não sabia o nome da senhora, mas o atendente já sabia do acontecido. Mandou entrar e perguntou se já tinha tomado café. Claro que não, respondeu. Venha tome café aqui. A mesa cheia de bolos, queijo, frutas, sucos e leite coisa que ele nunca viu e não sabia por onde começar com aquela mesa farta enquanto ele no dia a dia tomava um cafezinho dado pelo garçom Elias na Rua do Hospício, resto de fregueses que deixavam em seus pratos. A senhora rica Dona Estelita entrou e disse – tome a vassoura esta pá e o enxadão a vá para o terreiro limpar. Terás todo o dia para realizar este serviço. Limpou tudo deixando um brinco, sem nenhum a folha, graveto no chão colocando tudo em um saco dado pelo empregado mais velho. À tarde a senhora pagou-lhe e contratou para toda semana ir fazer a limpeza. O trabalho de Raimundinho agradou a bela e generosa senhora. Viu naquele rapazinho que ele tinha bons costumes. Certo dia ele já com algum dinheiro foi ate o morro visitar a família, pois fazia tempo que isto não acontecia. Tudo do mesmo jeito, apenas a mãe perguntou por onde ele andava. Contou a sua estória e deu-lhe um trocado para comprar algum mantimento.  Pouco a pouco Dona Estelita vendo aquele rapaz trabalhando com honestidade, provou se isto era verdade. Mandou que ele limpasse a sala, deixando algumas notas em cima da mesa. Limpou tudo e deixou tudo do mesmo jeito que estava. A senhora viu aquilo e disse – vou ajudar este rapaz. Chamou-o e perguntou onde se encontrava a sua família. Ele contou tudo sem esconder um pormenor. A Dona Estelita disse – vamos até a sua casa. Chamou o chofer e acompanhado foi ate o morro em Casa Amarela. Chegando lá a mulher ficou impressionada com a pobreza. Fez uma compra e deixou para eles se virarem na semana. O pai sóbrio agradeceu e mãe deu graças a Deus pela caridade. Raimundinho voltou a estudar e fez o vestibular para advogado, no intuito de defender os pobres e necessitados da comunidade. Formou-se graças a Dona Estelita que tinha lhe ajudado e seus pais se regeneraram dos males que vinha acontecendo, transferindo-se para uma casa na Madalena. A mãe começou a trabalhar como faxineira e o pai na limpeza do gramado e jardins da casa. Tudo terminou bem graças ao esforço e a honestidade do Raimundinho, que não se deixou levar para o campo da crueldade. 

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