Por José Antonio Taveira Belo /
Zetinho
Menino nascido no morro de Casa
Amarela. Pai alcoólatra e mãe de profissão duvidosa ele vivia perambulando
pelas ruas do morro, descendo escadaria ou por rua enlameada e escorregadia.
Vivia pedindo alguma coisa para os vizinhos ou na mercearia e nos bares para se
alimentar. O pai vivia mais numa barraca se embriagando enquanto a sua mãe saia
do barraco pela manhã e voltava à tarde, com algumas migalhas encontradas pela
rua. Não estudava, não sabia ler e nem contar ao quatorze anos de idade. O
convite de um colega do morro resolveu dar uma volta no centro do Recife.
Desceu as escadarias indo apanhar um ônibus na Avenida Norte, saiu pendurado
com o colega. Quase caiu, pois nunca tinha feito esta extravagancia. Chegou à
Avenida Guararapes, ficou deslumbrado com os prédios e as pessoas passando de
um lado para outro. O rio chamou sua atenção olhando do parapeito da Ponte Princesa
Izabel, os barcos deslizando pelas aguas turvas. Ao meio dia nada de comer,
pois não tinha dinheiro. O colega já feito na rua chamou-o para ir até a Praça
do Sebo. Lá tinha variados bares e por certo algum tira gosto o sobrava e ele
já acostumado, pois uma garçonete lhe dava o resto em uma lata de doce. A noite
não foi para casa. Ir para a casa ver o pai bêbado deitado no sofá esfolado e
sua mãe sentada em um tamborete velho pego no lixão com um cigarro no bico, não
gostava. Vou começar me acostumar por aqui. A noite junto com outros meninos se
agasalhou na calçada dos Correios e Telégrafos. O tempo foi passando e o
silencio da noite era somente quebrado por alguns carros que circulava. Os
moradores da rua iam se aglomerando, cada um com pedaço de papelão e cobertores
rasgado e fedidos. Passou mais ou menos seis meses sem dar a cara em casa. Um dia
voltou e encontrou a mesma miséria, pai bêbado e a mãe em lugar ignorada.
Voltou para o Recife. Aqui é meu lugar. Os colegas o chamavam para pequenos
roubos, fumar maconha e tomar drogas, nunca quis, queria sim ter uma vida
melhor e nunca como à dos seus pais. Em uma batida policial foi agarrado com
outros meninos recebeu uma advertência. Saiu da Avenida Guararapes, atravessou
a ponte de ferro e seguiu pela Rua Imperatriz até a Praça Maciel Pinheiro.
Comprou uma caixa de engraxate e começou a engraxar nas imediações da Rua do Hospício,
Aragão e Imperatriz. Seu ponto era a Praça, sentado esperando algum freguês.
Com o dinheiro que ia ganhando com o trabalho, arranjou um cantinho para dormir
por trás do Hotel Avenida, pela caridade do Seu Osvaldo. Todo o dia ali estava
ele com a sua caixa de engraxate. Certa tarde, em um sábado, ali sentado um
carro grã-fino estacionou. Uma bela senhora, rica e cheia de joias, desceu com
a bolsa aberta. Não sentiu que uma carteira tinha caído no meio fio. Ele viu.
Não pensou duas vezes, chamou à senhora. Ela olhou com desprezo e medo daquele
menino. Ia correr mais ele chamou duas vezes – Moça aqui esta sua carteira ela
caiu quando a senhora desceu do carro. A mulher olhou e pegou a carteira com
todos os documentos e dinheiro. Abriu a carteira deu-lhe uma nota e enquanto
caminhava para assistir a missa na Matriz da Boa Vista. Olhou e sorriu para
ele. No termino da missa caminhou de volta para apanhar o carro que já se
encontrava parado e ele sentado no seu banco. Ela chegou para ele, e disse quer
limpar o terreno da minha casa? Vou senhora! Onde é? Lá em Boa Viagem. Tome o
dinheiro e segunda feira vá à Rua Domingos Ferreira. Deu-lhe o endereço. Ele
ficou alegre com o convite. Já estava estudando no colégio Municipal à noite e
já sabia ler escrever um pouco. Chegou por volta das oito horas com a caixa de
engraxate nas costas. Desceu do ônibus e encontrou logo a casa. Muito grande.
Terreiro cheio de flores e arvores. O mato tomava conta de quase toda área. As
folhas voavam de um lado para outro. Bateu e um senhor veio lhe atender. Não
sabia o nome da senhora, mas o atendente já sabia do acontecido. Mandou entrar
e perguntou se já tinha tomado café. Claro que não, respondeu. Venha tome café
aqui. A mesa cheia de bolos, queijo, frutas, sucos e leite
coisa que ele nunca viu e não sabia por onde começar com aquela mesa farta
enquanto ele no dia a dia tomava um cafezinho dado pelo garçom Elias na Rua do Hospício,
resto de fregueses que deixavam em seus pratos. A senhora rica Dona Estelita
entrou e disse – tome a vassoura esta pá e o enxadão a vá para o terreiro limpar.
Terás todo o dia para realizar este serviço. Limpou tudo deixando um brinco,
sem nenhum a folha, graveto no chão colocando tudo em um saco dado pelo
empregado mais velho. À tarde a senhora pagou-lhe e contratou para toda semana
ir fazer a limpeza. O trabalho de Raimundinho agradou a bela e generosa
senhora. Viu naquele rapazinho que ele tinha bons costumes. Certo dia ele já
com algum dinheiro foi ate o morro visitar a família, pois fazia tempo que isto
não acontecia. Tudo do mesmo jeito, apenas a mãe perguntou por onde ele andava.
Contou a sua estória e deu-lhe um trocado para comprar algum mantimento. Pouco a pouco Dona Estelita vendo aquele rapaz
trabalhando com honestidade, provou se isto era verdade. Mandou que ele
limpasse a sala, deixando algumas notas em cima da mesa. Limpou tudo e deixou
tudo do mesmo jeito que estava. A senhora viu aquilo e disse – vou ajudar este
rapaz. Chamou-o e perguntou onde se encontrava a sua família. Ele contou tudo
sem esconder um pormenor. A Dona Estelita disse – vamos até a sua casa. Chamou
o chofer e acompanhado foi ate o morro em Casa Amarela. Chegando lá a mulher
ficou impressionada com a pobreza. Fez uma compra e deixou para eles se virarem
na semana. O pai sóbrio agradeceu e mãe deu graças a Deus pela caridade.
Raimundinho voltou a estudar e fez o vestibular para advogado, no intuito de
defender os pobres e necessitados da comunidade. Formou-se graças a Dona
Estelita que tinha lhe ajudado e seus pais se regeneraram dos males que vinha
acontecendo, transferindo-se para uma casa na Madalena. A mãe começou a trabalhar
como faxineira e o pai na limpeza do gramado e jardins da casa. Tudo terminou
bem graças ao esforço e a honestidade do Raimundinho, que não se deixou levar
para o campo da crueldade.
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