Lei Áurea |
Por Lucinha Peixoto (*)
Hoje faz 121 anos da abolição da escravatura no Brasil. Li
ou ouvi alguém dizer, algum tempo atrás, que para isto foi usada a menor Lei já
produzida no nosso legislativo:
Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a
escravidão no Brasil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Com apenas estes dois parágrafos, esta Lei, chamada Áurea,
de nº 3.353 de 13 de maio de 1888, também foi a de maior alcance social, e como
aquela do Bolsa Família, para o bem ou para o mal. Ela mexeu com,
aproximadamente, dez por cento da população, do Brasil na época.
Da mesma fonte, soube que, se a lei fosse mais detalhada,
tentando enfrentar a situação social dos escravos libertos, responsabilizando o
Estado pela sua vida e bem estar, ainda hoje a estaríamos discutindo em nossas
casas legislativas.
Eu não acredito que até hoje teríamos escravos formalmente.
Alguma outra Lei iria surgir quando nossos patrícios não escravos fossem
passear no mundo desenvolvido sendo hostilizados pelo povo de lá, chamando-os
de escravocatas desalmados. Isto aconteceu com os brancos sul-africanos. No
entanto, isto não tiraria dos negros a condição de "escravos". Eles seriam apenas formalmente livres, como se
tornaram em 1888. As condições de miséria, preconceito, baixo status social,
dificuldades na luta pela sobrevivência ainda estariam presentes como estão
hoje para os seus descedentes. O que fez a nossa elite dirigente da época foi
formalizar atos consumados. Da mesma forma que hoje esta mesma elite, seja de
esquerda, centro, direita, de cima ou de baixo, tenta fazer com aqueles passam
fome. Criam programas sociais que apenas mascaram a realidade, diante do fato
consumado de que, sem a esperança, que existia na minha mocidade, de uma
revolução social, ou pelo menos uma mudança profunda, os que passam fome estão
tentando resolver seus problemas através de atos, chamados por nós, violentos.
Havia um ditado antigo que meu pai, senhor zeloso da ética
social de sua época não queria que eu desse valor: “Ladrão que rouba ladrão tem
cem anos de perdão”. Talvez, a classe menos favorecida, chamada hoje de
excluída e eu não sei de que, tenha levado o ditame a sério. A explosão de
violência urbana e rural em nosso país leva a crer nisto como uma hipótese
bastante plausível. Uns culpam, por esta onda de violência, a falta de
segurança pública mas, esta é consequência e não causa do fenômeno. Outros
culpam a falta de educação religiosa, quando nunca se criou mais religiões hoje
no Brasil e no mundo. Algumas chegam até a culpar a outra por não saber
conduzir a massa. No caso da religião católica, que conheço melhor, esta tem um
comportamente ciclotímico em relação a problemas sociais, que melhoraria muito
se nós lêssemos mais os Evangelhos e menos o Código Canônico. Desde o Brasil
colônia tentavam batizar índio à força, discutir se escravo tinha alma,
passando pela Teologia da Libertação, chegando ao atual conservadorismo. Mesmo
assim, se todos fôssemos cristãos praticantes, ainda existiriam pobres, como
dizia Jesus. Outros culpam nossas leis que levam à impunidade pela sua
condescendência. Mas punir a quem, quando se trata de problema social? Usar
nossa estrutura jurídica que proclama que a lei é igual para todos, punindo
igualmente o que rouba para comer e que rouba para levar a esposa para passear
na Europa?
Talvez tudo isto e mais alguma coisa sejam a causa de nossas
desigualdades sociais porém, uma coisa é certa: a escravidão tem a ver com tudo
isto. Sua lembrança e reflexão sobre ela nos permitirá errar menos no futuro.
Devemos refletir no dia de sua abolição.
Por falar em errar ou acertar, relacionado intimamente com a
escravidão, abolição e suas consequências, há uma grande discussão no país
sobre um tema importante: a discriminação positiva. Ela está relacionada com,
entre outras medidas, ao conceito de cotas no preenchimento de vagas em
universidades, serviço público, etc. por populações específicas, geralmente por
tempo determinado, onde estas populações podem ser grupos étnicos ou
"raciais", classes sociais, imigrantes, deficientes físicos,
mulheres, idosos, dentre outros. A justificativa para o sistema de cotas é que
certos grupos específicos, como os negros no presente texto, em razão de algum
processo histórico depreciativo, teriam maior dificuldade para aproveitarem as
oportunidades que surgem no mercado de trabalho ou no seu acesso ao ensino
superior, bem como seriam vítimas de discriminações nas suas outras interações
com a sociedade. No nosso caso, o que está se discutindo no Congresso Nacional
é uma lei de cotas raciais (mais recentemente já se fala em cotas para
deficientes), propondo a reserva de vagas em Universidades Públicas para
negros.
É um assunto extremamente polêmico e longe de mim ter uma
posição firmada para o assunto. O tema envolve uma questão que no Brasil sempre
foi considerada um tabu, gerado, principalmente, pelos escritos de Gilberto
Freyre falando sobre democracia racial: Existe racismo no Brasil? Seria nosso
Rei do Futebol racista por só se casar com brancas? Ou seria ele racista se
decidisse só se casar com negras? Será que o sistema de cotas traria o racismo
ao Brasil ou seria uma forma de contorná-lo, porque já existe?
Estas, e outras questões, que envolvem o Dia da Abolição
foram muito presentes em minha infância e adolescência em Bom Conselho. Antes
de arribar para outras plagas sofri um pouco pela minha condição social de
família pobre, como já disse de outras vezes em que escrevi sobre mim mesma, ou
me forçaram a fazê-lo, mas o aspecto racial nunca foi tocado por mim. Será que
fui ou sou racista? Eu penso assim: Só não serei racista se, pudesse mudar
instantâneamente minhar cor, e pensar que a tive toda a minha vida, e, assim
mesmo, ter a mesma opinião sobre tudo. Penso que, mudar de cor assim, só
aconteceu com Michael Jackson. Por isso termino com uma interrogação sobre tudo
isto, esperando que sirva para sua reflexão e, quem sabe, para um bom debate:
Você é a favor ou contra ao sistema de cotas raciais?
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P.S. – Meu Deus como pude me esquecer. Hoje é dia de N. S.
de Fátima. Santa Mãe de Jesus rogai por nós e ilumine todos a seguir os passos
de seu Filho. Lembro bem:
A treze de maio na cova da íria
No céu aparece a Virgem Maria
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Há três pastorinhos cercada de luz
Visita a Maria, mãe de Jesus
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
A mãe vem pedir constante oração
Pois só de Jesus nos vem a salvação
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Da agreste azinheira a Virgem falou
E aos três a senhora tranquilos deixou
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Então da Senhora o nome indagaram
Do céu a mãe terna bem claro escutaram
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Se o mundo quiserdes da guerra livrar
Fazei penitência de tanto pecar
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
A Virgem lhes manda o terço rezar
A fim de alcançarem da guerra o findar
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Com estes cuidados a mãe amorosa
Do céu vem os filhos salvar carinhosa
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria
Ave, ave, ave Maria!
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(*) Eu não escrevi nada para homenagear N. S. de Fátima nem
a Abolição. Mas, lembrava deste texto da Lucinha Peixoto, que permanece atual,
de alguma forma. Vejam que mantive as datas e tudo mais. O texto original é de
2009 e está no saudoso Blog da CIT (aqui).
Não sei se hoje a Lucinha, nossa exilada voluntária, ainda pensa assim, mas,
como todo texto dela, gera polêmica. (ZC)
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