Por José Antonio Taveira Belo /
Zetinho
Mulher sertaneja. Forte e
calejada. Mulher para o que der e vier. Nascida e criada no sertão brabo e de
sol escaldante, aonde a chuva escassa às vezes vem molhar a terra estorricada
por breve tempo. As noites quentes e de céu estrelado com a luz da lua cheia
clareando o terreiro. Sentada em um tronco de uma arvore rezando o terço
pedindo proteção, o que fazia diariamente.
Meditando dizia sempre – tenho saúde, o resto que importa, sou feliz! Cuida
de dois alqueires de terra deixado pelo seu marido Juquinha, morrido de uma
congestão depois de um jantar descansando no alpendre em uma noite de luar,
quente sem um pouquinho de vento para aliviar o calor, lembrava. A poeira
vermelha assola o seu pequeno mocambo. Dois jumentos fuçam a terra a procura de
alguma folha verde, e os bodes, ressente a falta de agua, berram. Mora numa
casebre de taipa, de dois cômodos, sala com uma mesa e dois bancos e um quarto com
uma cama, na parede o crucifixo com fitinhas amarela e azul. Atrás do mocambo,
um fogão pregado na parede. Na sala o retrato do Padre Cicero, seu santo e
protetor dos pobres e desvalidos e os retratos de Jesus e do outro lado de
Nossa Senhora. São Francisco de Assis
faz parte da sua devoção, lá está a sua pequena imagem na cômoda. O candeeiro,
dois, um na sala e outro no quarto. Todo o dia sai com a enxada nas mãos indo
para o terreno fofar e esperar que São Pedro abra as torneiras do céu para
aliviar o sofrimento do sertanejo. Sua pele é seca pelo sol que leva
diariamente. Calos nas mãos. Enrola um pano vermelho na cabeça e pega uma lata
e vai apanhar agua em açude aos seiscentos metros, do mocambo, quase seco. Agua
salobra somente servia para cozinhar alguns caroços de feijão e quando a sede
apertava alguns goles da agua, mas nunca lhe ofendeu o intestino. Mora com ela
a sua Bastiana, menina, dos seus dezoitos anos, morena, dotada de um corpo
invejável, olhos e cabelos pretos compridos que ajuda a mãe na labuta do dia a
dia, indo buscar agua no barreiro. Apareceu doente. Dor de cabeça, enjoo,
febre, preguiça e o corpo mole só pedindo cama. Pálida e sem cor. Dona Biu seu
apelido ficou preocupada com aquele repentino mal. Pensou naqueles males da
mulher quando está de bucho ou naqueles dias, mas mudou de ideia pedindo perdão
a Deus pelo mau pensamento, fazendo o sinal da cruz. Vadinho, seu namorado era
um rapaz digno não ia fazer uma besteira dessas. Seis léguas separavam o sitio
da pequena cidade Sertãozinho. De manhã pegou um bigu no carro de boi de Seu
Mané, e levou ao medico Doutor Zeferino. Era medico de todo o mal. Examinou e
disse é apenas um mal estar, breve passara. Tome este remédio, dando-lhe a
receita escrita com letras tronchas. Levou na farmácia e voltou para casa. Era devota fervorosa do Padim Ciço e por
certo ele ajudaria. Rezando pelo caminho de volta no mesmo carro de boi, com o
terço nas mãos prometeu que ia até Juazeiro do Padim Ciço pagar uma promessa se
a Bastiana ficasse curada. Os dias se passaram e menina moça se curou. Voltou
ao normal, buscando agua no barreiro e fazendo os serviços da casa. Dona
Severina, esbouço um sorriso olhando para o céu agradecendo a Deus e ao Padre
Cicero Romão, meu Padim e protetor. No mês de maio mês de Maria, na sua casa
havia a reza do terço e o canto da ladainha chorosa diariamente, A bandeira
branca hasteada na frente do mocambo, em um pau cumprido deixado pelo seu
marido, tremulava. Todos que passavam pela estrada sabiam que ali havia reza e
devoção pela Nossa Senhora do Rosário. . Vinham mulheres, suas vizinhas, acompanhados
de seus maridos e filhos rezarem o terço por volta das seis horas da tarde.
Promessa é promessa, dizia. Começou a se preparar para viagem a Juazeiro do
Padre Cicero Romão. Passou todo ano ajuntando um dinheirinho que recebia
deixado pelo seu marido no Banco do Brasil. Guardava num cofrezinho e escondia
debaixo da cama. Ali estava sua economia. Depois de um ano, começou a se
preparar, colhendo informação aqui e ali como chegaria ao seu destino, que era
rezar de joelhos o terço como prometera olhando para imagem do Padre Cicero,
agradecendo a cura da sua filha de uma doença que parecia ser grave. Seu
Miguel, sempre fazia romaria, todos os anos. Pagou a sua passagem e de sua
filha e no dia acertado se montou no pau de arara coberto por uma lona azul e
seguiu o seu destino que era pagar a sua promessa. Com Deus não se brinca!
Prometeu tem que cumprir, custe o que custar. A estrada era cumprida, o calor e
a poeira vermelha castigavam todos ali. Agua trazida em uma quartinha pequena
acabou. Quanto mais rodava o caminhão na sua lentidão pela estrada esburacada o
sofrimento aumentava, mas no seu intimo o sacrifício valia a pena, com o seu
terço na mão rezando as Aves Maria. Um dia e meio chegaram ao seu destino.
Quanta alegria quando disseram “estamos na terra do Padre Cicero Romão”, vivas!
Viva! Viva! Todos gritavam quando estavam entrando na cidade. Desceram da
carroceria, muitos entrevados, outros cansados. Suados
sacudindo as saias às mulheres e os homens tirando o chapéu de couro e limpando
o suor com um lenço desbotado. Dona Biu seguiu de imediato para a capelinha.
Ajoelhou-se na porta e seguiu a até a imagem de joelho, que lhe doía a cada
passo, mas promessa é promessa. Acampou embaixo de uma arvore e estendeu as
pernas doloridas e ainda dormentes. Bastiana foi numa bodega comprar alguma
coisa para comer, chegando com dois sanduiches e uma garrafa de suco de uva.
Olhando para o céu azul sem uma nuvem agradeceu a Deus e um viva bem grande em
louvor ao Padre Ciço. De volta trouxe uma imagem do seu Santo, Padre Cicero
Romão.
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