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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Itamar Franco não foi só um topete...




Por Zezinho de Caetés (*)

Não há como conhecer um pouco da economia deste país sem se sensibilizar com a morte do Itamar Franco. Aliás, modernamente, foi a partir dele que pudemos dizer que o Brasil  era um país em que possuíamos uma moeda. As novas gerações não entendem o que isto quer dizer. Eles nunca entraram num restaurante onde o preço do prato variava durante as refeições. Exageros à parte, isto era o que ocorria.

Quantas vezes corri rápido ao supermercado para comprar quase todo o meu salário de bens de primeira necessidade, porque se deixasse para fazê-lo no meio do mês, ele teria perdido já 20% do seu valor, no mínimo? Quantas vezes corríamos nas ruas de prateleiras, para chegarmos primeiro aos produtos do que o homem da maquininha? Quantas vezes ficamos envergonhados diante de nós mesmos, quando comprávamos dólares como se fôssemos bandidos para fazer um mera viagem ao exterior?

Tudo isto se passava antes de Itamar. Éramos um país sem moeda desde que Juscelino decidiu fazer Brasília rodando as máquinas de emissão e quando, nos governos militares, quisemos fazer milagres nos enganando de que poderíamos viver sem moeda, porque tínhamos um “gatilho” que salva os trabalhadores do dragão inflacionário. Tudo isto justificado por teorias malucas de pessoas que seguiam mais ideologias do que fatos.

Só depois do Plano Real, no governo Itamar Franco e com a iniciativa de um dos seus ministros da fazenda, o Fernando Henrique Cardoso, que tivemos um moeda. Os cofrinhos voltaram para a criançada, as máquina de remarcação de preços desapareceram, os fiscais da SUNAB e a própria sumiram.

De lá pra cá, em termos de economia foram feitas muitas coisas que nos levaram ao limiar de uma economia moderna. Como a preparação para independência do Banco Central (ainda não concretizada), separação de autoridade monetária e autoridade fiscal, Lei de Responsabilidade Fiscal e outras coisas que simplesmente seriam impossíveis sem uma moeda estável.

E os governantes que se seguiram fizeram bom governo enquanto mantiveram esta conquista do governo Itamar. Até que, por motivos eleitorais o meu conterrâneo, no ano passado tentou sair dos trilhos, deixando uma herança braba para a mulher que ele colocou na presidência, e que continua com a responsabilidade de manter o que o Itamar implantou para que não entremos na toca do dragão da maldade outra vez.

Transcrevo abaixo um texto a que ele mesmo chamou de “Itamar, um testemunho”, publicado no Blog do Noblat, pelo Gustavo Krause e que tem toda a credibilidade. Leiam, e tomem isto como uma homenagem nossa ao grande brasileiro, cujo senso de ética pública o fez andar a ermo com muito políticos atuais, quase todos flagrados pelas câmeras em seu velório. Eu não volto.

“Confesso que resisto falar sobre os que morrem. Há uma forte e justificável tendência ao panegírico, ao laudatório, como se a morte expiasse o lado das fraquezas humanas, restando divinizar quem se vai.

Em relação a Itamar, não hesitei. A razão é simples: seu modo de ser transparente, contrariando a mineirice, não escondia o temperamento turrão, a personalidade complexa e um jeito especial de ser.

Defeitos, quem não os tem? Agora, quem pode negar ao Presidente Itamar virtudes republicanas, hoje tão escassas, e uma dignidade pessoal exemplar?

Fui testemunha privilegiada da grandeza política do Presidente Itamar. Devo a ele a confiança singular e imensa de me escolher ministro da Fazenda de um governo que emergia no olho de um furacão: a mais profunda crise do regime presidencialista e que resultou, sem precedente histórico, no impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto popular depois do regime militar.

E mais, emergia no quadro caótico de uma nação politraumatizada: a morte de Tancredo, o envenenamento social provocado pelos efeitos deletérios da hiperinflação, recorrentes abalos e frustrações dos choques econômicos e, sobretudo, uma profunda crise ética.

A nossa nascente e tenra planta da Democracia (e bote tenra nisso) tornou-se por conta daquele e de episódios subsequentes na mais testada democracia do mundo.

Para efeito de registro histórico, cabe relatar que, no fim da tarde da quinta-feira, 01 de outubro de 1992, fui surpreendido com a notícia de que seria convidado para ocupar o ministério da Fazenda (feição clássica com a reorganização do superministério da Economia ocupado com zelo e dedicação inexcedível pelo embaixador Marcilio Marques Moreira).

A notícia foi dada pelo então governador de Pernambuco, Joaquim Francisco, que me indicara para compor o ministério do novo governo.

Fui, em companhia de Joaquim, ao encontro do Presidente Itamar e na presença de Aureliano Chaves, José Aparecido, Paulo Haddad, Henrique Hargreaves e outros personagens que a memória já não registra, Itamar formulou o convite.

Por dever de lealdade, fiz algumas ponderações, mostrando que a minha escolha contrariaria expectativas e acrescentaria, de partida, dificuldades políticas a um governo que assumia o poder diante de uma sociedade permeada pelos sentimentos díspares da esperança e da desconfiança.

Ele pediu a opinião dos circunstantes. Foram generosos. Meus argumentos não convenceram.

Itamar disse: “Deputado, faço um apelo...”. Interrompi: “Presidente não faz apelo, estamos juntos”.

O anúncio seria na sexta pela manhã. Discutimos diretrizes com Paulo Haddad, futuro ministro do Planejamento. Insônia e reflexão ajudaram a enfrentar a entrevista coletiva e a justificada curiosidade pública a meu respeito.

Tinha nítida noção da precariedade do meu prazo de validade. A instabilidade econômica levava de roldão planos, moedas e ministros. Esta era a regra. Percebi, realisticamente, os limites de uma ação política que levasse a cabo um plano de estabilização para o país. E não existe a figura do “pato manco” no ministério da Fazenda. Ou é forte, ou entrega o boné.

Não deu outra. Setenta e cinco dias depois da nomeação, deixei o cargo, voltei para o Congresso, mantendo-me firme na defesa do governo. E a despeito das dificuldades vividas, ganhei o amigo.

A convivência breve, porém intensa, adicionada à relação que se estabeleceu posteriormente, foi suficiente para identificar a dimensão política de Itamar.

A ideia e a prática da República e da Democracia repousam no princípio da virtude. Virtude traduzida pela paixão política, espírito cívico e supremacia do bem público sobre os interesses privados, ensina o Barão de Montesquieu, no atualíssimo Espírito das Leis, publicado em 1748.

Na mesma linha, Ortega Y Gasset , em Mirabeau ou o político, reconhece o conceito de virtude nas “almas grandes” e na “magnanimidade”, atributos do verdadeiro político que faz da vida missão criadora e, para quem viver é fazer grandes coisas e não simplesmente existir.

Itamar, magnânimo, encarnou a virtude pública e a dignidade pessoal. Por isso viveu e viverá na imortalidade do exemplo que legou ao Brasil.”

Zezinho de Caetés
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(*) Este texto já estava para ser publicado no Blog da CIT, quando ele encerrou suas atividades. Por isso, o assunto não casa muito com o tempo, ou caso melhor, não sei. E que o Zezinho seja sempre bem-vindo a este novo espaço.

Administração da AGD.

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