“Raízes da
crise são velhas, falha de Temer é própria
POR ROLF KUNTZ
Acuado,
desorientado diante da pressão dos caminhoneiros, mal aconselhado, hesitante no
uso da autoridade e negociando de igual para igual com violadores da lei, o
presidente Michel Temer também pode, apesar de tudo, considerar-se mais uma
vítima de um acúmulo de erros alheios. Durante décadas, decisões desastrosas
condenaram o Brasil a depender excessivamente do transporte rodoviário,
enquanto outros países continuavam a valorizar e a modernizar as ferrovias e os
sistemas de transporte hidroviário.
Equívocos
igualmente perigosos submeteram combustíveis e energia elétrica a uma
tributação pesada e irracional, aplicada principalmente pelos Estados. Tanto os
problemas dos caminhoneiros quanto sua capacidade de pressionar o governo e de
impor custos inaceitáveis à sociedade são consequências de erros como esses.
Mas esses desacertos foram ainda agravados, durante muito tempo, pela
ineficiência na expansão, na modernização e até na mera conservação das
estradas – importantes fatores adicionais de custos e de riscos para os
envolvidos no transporte de cargas e também de passageiros por estradas.
Nenhum desses
fatores atenua as falhas do Executivo na reação ao bloqueio das estradas. Os
caminhoneiros podiam ter motivos ponderáveis para protestar e para cobrar
mudanças, mas nada poderia justificar a obstrução de rodovias e a imposição de
danos à população. Era função da autoridade fazer cumprir a lei prontamente. Em
seguida poderia examinar medidas para aliviar a situação dos transportadores, tanto
indivíduos quanto empresas. Mas qualquer solução será parcial, provisória e
muito imperfeita enquanto os velhos erros forem mantidos.
O equívoco mais
notório foi o quase abandono do transporte ferroviário, acentuado a partir dos
anos 1960. O Brasil tem uma posição bem diferenciada, entre os países de grande
território, quando se trata da matriz de transportes. Os dados variam de uma
fonte para outra, mas de forma bem limitada. De modo geral, os vários conjuntos
de informações mostram um país muito mais dependente que os outros da
movimentação rodoviária.
Um quadro
incluído no Plano Nacional de Logística de 2014 permite a comparação. Na
Rússia, ferrovias transportavam 81% das cargas, 8% dependiam de rodovias e 11%,
de hidrovias. No Canadá, as proporções eram 46%, 43% e 11%. Na Austrália, 43%,
53% e 4%. Nos Estados Unidos, 43%, 32% e 25%. Na China, 37%, 50% e 13%. No
Brasil, 25%, 58% e 17%.
A esses dados é
preciso acrescentar a baixa qualidade do sistema rodoviário. Falta pavimentação
em cerca de 80% das estradas, segundo informações em circulação no ano passado.
Algumas fontes indicam uma proporção próxima de 85%. O levantamento anual
publicado pela Confederação Nacional dos Transportes mostra geralmente um
quadro precário. De acordo com relatório divulgado pela entidade em novembro de
2017, eram regulares, ruins ou péssimas as condições de 61,8% dos 106 mil
quilômetros de vias avaliadas. No ano anterior essa parcela representava 58,2%
do total.
Estradas em más
condições impõem maior gasto de tempo, maior consumo de combustível, risco
maior de quebras e de acidentes e possibilidade maior de perda de cargas.
Impõem prejuízos, portanto, ao transportador, ao proprietário da carga, ao
consumidor e, de modo geral, à eficiência e ao poder de competição do País.
Tudo isso afeta o crescimento econômico, a formação de preços e as contas
externas. São efeitos micro e macroeconômicos inegáveis e bem conhecidos, mas
negligenciados.
A tributação
irracional também é um velho problema. Surgiu no Senado, na quarta-feira, a
ideia de um projeto de resolução para impor um teto à alíquota do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente nos combustíveis. O
limite para gasolina e álcool ficaria em 18%. O teto para óleo diesel seria de
7%. As alíquotas variam de Estado para Estado, até o máximo de 35% no Rio de
Janeiro. Diante da crise, o governador fluminense ofereceu aos caminhoneiros
uma redução. Não basta, no entanto, a boa vontade. É preciso repensar as
finanças estaduais e torná-las menos dependentes da tributação de combustíveis
e eletricidade.
Sem a crise
causada pelos caminhoneiros, dificilmente essas questões entrariam na pauta
oficial. O governo mal tem conseguido cuidar dos problemas fiscais mais
prementes – e só tem alcançado algum avanço nessa área graças ao trabalho dos
Ministérios da Fazenda e do Planejamento, exceções na administração federal de
hoje. O trabalho do Banco Central contra a inflação também está fora do padrão
dominante no Planalto.
A demora do
governo em reagir ao bloqueio de estradas comprova a deficiente informação da
Presidência da República e seu despreparo para enfrentar crises mais sérias.
Comprova também, como tantos outros episódios, a qualidade do Gabinete
organizado pelo presidente – uma equipe desfalcada precocemente pela demissão
do então secretário de Governo Geddel Vieira Lima, depois envolvido numa
história de malas com R$ 51 milhões.
A negociação
com os bloqueadores de rodovias esteve à altura desse padrão. Depois da
reunião, a equipe do Executivo anunciou um acordo para o fim dos bloqueios. No
dia seguinte, sexta-feira, caminhoneiros continuavam obstruindo rodovias,
desafiando a lei, impedindo a entrega de combustíveis e entravando a
movimentação de outras mercadorias, como alimentos, medicamentos e até oxigênio
para ambulâncias e hospitais.
A ajuda
oferecida pelo presidente da Petrobrás, Pedro Parente – redução de preços por
15 dias para dar tempo a uma negociação – havia sido desperdiçada, ou, mais
caridosamente, muito mal aproveitada. E ainda sobraram, no Planalto, ameaças e
críticas a Parente, com risco de perda de um raro núcleo de competência, a
diretoria responsável pelo resgate da maior empresa brasileira.”
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AGD
comenta:
O
texto acima poderia ser chamado um “texto
de crise”. Ele foi escrito anteontem e a
crise continua, e portanto sua atualidade. Só as estatísticas citadas sobre as
fatias dos vários tipos de transporte dos outros países, quando comparadas com
as nossas, nos dão a noção de quanto tempo perdemos correndo atrás dos outros
de carro e não de trem.
É uma
pena que para acordarmos deste fatal erro que envolveu todos os governos da
República só seja reconhecido quando estamos sem gasolina no carro ou gás para
cozinhar. E ainda é cedo para dizer que vamos aprender alguma coisa.
Quando
será que eu poderei ir a Bom Conselho de trem? Bem, em minha idade tenho certeza
que nunca irei. Espero que meus netos irão, um dia. E isto é um desejo otimista
para a situação em que se encontra nosso país.
Bem,
com as eleições ali no horizonte, e a única forma de começarmos a sair desta
como uma nação civilizada, temos que estar atentos para esta janela de
oportunidade. Se perdida até a esperança dos meus netos, como eu, verem um trem
em Garanhuns também se perde.
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