“As Forças
Armadas nos devem desculpas
POR JOSÉ
NÊUMANNE
A rigor, o
memorando do diretor da CIA William Colby ao secretário de Estado dos EUA em
1974, Henry Kissinger, informando que o presidente Ernesto Geisel adotou a
política do antecessor, Emílio Médici, de executar “subversivos perigosos” não
devia provocar surpresa nem estupor. O documento, encontrado no computador pelo
pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Matias Spektor, só confirmou que
Geisel e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) que nomeou e seu
sucessor em 1979, general João Figueiredo, sabiam que inimigos da guerra suja
eram executados, depois de torturados, nos porões da polícia e das Forças
Armadas. Negar o truísmo equivaleria a imaginar que Lula, Dilma e Temer
ignoravam o saque aos cofres públicos nos 16 anos de mandarinato do conluio
PT-PMDB. Mas não dá para negar o valor histórico do achado.
Assim que os
meios de comunicação a publicaram, duas reações a ela se tornaram públicas. Em
entrevista a Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, a ex-coordenadora da Comissão
Nacional da Verdade (CNV), advogada Rosa Cardoso, lamentou que o documento não
tenha sido repassado, entre outros, ao órgão, que foi constituído pela
ex-presidente Dilma Rousseff para apurar os crimes cometidos à época do regime
instalado em 1964 e endurecido depois de 1968. Ela reconheceu que o tal
memorando não altera as principais conclusões da comissão, mas representa uma
importante confirmação.
Na mesma
sexta-feira 12 de maio, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que no
atual governo federal representa o apoio parlamentar do antigo Partido
Comunista Brasileiro (PCB), cuja denominação atual é Partido Popular Socialista
(PPS), disse que essa revelação não abala o “prestígio” do Exército. Para ele,
tal prestígio “se encontra nos mesmos níveis. Por uma razão muito simples: as
Forças Armadas são um ativo democrático do País”. Ninguém mais no governo
falou. Nem o comandante dessas Forças Armadas, o presidente Michel Temer.
Ao abordar a
dubiedade das autoridades americanas em relação à ditadura militar brasileira,
Rosa Cardoso denunciou o cinismo da Casa Branca, que não deu informações
pedidas e escondeu sob o sigilo de seus órgãos de informação a proteção dada a
tiranias brutais pela maior democracia do Ocidente. A segunda metade do mandato
de Geisel no Brasil coincidiu com a primeira do governo do democrata Jimmy
Carter, que alardeou uma política externa favorável aos direitos humanos nos
países aliados. Mas isso em nada mudou as relações mantidas com o regime dos
brasileiros na era Geisel, em cuja gestão foram assassinados no DOI-Codi o
jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.
O silêncio
obsequioso de Temer, oculto no elogio basbaque do encarregado de lidar com
polícias e bandidos, falou mais alto do que a ignorância deste em História do
Brasil. Se o “ativo democrático” vivesse em casernas, as instituições
democráticas do Segundo Império não teriam sido abaladas pela “questão
militar”. E a insana República não seria inaugurada pela traição do alto
oficialato do Exército, que a proclamou, da forma como a conhecemos, e deportou
a família do imperador derrubado.
Obra de
oficiais positivistas, a República conviveu desde o início com a tirania do
vice Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Depois, vieram a Revolução dos
Tenentes, em 1930, e a intentona sob a égide do capitão Luiz Carlos Prestes, em
1935. Esta pretextou o putsch de 1937, instituindo o fascismo à gaúcha do
Estado Novo para evitar uma eleição presidencial em marcha e manter Getúlio
Vargas no poder, sob tutela dos generais Gois Monteiro e Eurico Dutra. O “ativo
democrático” inspirou ainda a tentativa malograda de evitar a posse do vice
constitucional João Goulart em 1961 e seu segundo movimento, ao derrubar o
mesmo Jango e assumir a ditadura explícita no AI-5, de 1968.
O chefe federal
de polícia referia-se à inércia militar que, sob a Constituição de 1988, mantém
leal obediência aos mandatários civis, mesmo com os abusos por estes cometidos
nos recentes escândalos de corrupção Apesar dos arreganhos nostálgicos da
direita dita chucra, que clama por nova intervenção fardada, antes nas ruas e
hoje nas redes sociais, os comandantes têm limitado a expressão de seu “ativo
democrático” a “palmadas no bumbum” dadas por generais de pijama ou enigmas da
lavra de portadores de estrelas na farda e comando de tropas.
O porta-voz da
bajulação do generalato, na verdade, cumpriu uma antiga postura de presidentes
civis temerosos de se tornar vítimas de uma súbita quartelada. A José Sarney
podia-se desculpar por ter assumido o poder pela morte do titular Tancredo
Neves e sob a bênção explícita do general Leônidas Pires Gonçalves, que
entronizou o vice inesperado para evitar surpresas nefastas de uma escolha
popular na sucessão do morto. Foi mais uma intervenção fardada, só que
desarmada, para garantir que a paz reinasse sobre torturadores e seus chefes,
garantidos pela anistia de mão dupla. Fernando Collor e Itamar Franco viraram a
página e deixaram vítimas e carrascos em paz. Fernando Henrique deu uma de dois
de paus por conveniência.
Lula é fã de
Geisel e nem seria porque, ao estatizar a ponto de criar a República Socialista
Soviética do Brasil, título da série de reportagens pautada por Ruy Mesquita no
Jornal da Tarde, o general acumulou milhões em cofres e deu oportunidade para o
furto de Lula e seus asseclas. Dilma Rousseff, que se jacta de ter sido
torturada, não se deu ao trabalho sequer de exigir retratação de seus
comandados do Exército pelo soco desferido pelo capitão Benoni Albernaz, que
teria quebrado seus dentes no DOI-Codi.
Como Temer não
tem poder para exigi-lo, os comandantes das Forças Armadas deveriam pedir-nos
desculpas para se mostrarem à altura do “ativo democrático” que o comunista
Jungmann ora lhes atribui.”
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AGD
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