“Por uma
'democracia representativa'
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
É pura ilusão
acreditar que mais uma eleição dentro da mesma regra “proporcional” das
anteriores – agravada agora pelo “financiamento público” que abafa a voz de
quem entra limpo na disputa enquanto dá um megafone ao continuísmo – vá mudar
qualquer coisa de significativo na tragédia brasileira. É de uma ingenuidade de
dar pena afirmar que “eleger gente honesta” é o quanto basta, como se jogar
honestamente se tivesse tornado milagrosamente possível num jogo que começa
viciado pela obrigação de todo estreante de compor-se com os donos das
capitanias partidárias hereditárias e seus latifúndios no “horário gratuito” e
prossegue com os políticos, tornados intocáveis assim que eleitos pelos 30
coproprietários do “fundo partidário” dimensionado e redimensionado “a gosto”,
negociando cada voto nos Legislativos.
Também é sonho
de uma noite de verão imaginar que a doença brasileira possa ser curada só com
ações policiais e judiciais encomendadas ou desencomendadas a critério de
agentes públicos refestelados em privilégios e fora do alcance dos eleitores.
Quanto do “vaza-não vaza” que atinge exclusivamente o Legislativo e o Executivo
responde a uma disposição genuína de fazer justiça? Quanto ao propósito de
deter reformas contra privilégios? Quanto às disputas de poder de inspiração
ideológica ou patrimonialista?
Nem pouco, nem
muito mais do mesmo mudará coisa nenhuma. A primeira providência comezinha para
tirarmos o pé desse passado grudento é liberar a portaria da política.
Despartidarizar as eleições municipais e condicionar as estaduais para cima a
eleições primárias diretas. Nos municípios – todos únicos e radicalmente
diferentes entre si – deve concorrer quem quiser, independentemente de
partidos. E nas eleições estaduais e federais quem quer que chegue às portas do
partido apoiado por uma lista de assinaturas não muito extensa terá
obrigatoriamente de ser incluído na disputa pelo direito de candidatar-se que
os associados da agremiação decidirão no voto direto. É o quanto basta para
varrer de cena os velhos caciques, sem a eliminação dos quais o ambiente político
não se higieniza.
No mais, o nome
do jogo é “democracia representativa”. A implantação de um sistema que permita
saber exatamente quem representa quais eleitores em cada instância de governo
é, portanto, o que nos poderá credenciar a entrar nele. Isto se consegue com
eleições distritais puras. O eleitorado tem de ser dividido em distritos mais
ou menos equivalentes em número de habitantes desenhados sobre o mapa real da
localização do seu domicílio, do menor (o bairro ou conjunto de bairros em
eleições municipais) para o maior (um conjunto de distritos menores em eleições
mais amplas). O tamanho dos distritos é dado pela divisão do número de
habitantes pelo número de representantes que se deseja ter na instância em
disputa e só pode ser alterado em função do censo populacional. O Brasil de 204
milhões de habitantes, mantido o número de deputados federais de hoje, seria
dividido em 513 distritos de aproximadamente 400 mil habitantes. Como cada
distrito só pode eleger um representante e cada candidato só pode concorrer por
um distrito, além de reduzir drasticamente o custo das campanhas, o sistema
permite que cada deputado eleito saiba o nome e o endereço de todos os seus
representados.
Mas eleição
distrital não é uma solução em si mesmo. Ela apenas permite viabilizar o
controle efetivo do processo político pelos eleitores com garantia de absoluta
legitimidade daí por diante. Esclarecido quem representa quem, o passo seguinte
é consagrar o direito à retomada dos mandatos traídos ou mal satisfeitos a
qualquer momento (recall). Qualquer cidadão pode iniciar uma petição para
desafiar o seu representante. Se conseguir uma porcentagem previamente definida
de assinaturas, será convocada uma nova eleição apenas no distrito envolvido
para reconfirmar ou cassar seu representante e eleger um substituto.
O resto do
ferramental inclui o direito ao referendo por iniciativa popular das leis
passadas nos Legislativos usando a mesma mecânica de legitimação do recall, o
que torna efetivo, de troco, o direito de oferecer leis de iniciativa popular
que os brasileiros “já têm” (pra se enganar quem gosta), pois a última palavra
sobre toda lei passa a ser daqueles a quem ela será imposta, e não mais de
legisladores livres para legislar em causa própria.
Isso de fato
entrega o poder a quem a Constituição define como a “única fonte de legitimação
do estado”, nós, o povo, também dito o eleitorado. Mas todo esse edifício só se
mantém solidamente em pé com o complemento das periódicas “eleições de
retenção” de juízes, o Brasil amargamente sabe por quê. As comarcas sob a
alçada de cada um devem ter correspondência com os distritos eleitorais e a
cada eleição o nome de cada juiz de cada tribunal, até a instância estadual
mais alta, aparecerá na cédula dos eleitores sujeitos à sua jurisdição com a
pergunta sobre se deve manter ou não seu cargo e suas prerrogativas por mais um
período. Os que forem expelidos serão substituídos pelo sistema normal de
nomeação de juízes, com o que se cria um controle efetivo do Judiciário
operando exclusivamente a porta de saída, sem interferir com a independência de
quem permanecer dentro do sistema.
A eleição de
outubro vai se desenhando como desolada e negativamente plebiscitária. A
escolha restringe-se a votar simbólica e genericamente “contra a política” ou
pela continuação dela por falta de melhor e medo do pior. Ninguém oferece
plataforma nenhuma que se possa apoiar. E adotar um tom radical, mesmo que seja
em torno de nada, é a única coisa que empurra candidatos para cima do brejo
geral dos sub-10%. Se alguém abraçar radicalmente uma plataforma de reformas
não apenas que faça sentido, mas que possa exibir uma certificação histórica de
eficiência letal contra a corrupção e a politicagem, estará, portanto,
seriamente arriscado a se tornar um candidato imbatível.”
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AGD
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