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quarta-feira, 16 de maio de 2018

No país dos falsos dilemas





“No país dos falsos dilemas
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

A questão do foro especial é mais um dos falsos dilemas brasileiros. A discussão ingressa agora no tema “tira o foro de todo mundo ou não” e engastalha de saída na momentosa questão do “o que, tecnicamente, define uma súmula vinculante” que seria uma das maneiras de estender a derrubada do privilégio para o Judiciário e demais caronas. Esperar que o Judiciário extinga um privilégio dele próprio é arriscar deixar a coisa rolar por mais 100 anos nesse vai não vai. A “via rápida” seria o Legislativo fazer uma lei que anule as diversas leis e quase leis que estenderam indevidamente a regalia. Como, porém, tanta gente lá tem o rabo preso nas garras do Judiciário a coisa não é tão simples. E ainda que passasse só como vingança é de esperar, a julgar pela “jurisprudência” mais recente, que o Judiciário desfaça o que o Legislativo fizer em idas e vindas sucessivas e o País continue parado esperando até que estejamos todos mortos...

Outro ponto a considerar é o vaticínio de Gilmar Mendes de que vamos nos arrepender de termos suspenso o foro especial amplo, geral e irrestrito ao menos para políticos. Diz ele, “conhecedor da nossa Justiça criminal que é”, que a impunidade vai ficar mais garantida pelo caminho certo do que estava pelo caminho errado. E o pior é que todo mundo sabe que ele tem razão.

Essa seria a “deixa” para levar a discussão para o que interessa, mas o Brasil que precisa disso ficou mudo depois que as escolas de jornalismo conseguiram estabelecer como dogma que o bom jornalista só “ouve fontes” e o exercício do raciocínio próprio para desafiá-las e inquiri-las, ainda que seja apenas confrontando-as com os fatos que exponham suas mentiras, seria uma violação do princípio da separação entre opinião e reportagem. O resultado é que “cobrir política” de forma “isenta” passou a significar amplificar o que dizem as fontes oficiais desde que justapondo o dito pela “situação” ao dito pela “oposição” lá do Brasil que manda, deixando o Brasil mandado absolutamente sem voz. É isso que explica por que denunciar e exigir o fim dos privilégios que “situação” e “oposição” gostosamente compartilham enquanto se alternam no poder tornou-se oficialmente “impopular” ou no mínimo “controvertido” em todos os jornais e televisões do País, apesar de estarmos falando da causa primeira e última da sangria desatada de todos os bolsos miseráveis da Nação estrebuchante para rechear com mais largueza, haja o que houver, os da ínfima minoria não meritocrática dentro da minoria dos mais ricos.

O ponto que interessa ao Brasil mandado é que o foro especial não é “causa” de nada, como dizem por aí, é apenas mais um efeito, ainda que este com poder multiplicador, do defeito essencial que responde por todas as nossas desgraças, que é estar invertido o poder de mando na relação entre representantes e representados da pseudodemocracia brasileira. Se tivéssemos, como tem toda democracia de verdade, o direito de demitir, por iniciativa popular e a qualquer momento, políticos e funcionários indignos (recall) e recusar leis pervertidas vindas dos Legislativos (referendo), não só o foro especial jamais teria extrapolado a função de proteger a palavra e a ação de quem nós elegemos para falar e agir por nós para a qual foi criado, como também tais palavras e ações jamais se teriam desviado para a criação de uma clientela militante para servir-se do serviço público com o propósito exclusivo de reelegê-los em troca do compartilhamento de privilégios indecentes. Se fizéssemos, como faz toda democracia de verdade, eleições periódicas de retenção (ou não) dos juízes encarregados de nos entregar justiça, nós jamais teríamos de temer que levar os crimes comuns dos servidores do povo para a Justiça comum pudesse resultar em mais impunidade.

O problema do Brasil sempre foi e continua sendo um só, de uma obviedade mais ululante a cada dia que persiste no seu anacronismo medieval. Pois há 1/4 de milênio, já, que vem sendo confirmado e reconfirmado pelo argumento indiscutível do resultado que colhe toda e qualquer sociedade que se põe a salvo disso, que é uma lei da natureza que sempre que se concentra o poder está-se fornecendo um endereço ao bandido que dorme dentro de cada ser humano: “Trabalhar pra quê? Suborne aqui e tenha o seu problema resolvido”. Por isso, em todo o mundo que funciona, a última palavra sobre cada medida que possa vir a afetar a vida da coletividade passou a ser da própria coletividade, convertida para efeitos práticos num eleitorado com poderes absolutos, mas distritalmente pulverizados, a única maneira de não fornecer endereços a bandidos nem fazer da emenda um desastre pior que o soneto deixando o país sujeito aos golpes e passa-moleques de ilegitimidade que vêm junto com outros sistemas de representação pouco transparentes.

As eleições distritais puras deixam absolutamente claro quem representa quem na relação país real x país oficial. Desconcentram radicalmente o poder e assentam o país sobre uma base ampla e sólida de legitimidade. E, ao mesmo tempo, garantem o controle fino que se requer dos representantes encarregados de operar a reforma permanente das instituições que o mundo implacavelmente dinâmico e competitivo de hoje exige, sem o corolário da imprevisibilidade da arbitrariedade do monarca da hora que impede o desenvolvimento baseado na inovação.

Não há como extinguir efeitos sem remover suas causas. O Brasil tem se alternado em variações de fórmulas autoritárias em que “iluminados” tratam de substituir-se ao povo para decidir o que é melhor para o povo e o resultado, salvo alguns soluços de marcha adiante, é uma sucessão de desastres. Mais radicais quanto mais radical for a dose de autoritarismo, mas desastres sempre. A escolha real que há é entre aderirmos, finalmente, ao sistema de governo do povo, pelo povo e para o povo, ou nos conformarmos em permanecer para sempre no século 18 pagando as carências e as doenças do século 18 como estamos hoje.”

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