“No país dos
falsos dilemas
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
A questão do
foro especial é mais um dos falsos dilemas brasileiros. A discussão ingressa
agora no tema “tira o foro de todo mundo ou não” e engastalha de saída na
momentosa questão do “o que, tecnicamente, define uma súmula vinculante” que
seria uma das maneiras de estender a derrubada do privilégio para o Judiciário
e demais caronas. Esperar que o Judiciário extinga um privilégio dele próprio é
arriscar deixar a coisa rolar por mais 100 anos nesse vai não vai. A “via
rápida” seria o Legislativo fazer uma lei que anule as diversas leis e quase
leis que estenderam indevidamente a regalia. Como, porém, tanta gente lá tem o
rabo preso nas garras do Judiciário a coisa não é tão simples. E ainda que
passasse só como vingança é de esperar, a julgar pela “jurisprudência” mais
recente, que o Judiciário desfaça o que o Legislativo fizer em idas e vindas
sucessivas e o País continue parado esperando até que estejamos todos mortos...
Outro ponto a
considerar é o vaticínio de Gilmar Mendes de que vamos nos arrepender de termos
suspenso o foro especial amplo, geral e irrestrito ao menos para políticos. Diz
ele, “conhecedor da nossa Justiça criminal que é”, que a impunidade vai ficar
mais garantida pelo caminho certo do que estava pelo caminho errado. E o pior é
que todo mundo sabe que ele tem razão.
Essa seria a
“deixa” para levar a discussão para o que interessa, mas o Brasil que precisa
disso ficou mudo depois que as escolas de jornalismo conseguiram estabelecer
como dogma que o bom jornalista só “ouve fontes” e o exercício do raciocínio
próprio para desafiá-las e inquiri-las, ainda que seja apenas confrontando-as
com os fatos que exponham suas mentiras, seria uma violação do princípio da
separação entre opinião e reportagem. O resultado é que “cobrir política” de
forma “isenta” passou a significar amplificar o que dizem as fontes oficiais
desde que justapondo o dito pela “situação” ao dito pela “oposição” lá do
Brasil que manda, deixando o Brasil mandado absolutamente sem voz. É isso que
explica por que denunciar e exigir o fim dos privilégios que “situação” e
“oposição” gostosamente compartilham enquanto se alternam no poder tornou-se
oficialmente “impopular” ou no mínimo “controvertido” em todos os jornais e
televisões do País, apesar de estarmos falando da causa primeira e última da
sangria desatada de todos os bolsos miseráveis da Nação estrebuchante para
rechear com mais largueza, haja o que houver, os da ínfima minoria não
meritocrática dentro da minoria dos mais ricos.
O ponto que
interessa ao Brasil mandado é que o foro especial não é “causa” de nada, como
dizem por aí, é apenas mais um efeito, ainda que este com poder multiplicador,
do defeito essencial que responde por todas as nossas desgraças, que é estar
invertido o poder de mando na relação entre representantes e representados da
pseudodemocracia brasileira. Se tivéssemos, como tem toda democracia de
verdade, o direito de demitir, por iniciativa popular e a qualquer momento,
políticos e funcionários indignos (recall) e recusar leis pervertidas vindas
dos Legislativos (referendo), não só o foro especial jamais teria extrapolado a
função de proteger a palavra e a ação de quem nós elegemos para falar e agir
por nós para a qual foi criado, como também tais palavras e ações jamais se
teriam desviado para a criação de uma clientela militante para servir-se do
serviço público com o propósito exclusivo de reelegê-los em troca do
compartilhamento de privilégios indecentes. Se fizéssemos, como faz toda
democracia de verdade, eleições periódicas de retenção (ou não) dos juízes
encarregados de nos entregar justiça, nós jamais teríamos de temer que levar os
crimes comuns dos servidores do povo para a Justiça comum pudesse resultar em
mais impunidade.
O problema do
Brasil sempre foi e continua sendo um só, de uma obviedade mais ululante a cada
dia que persiste no seu anacronismo medieval. Pois há 1/4 de milênio, já, que
vem sendo confirmado e reconfirmado pelo argumento indiscutível do resultado
que colhe toda e qualquer sociedade que se põe a salvo disso, que é uma lei da
natureza que sempre que se concentra o poder está-se fornecendo um endereço ao
bandido que dorme dentro de cada ser humano: “Trabalhar pra quê? Suborne aqui e
tenha o seu problema resolvido”. Por isso, em todo o mundo que funciona, a
última palavra sobre cada medida que possa vir a afetar a vida da coletividade
passou a ser da própria coletividade, convertida para efeitos práticos num
eleitorado com poderes absolutos, mas distritalmente pulverizados, a única
maneira de não fornecer endereços a bandidos nem fazer da emenda um desastre
pior que o soneto deixando o país sujeito aos golpes e passa-moleques de
ilegitimidade que vêm junto com outros sistemas de representação pouco
transparentes.
As eleições
distritais puras deixam absolutamente claro quem representa quem na relação
país real x país oficial. Desconcentram radicalmente o poder e assentam o país
sobre uma base ampla e sólida de legitimidade. E, ao mesmo tempo, garantem o
controle fino que se requer dos representantes encarregados de operar a reforma
permanente das instituições que o mundo implacavelmente dinâmico e competitivo
de hoje exige, sem o corolário da imprevisibilidade da arbitrariedade do
monarca da hora que impede o desenvolvimento baseado na inovação.
Não há como
extinguir efeitos sem remover suas causas. O Brasil tem se alternado em
variações de fórmulas autoritárias em que “iluminados” tratam de substituir-se
ao povo para decidir o que é melhor para o povo e o resultado, salvo alguns
soluços de marcha adiante, é uma sucessão de desastres. Mais radicais quanto
mais radical for a dose de autoritarismo, mas desastres sempre. A escolha real
que há é entre aderirmos, finalmente, ao sistema de governo do povo, pelo povo
e para o povo, ou nos conformarmos em permanecer para sempre no século 18
pagando as carências e as doenças do século 18 como estamos hoje.”
---------------
AGD
comenta:
Sem
comentários
Nenhum comentário:
Postar um comentário