“O golpe dos
cursos sobre o ‘golpe’
Por Roberto
Macedo
Algumas
universidades passaram a oferecer cursos que questionam a legitimidade do
impeachment, em 2016, da então presidente da República, Dilma Rousseff. O
assunto segue no noticiário na forma de matérias e artigos de opinião.
Recentemente, chamou-me a atenção uma reportagem no site de O Globo (24/4)
intitulada UFRJ oferece curso sobre ‘o golpe de 2016 e o futuro da democracia’.
UFRJ é a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A matéria traz
um bom histórico do assunto. Em resumo, ele começou em fevereiro, quando a
Universidade de Brasília (UnB) anunciou a criação de disciplina sobre “o golpe
de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. Na sequência, o Ministério da
Educação acionou vários órgãos, entre eles a Advocacia-Geral da União e o
Ministério Público Federal (MPF), para apurar eventual improbidade
administrativa dos responsáveis pela disciplina.
Entendo que tal
improbidade estaria na criação de um curso cujo título evidencia proselitismo
político, numa universidade pública e com seus recursos. A iniciativa da UnB
foi replicada noutras universidades, as estaduais de Campinas (SP) e da
Paraíba, e as federais da Bahia, do Amazonas, de Goiás e do Ceará. Estes dois
últimos casos também passaram a receber atenção do MPF.
Na UFRJ o
curso, com título que repete o da UnB, surgiu no seu Instituto de Economia
(IE), na forma de 11 seminários sobre o assunto em dias diferentes, todos
ministrados por professores do instituto, exceto um. Pela primeira vez vi um
instituto de economia tomando iniciativa semelhante à da UnB, o que me
despertou interesse ainda maior, e formei minha opinião.
Entendo que o
ambiente universitário deve pautar-se pelo pluralismo de opiniões, o que também
atua como estímulo à busca do conhecimento. Nada teria contra debates,
disciplinas, cursos e programas de seminários sobre o impeachment de Dilma
desde que respeitado esse pluralismo. O título de um deles poderia ser, por
exemplo, “O impeachment de Dilma foi golpe?”. Esse ponto de interrogação vem
sendo omitido, o que é um golpe contra o pluralismo que deve pautar as
discussões nas universidades.
“Certezas”
desse tipo são comuns em universidades brasileiras, em particular nas públicas
e nas ciências humanas. Há professores que ao lecionar pregam suas convicções
ideológicas, tratando suas hipóteses como teses. E na pesquisa focam em
evidências seletivas que sustentam tais hipóteses, havendo também “evidências”
apenas discursivas. Vertente importante dessa pregação é conhecida como
marxismo gramsciano. Não tenho espaço para descrevê-la aqui, mas quanto a isso
o leitor poderá consultar texto muito esclarecedor de outro articulista desta
página, Ricardo Vélez Rodríguez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em
www.ecsbdefesa.com.br/fts/MGPFIREP.PDF.
Diante do tema
- e insisto, com ponto de interrogação - minha resposta seria não, fundamentada
na análise dos fatos que sustentaram o impeachment e na pertinência do processo
jurídico então seguido. Como economista, observei muito as questões de finanças
públicas envolvidas no caso. Estão muito bem esclarecidas no parecer do senador
Antonio Anastasia (PSDB-MG), documento que sustentou a decisão do Senado que
afastou Dilma. Anastasia discutiu argumentos pró e contra no processo de que
era o relator e o texto pode ser encontrado no Google digitando “impeachment
Dilma parecer do senador Anastasia”. A referência que virá em primeiro lugar
remete ao site do Senado, que dá acesso ao documento, de 126 páginas. Sua
leitura pode servir como terapia para quem fala em golpe.
Em resumo, o
parecer conclui pela demissão de Dilma pelas seguintes e justas causas: “a)
ofensa aos art. 85, VI e art. 167, V da Constituição Federal, e aos art. 10,
item 4, e art. 11, item 2 da Lei no 1.079, de 1950 (a chamada Lei do
Impeachment, acrescento), pela abertura de créditos suplementares sem
autorização do Congresso Nacional; e b) ofensa aos art. 85, VI e art. 11, item
3 da Lei nº 1.079, de 1950, pela contratação ilegal de operações de crédito com
instituição financeira controlada pela União”.
Essas operações
de crédito envolveram várias instituições, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa
Econômica Federal, e ficaram conhecidas como pedaladas fiscais. O parecer
contém vários gráficos mostrando que no governo Dilma elas cresceram
abruptamente nessas instituições. Da mesma forma caíram em dezembro de 2015,
quando expressivo valor delas, R$ 56 bilhões (!), foi quitado pelo Tesouro
Nacional, mas só depois de o Tribunal de Contas da União apontar que eram ilegais.
Uma decisão do
Senado é sempre política, mas o impeachment seria improvável se Dilma não
estivesse na situação vulnerável em que ficou por seus próprios atos. Punida
por questões de finanças públicas federais, entrou na história pelo golpe com
que prostrou o equilíbrio dessas finanças.
Voltando ao IE
da UFRJ, ao buscar seu site no Google, ele é informado seguido da missão desse
instituto: “O IE-UFRJ desenvolve atividades de ensino de graduação e
pós-graduação, pesquisa e extensão na área de Economia. Seu principal
compromisso é apresentar e discutir, de forma aprofundada e crítica, as
principais vertentes do pensamento econômico, sempre cultivando a pluralidade
de visões e abordagens.” Muito bem!
Quem organizou
o citado seminário talvez argumentasse, para justificar a ausência dessa
pluralidade, que ele trata do pensamento político. Mas, aberto o site
(www.ie.ufrj.br), logo no início é dito com destaque: “Singular porque plural”
- sem nenhuma restrição.
Ignoro se o
Instituto de Economia já organizou ou pretende realizar outros eventos sobre o
assunto, em linha com sua missão pluralista. Se não, estaria em dívida com ela.”
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