“Mobilização
pela democracia
O Estado de
S.Paulo
A indefinição
da campanha eleitoral dá margem a todo tipo de especulação sobre o próximo
governo, mas uma coisa é certa: será desastroso para o País se o presidente
eleito for um dos que hoje protagonizam a polarização raivosa entre esquerda e
direita – e não só em razão das ideologias deletérias que os caracterizam, mas
principalmente pelo fato de que fundamentalistas em geral não têm a menor
disposição de entabular qualquer forma de diálogo no Congresso. E, sem decidido
apoio no Congresso, presidente algum conduzirá o País pelo caminho das reformas
e da austeridade.
Por se
imaginarem dotados de qualidades messiânicas, acima de considerações políticas
triviais, esses candidatos se julgam dispensados de se submeter ao convívio
democrático com quem não integra sua camarilha. Ao contrário: em seus
discursos, reservam às negociações parlamentares o mais absoluto desdém, para
regozijo de parcela do eleitorado que, enfastiada da política tradicional, os
segue como a divindades.
É claro que
coisa boa disso não sai, e é por essa razão que, diante das pesquisas de
intenção de voto que mostram a boa colocação de candidatos que tão bem
representam essa truculência, começa felizmente a tomar corpo a ideia de que é
preciso haver uma mobilização para que a boa prática democrática prevaleça
sobre a ameaça de barbárie.
Um manifesto a ser
lançado no final deste mês pretende ser a expressão de urgência que caracteriza
este momento político nacional. Tendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
como um de seus primeiros signatários, o texto, obtido antecipadamente pelo
Estado, demanda uma “urgente unidade política nas eleições”, para constituir um
“polo democrático e reformista”.
Na prática, a
iniciativa visa a reduzir a quantidade de postulantes à Presidência
considerados de centro, reforçando uma candidatura de consenso para vencer uma
eleição que, no dizer do manifesto, será “a mais complexa e indecifrável” desde
a redemocratização do País.
O texto é claro
a respeito dos riscos que o País enfrenta. “À direita, se esboça o surgimento
inédito de um movimento com claras inspirações antidemocráticas. À esquerda,
uma visão anacrônica alimenta utopias regressivas de um socialismo
autoritário”, afirma o manifesto. Em seguida, conclama o “polo democrático” a
se unir para evitar que o futuro brasileiro “não seja espelhado em experiências
desastrosas como a vivenciada pelo povo venezuelano”.
O alerta não é
desmedido. A experiência venezuelana mostra a que ponto pode chegar um país que
permite a destruição da democracia representativa e a construção, sobre seus
escombros, do velho caudilhismo populista revestido do discurso de justiça
social e de moralidade política. O esgarçamento das relações sociais e
políticas promovido por essa liderança autocrática dividiu a sociedade
venezuelana de maneira praticamente irreconciliável. Sabotando qualquer possibilidade
de diálogo com a oposição e apostando exclusivamente nos delírios estatistas de
seus ideólogos, o chavismo destruiu os fundamentos que sustentavam a economia.
Como resultado, tem-se hoje um país em colapso.
Aqui, os
candidatos que por ora mobilizam as atenções do eleitorado são aqueles que,
seja à esquerda ou à direita, se declararam hostis às reformas necessárias para
recuperar a capacidade do País de se desenvolver, depois de mais de uma década
sob a doidivanas regência do PT. Ademais, mostraram-se refratários a aceitar o
Congresso – com todos os seus defeitos – como o locus onde a democracia se
efetiva, como se apenas a vontade do líder bastasse para conferir legitimidade
às ações do governo.
Enquanto o
centro democrático não se acertar, o discurso desses irresponsáveis continuará
a prevalecer sob os holofotes da campanha, impondo-se por inércia. A depender
da demora em obter a coesão de que fala o manifesto, pode ser tarde demais para
reverter, nas urnas, o que hoje se afigura como inimaginável tragédia. Se as
forças democráticas têm a intenção de preservar a política tradicional como
fonte primária de governança, então que deixem de lado suas eventuais
diferenças e tratem de viabilizar uma candidatura capaz de convencer os
brasileiros de que não há salvação fora da democracia.”
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AGD
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