Dona Flora |
Por Zé Carlos
Talvez pela
pressão que estou sofrendo com a proximidade do Dia das Mães, lembrei de Mãe.
Era assim que eu chamava Dona Flora, minha mãe. Lá em casa, por influência de
minha família paterna, não usávamos os termos “mamãe”, “mainha”, “mummy” e outros quando tínhamos, eu e
meus irmãos, de chamar por ela. Era Mãe e pronto, sem maiores rapapés.
Flora Ferreira
Cordeiro, nasceu em Águas Belas num ano que não sei, e nem ela mesma sabia. É
isto, nunca soubemos a data exata do nascimento dela. Que absurdo! Não, não era!
Naqueles tempos, e nas condições de vida que se tinha, data de nascimento era
apenas um detalhe. O grosso da vida era a luta pela sobrevivência em suas
condições de nascimento. Filha de uma mestiça de índio, com não sei qual outra
raça, e de um mulato, ela não tinha como possuir um porte, tão importante
naquela época. No entanto, quis o destino e o DNA, ela nasceu branca. Tal qual
como hoje, isto já era um fator vantajoso em sua vida futuro. Pois no Brasil e
na paróquia em que habitamos, a cor da pele, infelizmente, ainda é um fator que
influencia o destino das pessoas. Que horror! Mas, é a verdade.
Ainda quando
mocinha migrou para Bom Conselho. Se eu acreditasse num plano traçado por
alguma divindade, eu diria que ela tinha como objetivo máximo da viagem, me
parir, e mais 8 irmãos, nesta cidade. Entretanto, para a isto chegar, ela fez
de tudo na vida, dentro da moral e dos bons costumes, ajudando sua mãe que
lavava roupa dos mais aquinhoados financeiramente e ela, Mãe, a ajudava levando
as roupas nos locais mais abastados. Eu imagino, que ela gostava de fazer este
serviço e cumpria seu destino. Numa dessas idas e vindas conheceu um rapaz,
filho de uma abastada, para a época, e terminaram se casando.
E nove meses
depois, quase exatamente, nascia eu. E pelo que ela me contava, por um triz,
não me tornei um matricida. Passei 3 dias para nascer e a parteira já tinha
perdido as esperanças depois de fumar uns 50 cigarros de palha, já dando como
certo meu caráter de mau. Fui salvo pelas Moreninhas (clube carnavalesco
tradicional de Bom Conselho, na época) que parece ter dado forças a Mãe para me
livrar do terrível crime.
E a partir daí,
só posso dizer que não poderia ter tido uma mãe tão boa e dedicada aos filhos
como Dona Flora. Só não digo que foi a luz da minha vida, porque ela onde
estiver agora, poderia dizer: “Deixa de
besteira, menino, e come logo esta sopa!” Assim era ela por todo o tempo
que convivemos, e que foi um bom e longo tempo.
Digo sempre que
se tivesse um décimo da inteligência de minha mãe eu seria um gênio. E pasmem,
nunca aprendeu a ler. Todavia, sabia importância disto para os filhos e não
mediu esforços no sentido de lutar pela educação deles. Nunca se furtou de
falar e agir com o mundo dos “letrados”
para defender seus filhos, desde Dona Lourdes Cardoso, passando por Seu
Valdemar Gomes, juízes e até pelo prefeito Doutor Raul. Pegava ajuda onde podia
para criar seus pimpolhos, entre os quais me orgulho de pertencer.
Quando tinha já
uma certa idade, apareceu o MOBRAL, que foi um movimento para alfabetizar
adultos. Dona Flora se interessou e começou a tentar conhecer as “letras”. Não teve paciência para
terminar e, pelo menos, com esta atitude, hoje eu penso, não é responsável por
alguns governos irresponsáveis que tivemos. Ela nunca votou em ninguém.
Hoje, Dona
Flora ainda mora em Bom Conselho e a visito uma vez por ano em sua residência
lá no Santa Marta, local onde, uma vez, ela me salvou a vida (pelo menos pensei
isto naquela hora) quando estava perdido entre os túmulos num dia de finados. E
eu fiquei me perguntando quantas vezes ela me salvou a vida pelo seu exemplo de
trabalho e dedicação ao lar, além das vendas dos seus picolés.
O que sinto por
Mãe atualmente, além da eterna lembrança, é admiração pela mulher que ela foi.
Quando hoje, meus netos querem elogiar a mãe deles e dizem: “Você é melhor mãe do mundo!”, eu os
advirto que eles estão errados. A melhor mãe do mundo foi a minha.
Não pude ainda
ir visita-la este ano, e só posso usar este meio de comunicação para dizer:
“Feliz Dia das Mães, Mãe!”
Texto irretocável. Uma primazia de leitura. Em que pese ser saudosista, mas um resgate ou quem sabe uma viagem que se faz para retratar detalhes preciosos e lembranças saudáveis de parte de nossas vidas… Zé Carlos, como muitos, também acredita em amor à primeira vista. Pois, segundo seus belos e saudosos relatos desde que abriu seus olhos jamais deixou de cultivar com muito carinho e abnegação a medicinal FLORA, planta com uma grande copa(nove brotos, inclusive ele como primogênito). Dona Flora que germinou na mesma cidade onde nasci, mas enraizou-se na cidade que, quando adolescente tive minha primeira namorada...
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