“Mudar o jeito
de resolver problemas
Por Fernão Lara Mesquita
É a hora do
tiroteio. Quem foram os policiais, as mulheres grávidas, as crianças
despedaçadas a tiros de fuzil do dia? Não ha mais singular nesses relatos.
Aonde é mesmo aquele mar de miséria amontoada em barracos de bloco? Qual estado
deixou de pagar a polícia agora? Onde é que o crime passou a correr
oficialmente solto? Que prisão está tendo a sua quinzena de matadouro? Onde
está batendo hoje a epidemia do século retrasado?
A peste, a
guerra, a fome e a morte galopam soltas pela geografia do caos dos jacarezinhos,
das rocinhas, dos “complexos” e periferias do favelão nacional que vai
engolindo o país que nós quase fomos. A toda hora os dois brasis cruzam “a
Linha” e a morte sem edição fica registrada num canto de câmera do nosso
sistema de hiper-vigilância só das consequências. Não ha como deter isso com
polícia. Nada - nem o Exército Brasileiro - resistirá ao contato direto com
esse grau de infecção. Enquanto as mães da favela não tiverem um argumento
convincente para demonstrar aos seus filhos que vão ganhar mais estudando que
pegando o fuzil, o sistema seguirá nos comendo por dentro.
Corta...
É a hora dos
“especialistas”. Gente que tem o que vestir, gente que tem onde morar. Mas o
Brasil de que eles falam não é esse do Rio de Janeiro. Nada no deles está
fundamentalmente errado senão o eleitor que “escolhe” sempre mal. “Basta
escolher a pessoa certa. Um homem ético...” (...mas que compre tempo na TV e
ponha votos na urna, seja como for...). O compromisso com a impassibilidade
chega às raias da lobotomia. Uns só falam do que os outros disseram. Nenhum
alarme, nenhum sinal das hemorragias maciças cá de fora. “Se isto, então
aquilo”. “Na hipótese um, dois. Na hipótese dois, três”. “O governo perdeu”. “O
governo ganhou”. A bolsa sobe ou a bolsa cai mas as tertúlias nunca vêm ao
chão. Não ha “país”. As consequências não têm causas e as causas não têm
consequências.
É proibido
constatar, mas na espreita rosna a Venezuela. É o que resgata o
assunto“eleição” da irrelevância absoluta. Mas não ha qualquer espaço para a
esperança. É o campeonato do nada. Os “especialistas” estão aposentados. O
futuro do Brasil está aposentado.
Circulam pela
internet um monte de listas de medidas para “resolver o problema
nacional”.“Assine aí! Não se omita!”Mudar o nome de um crime, multiplicar penas
cujo cumprimento não se exige,“proibir”mais isto ou aquilo,“acabar”com não sei
o quê, criar mais uma“politica pública"...
O que nos falta
não são mais leis vindas de cima, é poder para o povo de tornar efetivas as
suas cobranças. Transparência, fiscalização, ética não se pede. Arma-se a mão
do povo para exigi-las contra a sobrevivência do emprego de quem foi contratado
ou eleito para entregá-las, assim como se exige (e por isso se entrega) todo e
qualquer trabalho contratado no Brasil ou fora do Brasil, menos o público.
As hipérboles
são o invólucro da mentira. Toda lei pétrea seria estupida se não fosse como
são as nossas apenas desonesta. A única exceção é para a que mantem o jogo
sendo jogado.“É proibido tornar antidemocrático o jogo democrático". Em
tudo o mais, amarrar o leme e esperar que o barco ande sozinho é a maneira mais
certa de naufragar.
Essa violência
das ruas é de fera acuada nas carências da Idade Média em plena era da
abundância. É de continuar estrebuchando na doença com a cura ao alcance da
mão. É de ser cobrado pelo erro alheio mesmo tendo pago o preço de fazer tudo
certo. É da certeza do triunfo da mentira sempre.
O Brasil não
tem de resolver este ou aquele problema. Tem é de mudar o seu jeito de resolver
problemas. O Brasil precisa de uma revolução: das vitórias irrecorríveis do bem
que só as deseleições à mão armada podem garantir. É preciso abrirmo-nos à
reforma permanente para habilitarmo-nos a desconstruir, pedra por pedra, esse
edifício torto em que nos enfiaram. Os candidatos, que têm“porteiros”com quem
se acumpliciar, vá lá. Mas a imprensa não precisa disputar a próxima eleição. É
a ela que cabe criar esse novo tipo de demanda no mercado do voto. Nada que
precise ser inventado nas redações. É só informar como funciona o mundo que
funciona.
Democracia é
um“software livre". Um aplicativo de código aberto. O primeiro passo é
montar um sistema real de representação para a nossa “democracia
representativa”. Enquanto continuarmos sem saber quem é quem na hora de decidir
prevalecerão os seis do STF. E enquanto puderem prevalecer os seis do STF eles
serão isso em que se transformaram. Voto distrital puro, com um único
representante eleito por cada pedaço da população (para poder ser legitimamente
deseleito em caso de necessidade, nada mais) é o jeito testado e aprovado de
esclarecer isso. Dizermos nós de que leis estamos precisando com leis de
iniciativa popular é o jeito democrático de estabelecer prioridades. Deixar bem
claro quem manda em quem com recall para político que trai seu eleitor e para
juiz que trai a justiça; desafiar com referendos as leis que saírem deformadas
dos legislativos é o jeito democrático de garantir que não haverá falcatruas.
Essas três
ferramentas, quando andam juntas e somente quando andam juntas, são infernais.
Invertem a direção do vetor primordial de forças sobre o sistema. Põem todo o
poder nas mãos de cada cidadão mas só permitem que ele o exerça sobre o seu
representante. Dão a todo o mundo o poder de obrigar o governo a se mexer mas a
ninguém força bastante para agir sozinho ou para se impor a quem quer que seja.
O Brasil só se
salva enriquecendo, e rápido. Mas felizmente não é preciso esperar o resultado
inteiro. Basta o poder enriquecer que se destrava com os velhos remédios da
política. Não é preciso estudar medicina para salvar a própria vida tomando
antibióticos. Eles curam até os idiotas. Democratizar o nosso jeito de resolver
problemas daria aos brasileiros a condição de voltar a jogar com as próprias
pernas. E os brasileiros sempre se dão bem quando jogam com as próprias pernas.
Eles provam isso todos os dias sobrevivendo aos governos que têm.
(Escrito antes
do anúncio da intervenção na segurança pública do RJ)."
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AGD
comenta:
Eu
não ia comentar o belo texto do Mesquita, acima transcrito, mas, quando vi a
nota do autor de que ele havia sido escrito antes do anúncio da intervenção na
segurança pública do RJ, decidi fazê-lo.
E
começo perguntando em que ele deveria ser mudado se o autor soubesse da
intervenção? Cheguei à conclusão que, nada. Ele continua ainda a ser válido em
suas propostas, com apenas um agravante ou atenuante, não sei. Se já tivéssemos
com o voto distrital puro, recall e referendos, não estaríamos na bagunça em
que estamos.
A
intervenção no RJ, seja ela uma medida política ou técnica, já era necessária,
mas, não só lá no Rio e sim no Brasil como um todo, seguido por uma eleição de
uma Assembleia Constituinte que trouxesse a maneira de tratar nossos problemas
como apresentado no texto.
Evitaríamos
problemas mais sérios em nosso país, se é que podemos chamar assim esta “coisa”
em que nossa Pátria salve, salve, se transformou. Esta seria a revolução do bem
para não cairmos na revolução do mal.
Mas,
no meio do caminho temos as eleições, temos as eleições no meio do caminho. Por
que não aproveitá-las em prol de uma revolução do bem? Hoje, eu não sei em quem
votar, pois as ideias da maioria dos nossos políticos estão tão confusas que
nem dá para saber o que alguém está defendendo, a não ser se manter com o foro
privilegiado. Fixo-me nos partidos. Outra barafunda.
Ou
seja, se todo cidadão tiver tão decidido quanto eu, no mínimo, votará em
branco, e que não sejam processados por racismo, pois a coisa está preta.
Rezemos!
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