“Intervenção
meia-boca
Por José Nêumanne
Como todas as
iniciativas demagógicas adotadas para algum fim inconfessável e anunciadas como
se tivessem por objetivo o interesse público, que dificilmente será alcançado,
a intervenção federal sob chefia militar na segurança pública do Rio é, no
popular, meia-boca.
O Estado do Rio
de Janeiro está clamando por uma intervenção federal por inteiro há muito
tempo, desde, pelo menos, a ampla divulgação da roubalheira superlativa que faz
do ex-governador Sérgio Cabral protagonista do maior escândalo de corrupção e
má gestão da História. E o atual ocupante do cargo (chamá-lo de governador é
uma cínica licenciosidade léxica), Luiz Fernando Pezão, não passa de um capataz
com carta branca do antecessor, enquanto este passa uma temporada no inferno
prisional. Intervir na segurança e mantê-lo no cargo é um acinte para os
fluminenses, que terão de continuar a suportar sua óbvia nulidade, e os
brasileiros, que pagam a pesada conta secreta para manter essa fantasia de
bloco de sujos.
No editorial
Uma intervenção injustificável, publicado sábado, este jornal já fez a pergunta
que não quer calar: o que aconteceu nos últimos dias que justificasse a
decretação da medida radical antes de ser debatida e votada no Congresso
Nacional a reforma da Previdência? Ao que se saiba, nada! A crônica do fiasco
anunciado na conquista dos três quintos de votos dos congressistas para aprovar
a reforma, sem a qual não há remendo possível para as contas públicas
nacionais, é mero pretexto.
Em nome da
busca desse ideal, Temer nomeou o mais truculento cabo de esquadra das hostes
que herdou, no pra lá de baixo clero do MDB – à época ainda com o pê, não o do
início de pudor, mas, sim, o do meio de impunidade –, do colega Eduardo Cunha,
hoje habitante do Arquipélago Curitiba, onde se encontra Cabral. Carlos Marun
na Secretaria de Governo é o erro de pessoa no lugar errado. Nomeado para
seduzir parlamentares resistentes a uma causa improvável, ele só sabe rosnar e
morder.
Se seria
injusto inculpar só o valentão de circo com porrete à mão pela derrota na
votação capital para o equilíbrio das contas públicas, sua instalação no
Palácio do Planalto, à direita de “deus-pai todo-poderoso”, é a mais completa
tradução da desistência sem honra da votação e do pretexto para evitá-la. Marun
é subserviente a Eduardo Cunha a ponto de figurar entre os gatos-pingados que
tentaram evitar sua cassação pela Câmara e de ir visitá-lo na cela, com
passagem paga pelo contribuinte. E Marun não seria Marun se não tivesse
confessado, como o fez há pouco, que a única atitude de que já se arrependeu
até hoje na vida foi, sob pressão, devolver essa despesa. Pois, para ele, tudo
o que o chefe manda é legítimo.
Resta a segunda
questão: por que intervir pela metade, se Pezão já renunciou a governar o
Estado? Não é o que ele fez ao se acoitar em seu berço, Piraí, para fugir do
caos momesco na capital do Estado, depois de ter anunciado um plano de
segurança sem dados, comprometimento de verbas nem metas à vista? A única
explicação (usar justificativa seria um engano semântico) é a conveniência para
os remanescentes palacianos – Temer, Moreira e Padilha –, que preferiram evitar
a investigação do que Rodrigo Janot chamou de “quadrilhão do PMDB” a encará-la.
Eles são do
mesmo partido de Geddel, que, ainda que viva aos prantos na Papuda, nunca deu
nem indício de origem e destino dos R$ 51 milhões encontrados num apartamento
em Salvador usado pelo clã, também formado pelo mano Lúcio, da fiel base de
Temer na Câmara, e “mãinha” Marluce, acusada de usar o próprio closet como
caverna de Ali Babá. São da patota de Rodrigo (nome pelo qual se identificou
Joesley Batista ao entrar no Jaburu para gravar o presidente) Rocha Loures,
recordista dos cem metros com mala com R$ 500 mil, sem dono nem fiel
depositário. E de Henrique Alves, aquele lá das Dunas.
Convém não
omitir Jorge Picciani, chefão na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que
conseguiu de Eduardo Cunha a nomeação do filhote Leonardo para a liderança da
bancada do então PMDB na Câmara, vendeu o voto dele a Dilma e terminou aderindo
ao companheiro de primeira hora, Temer. Por mercê dessa virada dupla, Leonardo
Picciani é ministro do Esporte no ano da Copa do Mundo e, ao que indica seu
sumiço, deve estar dando expediente na Rússia.
A terceira
causa (usar razão seria um escárnio gramatical) da intervenção pela metade é
que, despojado do disfarce de presidente reformista em plena Quarta-Feira de
Cinzas, o atual chefe-geral da súcia resolveu apelar para o velho refrão da
violência como tema de enredo que todos os governos adotam, mas nenhum se
arrisca a enfrentar de verdade.
Para isso tomou
“na moral” a bandeira de Bolsonaro e apelou para os militares de hábito. Assim
foi na Eco-92, nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Mundial da Fifa em 2014 e
na Olimpíada de 2016. Sempre no Rio e com idêntico receituário: um acordo com
os chefões do tráfico de drogas, que tiraram férias e deixaram a autoridade
brincar de ocupação do Haiti nas praias, longe do seu território. Deu certo
enquanto duraram os acordos. E agora?
O problema
agora é que um objetivo colide com o outro. A violência campeia porque as
Polícias Civil e Militar são corrompidas do topo à base, como constatou
Torquato Jardim, “escanteado” ministro da Justiça. E isso só é possível porque
os gestores públicos fazem vista grossa após serem comprados como o são os
subordinados. Como se reprime o crime organizado se se faz isso para impedir
que policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância tenham mãos
livres para combatê-lo? E isso não é só no Executivo. Quem duvida que o Supremo
Tribunal Federal julgue (o que já é um absurdo) e até conceda habeas corpus ao
criminoso (condenado por corrupção e lavagem de dinheiro) Lula da Silva? E um
fato nega outro.”
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AGD
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