“A condenação
de Lula e a releitura do impeachment
Por Érica Gorga
A condenação de
Lula, no caso do triplex no Guarujá, pelos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, em 24 de janeiro, pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª
Região (TRF-4), exige uma reinterpretação do impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff.
Os três
desembargadores julgaram que Lula recebeu vantagens indevidas em razão da
função que exerceu como presidente da República. Os fatos e as provas, como
relatou o desembargador Gebran Neto, levam à inequívoca conclusão de que Lula
tinha de fato poder no processo de nomeação dos membros da diretoria da
Petrobrás, com capacidade de influência, de acordo com as divisões de
agremiações partidárias. Lula, assim, foi considerado articulador do amplo
esquema de corrupção, tinha ciência e dava suporte ao pagamento de propinas a
agentes políticos com recursos da petroleira. Por unanimidade, o tribunal
julgou que Lula obteve benefícios pessoais da empreiteira OAS da ordem de R$ 2,2
milhões, favorecendo contratos da empresa com a Petrobrás (editoriais do Estado
e da Folha de S.Paulo de 25/1).
Muitos
criticaram o impeachment de Dilma por causa das “pedaladas fiscais”, crime de
responsabilidade muito técnico, além da compreensão popular. Mas as provas
agora esmiuçadas e julgadas em segunda instância jogam luz no jogo político que
foi realizado no que tange às razões jurídicas apresentadas para o seu
afastamento. Apesar de as pedaladas fiscais terem sido o foco principal do
pedido de impeachment proposto pelos juristas Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e
Miguel Reale Júnior, imperioso é lembrar que o pedido original também fazia
referência à atuação de Dilma enquanto presidente do Conselho de Administração
da Petrobrás durante a aprovação da aquisição da refinaria de Pasadena. O
petrolão foi a base e justificativa, mas, na época da propositura, o doleiro
Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, os principais
delatores da conivência de Dilma com os desvios da Petrobrás, eram meros
outsiders do governo petista.
Rememore-se,
ainda, que nas passeatas de 13 de março de 2016, as maiores da História
nacional, a população se rebelou contra as novas denúncias e evidências que
ligavam diretamente Dilma e seu antecessor, Lula, ao escândalo do petrolão – e
não apenas às tais “pedaladas” –, advindas do vazamento da delação premiada de
Delcídio Amaral, então senador e líder do governo do PT, escolhido pela própria
presidente.
Juridicamente,
no pedido de impeachment se alegou que a presidente Dilma atentara contra a
probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das
decisões judiciais (artigo 85, V, VI e VII da Constituição federal). Na
categoria improbidade, Dilma também foi acusada de não tornar efetiva a
responsabilidade dos seus subordinados envolvidos no petrolão e de proceder de
modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (Lei n.º
1.079/1950, artigo 9.º, itens 3 e 7). Finalmente, com relação às “pedaladas
fiscais”, Dilma foi, grosso modo, acusada de autorizar créditos, ou deixar de
liquidá-los, em desacordo com limites legais (artigo 10, itens 6, 7, 8 e 9; e
artigo 11, item 3, da Lei n.º 1.079/1950).
O então
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, só acolheu – e não por acaso
– o pedido de impeachment com base na edição dos seis decretos não numerados
que liberavam crédito extraordinário no valor de R$ 12,5 bilhões, em 2015, sem
o aval do Congresso Nacional (entrevista de Cunha em 2/12/2015 ao G1). O
deputado alegou haver tomado tal decisão com fundamento “única e exclusivamente
de natureza técnica”.
Mas, na
verdade, deliberadamente afastou da investigação do impeachment as denúncias
sobre a corrupção do esquema do petrolão, porque, hoje se sabe, estava
pessoalmente nelas envolvido. Denunciar Dilma pelo petrolão seria dar tiro no
próprio pé. Tanto assim que Cunha foi posteriormente condenado pelo juiz Sergio
Moro por corrupção e lavagem de dinheiro, pela influência na manutenção de
Jorge Zelada na Diretoria Internacional da Petrobrás e por cobrança de propina
em contrato sobre poço de exploração de petróleo na África, condenação mantida
com nova pena de 14 anos e meio no TRF-4, que ele cumpre atualmente na prisão.
Em delação
premiada, Delcídio afirmou que Dilma “tinha pleno conhecimento de todo o
processo de aquisição da refinaria” (de Pasadena) quando presidia o Conselho de
Administração da Petrobrás. Descreveu a ação decisiva de Dilma para manter no
grupo societário da Petrobrás diretores que sabia estarem comprometidos com o
esquema de desvio de recursos. Assim, já em pleno exercício da Presidência,
Dilma teria cometido outros crimes de responsabilidade não ligados às
“pedaladas fiscais”, mas à corrupção na petroleira, ao permitir a manutenção do
esquema articulado para superfaturar contratos e aquisições de bens com o fim
de desviar recursos, deliberadamente designando subordinados que dilapidariam
dinheiro público e privado. Fosse outro o presidente da Câmara dos Deputados,
Dilma poderia, então, ter sido processada e julgada por sua participação no
petrolão.
A condenação de
Lula no TRF-4 reforça as evidências da participação da ex-presidente no
megaesquema criminoso na companhia símbolo maior do patrimônio industrial
nacional. Dilma já responde perante o Tribunal de Contas da União por sua
responsabilidade no caso de Pasadena, com seus bens bloqueados. Mesmo que
supostamente não tivesse auferido vantagens pessoais diretas, o crime de
corrupção, no ordenamento jurídico brasileiro, abrange as vantagens auferidas
“para outrem” (artigo 317 do Código Penal). Ainda há outros crimes que poderiam
alicerçar, em tese, novas investigações e denúncias contra a ex-presidente.”
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AGD
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