“Todos são
iguais perante a lei ou não?
Por José
Nêumanne
07 Fevereiro
2018 | 03h11
No Brasil,
discute-se hoje a validade da cláusula mais pétrea da ordem constitucional de
um Estado de Direito que se preze, a de que todos são iguais perante a lei.
Como se fosse algo banal, que possa ser abandonado sempre que algum potentado
se sentir prejudicado por ela. O princípio, que já não é respeitado a rigor
agora, pode ser definitivamente jogado no lixo caso Lula não possa ser preso
após a condenação em segunda instância e seja autorizado a disputar a
Presidência da República, como se fosse inocente e elegível. Não pode!
É público e
notório que o petista foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
pelo juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, a nove anos e
seis meses de cadeia. Até aí, morreu o Neves, pois as ruas brasileiras estão
cheias de condenados desfilando impunes para que se atenda a outro preceito
sagrado, do Direito Penal: a presunção de inocência.
Só que o
panorama visto da ponte mudou desde o dia 24 de janeiro, quando o acusado de
ter trocado um apartamento triplex na Praia das Astúrias, no Guarujá, por
favores prestados com dinheiro público à empreiteira OAS, acusada de pagar
propinas a figurões da política e da máquina pública, teve essa condenação confirmada.
A confirmação foi por decisão unânime (3 a 0) da 8.ª turma do Tribunal Regional
Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Os desembargadores acharam por
bem aumentar sua pena para 12 anos e um mês e com isso o ex-presidente se
tornou inelegível por dispositivo da Lei da Ficha Limpa, norma eleitoral de
iniciativa popular, aprovada no Congresso e sancionada pelo próprio condenado,
em 2010.
Não se cobra
coerência do signatário, nem ao populismo que ele professa, ou do Partido dos
Trabalhadores (PT), que esperneia pelo fato de Dilma Rousseff ter sido deposta
da Presidência por decisão do Congresso, confirmada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF). O ministro do STF Gilmar Mendes diz que a inelegibilidade de
Lula é “matemática”.
Matemática
também é a decisão do TRF-4 ao negar presunção de inocência ao condenado.
Qualquer calouro de Direito sabe que a decisão – em especial quando unânime,
como é o caso – em segunda instância interrompe a discussão sobre a
materialidade (o fato) do crime. As fartas provas contra Lula, aceitas pela
unanimidade dos julgadores, encerram a discussão do ponto de vista factual. Só
por isso, é possível definir neste texto impresso, com responsabilidade legal,
que Lula é criminoso por corrupção e lavagem de dinheiro. Ponto final. Ficam em
aberto discussões de natureza apenas de Direito, que podem ser levadas ao
próprio TRF-4, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em último caso, ao STF.
Com o
açodamento de rotina, a politicamente histérica e juridicamente ineficaz defesa
do criminoso lança mão de recursos possíveis e chicanas suspeitas para empurrar
a discussão da inelegibilidade, tornar sua candidatura à Presidência possível e
evitar sua prisão, ou seja, a execução da pena. Não se persegue a perfeição, da
qual, como se sabe, a pressa é inimiga figadal, mas se investe no reino da
fantasia e, sobretudo, da confusão retórica para ganhar tempo e resgatar o que
reste de salvados do incêndio.
Entre mortos e
feridos, o PT quer dar fôlego à legenda e evitar que se fine. Para tanto conta
com a ferocidade de seus dirigentes e militantes e a passividade, mais do que
compreensiva, cúmplice dos bandos de suspeitos que contam com a prerrogativa de
função, mais do que com a presunção de inocência, para evitar condenação
similar à de Lula. Por isso, até agora é de duvidar que a cúpula do Judiciário
confirme que há magistrados independentes em Brasília, repetindo o moleiro
prussiano que contava com juízes em Berlim para impedir o arbítrio de seu
soberano ao tentar desapropriar o moinho dele e atender a interesses exclusivos
de sua majestade. Haverá juízes na capital? A ver...
Logo após a
confirmação da condenação de Lula, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann
(PR), e o líder da bancada petista no Senado, Lindbergh Farias (RJ), misturaram
o lema pacifista de Gandhi (resistência passiva) com as palavras de ordem
nazi-fascistas de “rebelião cidadã” e da “luta nas ruas” para ameaçar não as
autoridades, mas o Estado de Direito. Gleisi, cuja batata está assando no
Judiciário, disse que “mexeram num vespeiro”, sem que haja evidência de picadas
de vespas pelo País afora. Escudados no foro privilegiado, eles têm podido
blefar à vontade, sem que os responsáveis pela manutenção da lei e pela higidez
da democracia reajam à altura. Lula, que acusou a Suprema Corte de
“acovardada”, agora promete combater as instâncias inferiores, sem fazer mossa
nos ministros do STF e do STJ. O que dirá a presidente do STF, Cármen Lúcia,
tão ciosa da defesa corporativa da magistratura?
É que Lula e o
PT não estão isolados nessa luta. Torquato Jardim, ministro da Justiça do
governo do “não investigável” Temer, já fez suas contas e pontificou que
relativa é a verdade aritmética inamovível de que os seis votos que derrotaram
cinco no STF representam maioria a ser respeitada na decisão sobre prisão após
segunda instância. Não é que ele despreze a tabuada, mas entrou na fila de quem
tenta garantir privilégio e imunidade (com pê no meio) com a aplicação da regra
do “quem pode mais chora menos” em terra de Cabral e Cunha. Repete a lição que
o próprio Lula lhe deu quando tentou retirar o ex-inimigo e agora aliadíssimo
Sarney da vala dos cidadãos ordinários sem mandatos nem cargos comissionados.
Valha-nos Deus!
Não se engane
com lorotas de cúmplices e falsos oponentes. O pretexto mais fascistoide desta
pátria de desigualdades, “eleição sem Lula é fraude”, que pelo menos é sincero
e apaixonado, é irmão siamês dessa canalhice do “prefiro derrotar Lula nas
urnas”. Está aí o lema que melhor define e mais confirma que, na verdade, esta é
a República dos canalhas.”
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AGD
comenta:
O
problema de comentar o texto do José Nêumanne, acima transcrito, é não
encontrar o que comentar, a não ser tecer elogios ao escritor. Quando ele
termina o texto com o seguinte parágrafo, que merece ser aqui repetido:
“Não se engane com lorotas de cúmplices e
falsos oponentes. O pretexto mais fascistoide desta pátria de desigualdades,
“eleição sem Lula é fraude”, que pelo menos é sincero e apaixonado, é irmão
siamês dessa canalhice do “prefiro derrotar Lula nas urnas”. Está aí o lema que
melhor define e mais confirma que, na verdade, esta é a República dos
canalhas.””
Obriga
que nos fixemos na República dos canalhas. Se formos pesquisar na História do
Brasil o número de vezes em que nossa república poderia ser chamada de canalha,
e recebêssemos este número em dinheiro, certamente ficaríamos ricos de repente.
No
entanto, depois de 2003, com o PT no poder por quase 15 anos, além de suas
consequências com seu correligionário, o Temer, vemos que o epíteto é o mais
adequado por todo este tempo. Chegamos ao ponto em que a Lei virou negociata de
ricos e poderosos, acanalhando nossas instituições.
Se o
Lula não for preso como manda a Lei em consequência das chicanas de advogados e
falta de caráter de alguns magistrados, este país merecerá realmente o título
proposto pelo articulista.
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