“Paralisia
(in)decisória?
Por Pedro S.
Malan
“Falhar em se
preparar é preparar-se para falhar”, escreveu Benjamin Franklin, um dos pais
fundadores da democracia norte-americana. A observação vale para indivíduos e
organizações, mas também para países que estejam a viver momentos definidores.
Como o Brasil nesta transição de 2018 para 2019 e adiante. Para muitos, o “ano
da virada” será 2019 - o primeiro de um governo recém-saído das urnas, dotado
de legitimidade e capital político, capaz de tomar decisões difíceis e avançar
na agenda de reformas com o Congresso.
Na verdade,
para que 2019 seja “ano de virada” é fundamental que 2018 também o seja. Quatro
episódios de nossa história recente permitem compreendê-lo. Em meados de 1993,
a inflação caminhava para mais de 2.000% ao ano e o descalabro das contas públicas
era evidente; o Brasil não tinha a opção de esperar as eleições de outubro de
1994 e a posse, no começo de 1995, de um novo governo que então decidisse o que
fazer. Assim como não podia, em meados de 1998, esperar o início de 1999 para
adotar medidas drásticas de ajuste, anunciar seu programa fiscal para o triênio
1999-2001 e sinalizar a decisão de buscar apoio internacional para esse
programa. Em meados de 2002 o Brasil não podia esperar o início de 2003; os
riscos eram muito claros desde abril/maio e levaram a uma preparação para não
falhar que permitiu transição civilizada entre o governo que saía e o que
entrava - que fez muito bem a este último e ao País por vários anos.
O quarto
episódio ilustra não um êxito, mas um fracasso. Em 2014 o Brasil falhou em se
preparar - ou se preparou para falhar -, apesar dos inúmeros alertas de que a
política econômica era insustentável e teria de mudar, qualquer que fosse o
resultado das urnas de outubro daquele ano, aí incluída a eventual reeleição de
Dilma Rousseff. A mudança veio no mês seguinte às eleições, quando era tarde
demais. A recessão, iniciada em abril de 2014, só terminaria em dezembro de
2016 - após quase 10% da queda na renda per capita e 13 milhões de
desempregados.
Encontramo-nos
desde então em modesta, mas consistente recuperação cíclica, para a qual
contribuiu a condução da política econômica. 2018 será um ano melhor que 2017,
por sua vez melhor que 2016. Mas está claro que a sustentabilidade dessa
recuperação depende fundamentalmente de avanços no processo de mudança e
reformas. Este depende, por sua vez, de avanços na percepção da opinião
pública, antes das eleições, sobre a natureza dos desafios. Quanto mais as
dificuldades forem escamoteadas na campanha eleitoral, mais tortuoso será esse
processo.
O risco de
falhar em nos prepararmos é especialmente dramático em duas grandes áreas.
A primeira é a
das finanças públicas. O equacionamento de sua insustentável situação exige que
candidatos a presidente e a governador que se levem a sério se proponham a
conhecer o nível e a composição de despesas, receitas e endividamento,
respectivamente, do País e de seus Estados. Que mostrem a seus eleitores estar
cientes da gravidade do problema e empenhados em enfrentá-lo, sugerindo linhas
de ação e demonstrando disposição de buscar pessoas honestas e tecnicamente
competentes para a empreitada. Será impossível evitar um debate sério sobre
Previdência, a despeito do barulho das corporações.
A segunda
grande área é a educação - que constitui o maior desafio na definição de nosso
futuro neste século 21. Com foco no que é fundamental: a redução da
desigualdade de oportunidades nos anos iniciais de formação. A exemplo do
debate sobre finanças públicas, também aqui tem havido progresso no
entendimento dos desafios. Mas tem faltado foco no que importa: a redução das
desigualdades na distribuição de renda e de riqueza passa, necessariamente,
pela redução das desigualdades na distribuição de oportunidades. Aprendizado de
qualidade nas idades certas nas áreas de leitura, escrita e noções básicas de
matemática e de ciências. Nosso sistema educacional é regressivo do ponto de
vista da distribuição de oportunidades; o problema não se resolve no âmbito do
ensino superior ou médio, porque então já é demasiado tarde.
Observações
importantes de duas pessoas de diferente formação política ilustram as
possibilidades de diálogo sobre essa que é uma das tragédias brasileiras. O
atual secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, César Benjamin -
responsável por 1.530 escolas, 650 mil alunos, 43 mil professores e 25 mil
funcionários -, foi direto ao ponto: “Uma criança/adolescente que não aprendeu
leitura e escrita e noções básicas de matemática já é um excluído”. Na mesma
linha se pronunciou Simon Schwartzman, um de nossos mais respeitados
especialistas no tema: “Uma criança que chegar aos 10/11 anos de idade numa
escola precária, que não aprendeu a ler nem escrever, não tem futuro”. Ambos se
referem, naturalmente, a este mundo em que o vertiginoso processo de
“destruição criadora” em tecnologia de informação, robotização e inteligência
artificial tende a marginalizar pessoas desprovidas das qualificações mínimas
requeridas.
É domingo de
carnaval e não quero aborrecer o leitor com números. Basta dizer que as duas
observações citadas têm base em amplas evidências empíricas, como a Avaliação
Nacional de Alfabetização, que cobre milhares de alunos de 8/9 anos e cerca de
2 mil escolas públicas; e a pesquisa da OCDE (Pisa), que cobre alunos de 15
anos de mais de 60 países do mundo. Têm amparo também em pesquisa oficial
recente que compara pais e filhos em termos dos respectivos níveis de educação
e renda - e mostram o desastre que é o analfabetismo funcional no Brasil.
(Vejam a esse respeito o excelente artigo de João Batista de Oliveira
Analfabetismo no Século 21, publicado em
27/1.)
Estamos
falhando em nos preparar. Serão crescentes os riscos de esperar o carnaval - de
2019 - chegar. E passar.”
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