“O país do
carnaval e das novelas
Por Fernando
Gabeira
Dizem que no
Brasil o ano só começa depois do carnaval. Não é verdade, pelo menos em 2018.
Há várias novelas em andamento e o carnaval será uma simples pausa na sua
trajetória.
A nomeação da
deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho é uma delas. O governo
cometeu um erro na escolha. À medida que os fatos vão ampliando a dimensão
desse erro, Temer insiste em manter sua decisão, apesar do imenso desgaste.
O que fazer
diante de pessoas que percebem o erro, mas insistem em levá-lo até o fim?
Talvez desejar que Deus as proteja delas mesmas.
A outra novela
é a tentativa de Lula de escapar das consequências de uma condenação em segunda
instância. É uma expectativa que envolve o Supremo Tribunal, a quem se pede, no
fundo, a negação do fundamento que inspirou as investigações da Operação Lava
Jato: a lei vale para todos. Não há condições de mudá-la sem que isso
represente uma imensa fratura na já combalida credibilidade da instituição.
A terceira é
mais delicada, porque envolve a Justiça e a sociedade, que a apoiou no curso
das investigações e das sentenças. Auxílios-moradia, salários turbinados,
juízes combatendo uma necessária reforma da Previdência Social – tudo isso vai
criando uma distância que ainda pode ser reparada pelo bom senso.
A Justiça
tardou a compreender que o movimento de combate à corrupção com apoio da
sociedade certamente traria uma visão mais severa sobre o uso do dinheiro
público. O fato de oportunistas tentarem invalidar a luta contra a corrupção
porque os juízes recebem salário-moradia em cidades onde têm residência é
inconsistente e não está aí o maior problema.
É possível
dizer que a Justiça parcialmente triunfou sobre o gigantesco esquema de corrupção.
Mas é um tipo de luta que imediatamente leva a um novo patamar: o da coerência.
A reforma é
também um confronto com as corporações. A dos juízes está em posição especial
para constatar como o País foi saqueado e como a máquina do Estado é
inflacionada com cargos em comissão e inúmeros penduricalhos.
Estamos na
lona. Mas esperando que as instituições confiáveis, como a Justiça e as
próprias Forcas Armadas, se aproximem do esforço nacional de ajustar o País à
sua realidade financeira.
Não é só a luta
contra a corrupção nem o princípio de que a lei vale para todos que estão em
jogo. Há toda uma luta silenciosa no País contra a ideia de que todos querem
vantagens públicas, mesmo os que aplicam a lei.
Desejo um final
feliz para essa novela, uma vez que dela depende, em parte, o futuro de uma
reconstrução baseada na aliança de amplos setores da sociedade com as
instituições confiáveis.
Um dos meus
argumentos contra a luta armada é que ela precisa criar um exército de salvação
nacional para triunfar. Depois, quem nos salvará dos salvadores? Claro que
vivemos uma situação diversa, mas é importante que a Justiça, após um trabalho
nacionalmente aprovado, reconheça que ela mesma precisa se ajustar aos tempos
que ajudou a moldar.
Tudo isso ainda
nos espera depois do carnaval, abrindo alas para o enredo maior de 2018:
eleições. Delas é possível esperar a escolha de gente que nos possa ajudar a
sair do buraco não só da economia, mas também do desencanto geral com os rumos
do País.
A reforma da
Previdência foi conduzida por um governo impopular. Mas ela não é
necessariamente impopular se reduz privilégios, cobra dos devedores e garante
um futuro menos instável. Não precisa vir numa situação já de emergência, como
na Grécia, trazendo insegurança e sofrimento. Ou como no Rio, para não ir mais
longe.
Minha
expectativa é de que isso se resolva bem na campanha. Os candidatos sabem que a
reforma é necessária. Ou a defendem ou serão obrigados a fazê-la depois, nesse
caso com baixa legitimidade, porque mentiram na campanha.
É uma ilusão da
esquerda negar uma reforma necessária. Um dos fatores que a levam à resistência
é o fato de estar muito enraizada nas corporações. Nesse caso pesa também o
cálculo eleitoral. Até que ponto perder parcialmente o apoio dos funcionários
públicos seria recompensado em votos pelos contribuintes?
Não só a
esquerda vive esse dilema, mas o sistema político-partidário no seu conjunto.
Ele não tem fôlego para realizar uma tarefa decisiva. Tornou-se um obstáculo às
chances de reconstrução econômica. Entre outras, essa é uma das fortes razões
para esperar mudanças a partir das escolhas de 2018.
Se o carnaval
dá uma pausa para as novelas políticas, ele é implacável com a tragédia da
violência urbana. Tudo continua. No Rio, três grandes vias, Linha Vermelha,
Linha Amarela e Avenida Brasil, foram interditadas por tiroteios entre polícia
e bandidos. Um menino e um homem morreram. Balas perdidas, governo perdido.
Já é um pouco
estranho que tanta gente pare para fazer o carnaval. Mas seria mais estranho
ainda que o governo parasse sobretudo nesta emergência. Existem graves
problemas de violência no Norte e no Nordeste, mas o caso do Rio tem algumas
agravantes.
A situação é
tão grave que os responsáveis por atenuar o problema o examinam de certa distância.
O ministro da Defesa declarou que o sistema de segurança está falido e o
governador Pezão disse que na Rocinha se mata policial como se mata galinha.
São bons comentários para um programa de rádio, mas quem está na linha de
frente, ao dizer isso, imediatamente tem de responder a perguntas como: e daí?
E os tiroteios? Como é que vai ser? Significa que estamos sós e desarmados
antes, durante e depois do carnaval?
A moderada
esperança nas eleições não significa abstrair problemas que não podem esperar,
não só porque envolvem vidas, mas porque podem criar um terreno fértil para
soluções autoritárias.”
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