“Não está fácil pra ninguém
Por José Nêumanne
Em 13 de fevereiro último, o
presidente Temer anunciou à Nação que afastaria temporariamente ministros
denunciados por corrupção na Lava Jato. “Se houver denúncia, que é um conjunto
de provas, eventualmente que possam conduzir ao seu acolhimento, o ministro que
estiver denunciado será afastado provisoriamente. Logo depois, se acolhida a
denúncia, e aí o ministro se transformando em réu, o afastamento é definido”,
disse o presidente. E completou: “Se alguém converter-se em réu estará
afastado, independentemente do julgamento final”. Até agora não contou por que
mantém Moreira Franco e Eliseu Padilha em seus cargos, mesmo tendo sido
denunciados.
Três meses e cinco dias depois da
promessa, os queixos de mais de 200 milhões de brasileiros literalmente
desabaram com a revelação feita pelo colunista Lauro Jardim, do Globo, de que o
chefe do governo havia recebido o acusado Joesley Batista para um papo íntimo
no porão. Quatro meses e uma semana depois, nenhum dos brasileiros
surpreendidos recebeu satisfação alguma, convincente ou não, verossímil ou
fantasiosa, para o fato. Temer não explicou por que recebeu um delinquente
notório (cuja ficha ele mesmo faria questão de divulgar) na calada da noite, na
garagem do próprio público onde mora com a mulher e o filho, para discutir
assuntos nada ingênuos, como a compra de silêncio de um presidiário e propinas
pagas a insignes servidores públicos do Judiciário.
Do ponto de vista da lógica comum
dos fatos, além de não justificar ou se desculpar por nada, o mais poderoso dos
chefões da República concentrou suas energias para desqualificar o ex-cúmplice
tornado oponente, o que, pela lógica, só complicaria a própria situação. Para
isso, agarrou-se a particularidades da ordem constitucional vigente no País,
conforme a qual o principal mandatário só pode ser processado por quaisquer
delitos que cometa antes e depois de haver exercido o cargo. Então, usou sua
habilidade de fazer amigos e exercer influência na Câmara, que decidiu mantê-lo
no posto, sendo a maioria dos deputados (portanto, ex-colegas) tão ou mais
suspeita do que ele e seus auxiliares próximos. Ele não foi golpista quando se
beneficiou do impeachment da antecessora, que encabeçou a chapa pela qual foi
eleito. Nem é ilegítimo na função que era dela e ele agora ocupa, embora tenha
sido denunciado pelo procurador-geral da República por delitos que não são
perdoados a um reles punguista ou a um magnata de obras públicas arranjadas por
gorjetas dadas a hierarcas da administração do Estado.
Os que berram “Fora Temer” na
plateia do Rock in Rio, nas reuniões de artistas que se consideram deserdados
dos tempos da tripa forra com o erário no Ministério da Cultura ou nos
churrasquinhos de laje devorados na Mesa do Senado, em sua quase totalidade,
são os principais responsáveis por sua presença no cargo do qual o querem
desalojar. Eles o sufragaram em troca da vitória nas urnas do cérebro menos
dotado de nossa politica em todos os tempos. Os índices de pesquisas de opinião
pública que o isolam no inferno da impopularidade quase absoluta em nada
alteram sua vida. Nem a nossa.
O Barômetro Político, pesquisa
mensal do Instituto Ipsos, calculou o desapreço por sua pessoa (que nunca
primou pela simpatia), por sua equipe (que não é um modelo de ética) e por seu
governo (valhacouto de medíocres sem credibilidade) em 94%. Isso não indica que
os pesquisados estejam dispostos a marchar por seu afastamento. Não devemos nos
espantar com isso. A ressaca de 2013 também não impediu o triunfo da chapa de
Dilma, da qual ele era o segundo, na eleição no ano imediato. A vitória nas
urnas foi comprada, conforme atestam fartas provas queimadas na fogueira de
vaidades de ministros do Tribunal Superior Eleitoral, executando o réquiem de
sua justiça especial sob a batuta de Gilmar Mendes, ministro da mais suprema,
mas não a mais supimpa das Cortes.
Num espasmo de otimismo,
impróprio em análise séria da nojeira que é a prática política no Brasil de
hoje, muito maior do que a que já era comum em tempos que pareciam mais
sombrios, pode-se conjeturar que o povo na rua não derrotou Dilma e Temer na
urna. Mas expeliu-a do poder num impeachment que deixou imenso passivo. Se,
ainda assim, se aceitar uma conexão qualquer entre as manifestações de 2013 e a
deposição de 2016, será para constatar que o pesadelo do maior escândalo de
corrupção da História não acabou. Pois apenas foram trocados os mandachuvas. E
a desmobilização de hoje é claramente justificável. Ir às ruas pra quê? Pra
trocar os dólares na cueca do assessor do deputado José Guimarães por milhões
de reais de Geddel Vieira Lima fotografados no apartamento de um laranja? Ora,
convenhamos, uma falcatrua oculta de Vaccari e Palocci não justifica anistiar a
corrida na porta da pizzaria, piada pronta da metáfora concretizada, mantendo a
mochila, mas trocando o portador. Seria contar demais com a proclamada bestialidade
do cidadão comum, escorchado, sim, mas não escrachado a esse ponto.
A caradura de Carlos Marun, Beto
Mansur e Darcísio Perondi não foi rígida a ponto de livrar o chefinho Cunha e
sua deslumbrada consorte de risco de sofrerem incômodos da carceragem do
inferno prisional em que as concorrências e a honra dos homens públicos têm
idêntico desvalor. Mas mais do que bastam para garantir a permanência de dom
Michel no poder. Palmas para eles, pois! Só que até o cinismo no grau praticado
por essa escumalha de raposas, que nunca se fartam de fígado gordo de ganso, é
insuficiente para evitar as consequências nefastas de sua desfaçatez.
Há quem comemore a queda do
recente índice de rejeição do presidente do conselho deliberativo do assalto
inicial aos cofres da viúva, Lula da Silva, na citada pesquisa do Instituto
Ipsos. Ela seria um feito que demonstraria a imunidade do multirréu perante o
cidadão comum. Essa gente carece de umas aulinhas de aritmética. Entre os
enxovalhados da pesquisa, o chefão do mensalão e do petrolão é aquinhoado com
59% dos que nunca votariam nele de jeito e maneira. A curva descendente
registra também a curva decadente: o número arrefece o ânimo de quem sonha
vê-lo de volta ao trono. O consolo que eles podem ter é que o clube dos reis da
rejeição tem sócios tão ilustres como o mais visado de todos. O campeão,
inalcançável, é dom Michel, o Único, com 94%. Mas há quem chegue perto: caso de
Aécio Neves, o príncipe das Gerais, com seus significativos 89%. Mas o sujeito
ainda conspira para ser candidato. Não desiste nem correndo o risco de repetir
o vexame do dr. Ulysses Guimarães em 1989, na eleição que consagrou o carcará
sanguinolento da Alagoas dos marechais, agora de volta á berlinda nà cloaca
geral brasileira.
Outros aspirantes ao pódio têm a
matemática do segundo turno como adversária fatal. O anestesista Geraldo
Alckmin, picolé de chuchu cada vez mais aguado e pretendente confesso, tem 75%.
Henrique Meirelles, a esperança branca do chamado mercado, bateu em 66%. Ciro
Gomes, salvação da lavoura dos deserdados do lulismo, ostenta 64%. Jair
“Boçalnaro”, comemorado nas redes sociais em que batem caixa os nostálgicos da
tortura e da corrupção escondidas da ditadura fardada, 63%, Marina da Selva, que só deixa o seringal na
boa, não baixa de 60%. Mesmo João Doria, favorito dos coxinhas dos Jardins e
adjacências, figura com 58%. Dos citados escapou o juiz aposentado Joaquim
Barbosa, com 41%, num empate técnico com a aprovação de 38%. Sergio Moro, juiz
em atividade (e que atividade!), já não desperta os suspiros de antanho, embora
a desaprovação que o atinge (45%) seja inferior à metade e superior ao aplauso,
manifestado em 48%, num caso em que a unanimidade nacional murchou para uma
posição de maioria apertada, mas ainda manifestada.
Pois é, minha gente, a vida no
Brasil de hoje não está fácil pra ninguém. Motivos para comemorar devem ter os
negociantes de drogas da Rocinha, que dão calor à tropa verde-oliva como antes
o conseguiu o jovem Solano López. Resta agora convocar argentinos e chilenos para,
em nova Tríplice Aliança, expulsar as tropas de Nem e seus asseclas do
território nacional ocupado pela indústria do crime explícito e rastaquera.”
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