“Rigidez e irracionalidade
O Estado de S. Paulo
O desequilíbrio estrutural do
regime orçamentário criado pela Constituição de 1988 chegou a tal ponto que as
receitas correntes líquidas da União já não são suficientes nem para cobrir as
despesas obrigatórias. Nos últimos anos, o crescimento contínuo em valores
reais de gastos como a folha de pessoal, benefícios previdenciários e outros
compromissos determinados por lei ou por decisões judiciais, entre outros, já
fazia prever que, em algum momento, essas despesas acabariam por comprometer
praticamente toda a receita corrente. A crise que o lulopetismo deixou como
herança para o País reduziu drasticamente a atividade econômica e corroeu as
receitas tributárias, sem que as despesas obrigatórias parassem de crescer, o
que resultou na antecipação desse momento.
Hoje, a receita corrente da União
não é mais suficiente para cobrir as chamadas despesas discricionárias, aquelas
que podem ser livremente decididas pelo governo, como gastos de custeio não
obrigatórios ou investimentos em expansão e melhoria de serviços públicos ou de
infraestrutura. Quando realizadas, essas despesas são parcialmente cobertas por
receitas extraordinárias ou, como tem sido frequente, provocam o aumento do
déficit orçamentário.
No resultado de 12 meses
acumulado até julho do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias representaram
105% da receita corrente do período, segundo reportagem do jornal Valor. De
acordo com outras fontes, em 2004 as despesas obrigatórias consumiam 77% da
receita líquida da União; dez anos depois, alcançavam 89%; em 2016, já tinham
superado 100% da arrecadação corrente líquida.
Embora impressionante, a evolução
das despesas obrigatórias como proporção da receita líquida da União é a
decorrência obrigatória do regime fiscal instituído pela Constituição. Ao
determinar a obrigatoriedade de diversas despesas, esse regime impôs uma camisa
de força à política fiscal. A fixação de critérios de correção de diversas
despesas – algumas indexadas ao salário mínimo, como os benefícios
previdenciários – aumentou a rigidez do orçamento, tornando ainda mais
implacável seu engessamento.
Em períodos de bonança econômica,
como o observado em 2010, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,5%, os
efeitos do engessamento do orçamento foram mitigados, por causa do crescimento
excepcional da receita líquida da União, em ritmo bem mais rápido do que o das
despesas obrigatórias. A intensidade e a duração da recessão iniciada em 2014
anularam todos os efeitos positivos dos anos anteriores e causaram uma crise
fiscal sem precedentes no regime orçamentário instituído em 1988. Mesmo com a
revisão para R$ 159 bilhões da meta de déficit primário neste ano e no próximo,
o governo vem sendo forçado a cortar drasticamente despesas sobre as quais tem
controle, entre elas as verbas de programas como o Minha Casa, Minha Vida e de
conservação e melhoria da malha rodoviária federal. Se já está muito difícil
pagar as despesas obrigatórias, obviamente não há muito espaço no orçamento
para o governo definir e executar os programas que considera melhores para a
população.
Os gastos com o regime
previdenciário, como mostrou recente reportagem do Estado, deverão responder
por 57,13% das despesas da União em 2017, enquanto a folha de pessoal custará
11,76%. São despesas que, pelas regras de correção a que estão sujeitas – os
benefícios previdenciários estão atrelados ao salário mínimo e os vencimentos
do funcionalismo a critérios que implicam crescimento no mínimo vegetativo –,
tendem a comprometer fatias maiores da receita.
Daí a importância de reformas como
a da Previdência, que pelo menos poderão conter o crescimento acelerado das
despesas no futuro próximo. Mas é preciso rever também o regime que levou ao
engessamento do Orçamento da União, para que se possa, no futuro, administrar
com mais racionalidade e eficiência o dinheiro arrecadado da sociedade.”
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AGD comenta:
Desde um tempo eu falo aqui (para
ser justo, o Zezinho de Caetés, também) que quando se trata de recursos
escassos e sua utilização, “não
há almoço grátis”. Esta é a regra da lúgubre
Ciência Econômica. Entretanto, a nossa Constituição, chamada “cidadã”, promulgada na década de 80, tentou
burlar esta norma, criando direitos mil e deveres zero.
E veja a situação descrita acima
a que chegamos em matéria orçamentária! Estamos como aquela família cujo pai
tem que escolher qual filho deve comer a cada dia, se não quiser que todos
morram de fome. Em grande parte isto ocorreu pela descaso em não se levar em
conta um regrinha básica que eu via na folhinha do bloca de quando em vez: “Quem não trabalha, não come!”.
O que se viu foi, mesmo diante do
quadro de escassez reinante, e sem um Estado autoritário (o que foi bom em
certos aspectos) para distribuir de forma mais igualitária os frutos do
trabalho, o Estado existente querer distribuir através do orçamento a produção
para cumprir uma Constituição que nos diz que “saúde é um direito de todos, e um dever do Estado”, sem dizer de onde virão os recursos para cumprir a regra.
Mas, o caso da saúde é apenas um
exemplo entre outros muitos, nos campos da educação, previdência social,
habitação, etc. Ou seja, o “Minha
casa, minha vida” tornou-se “minha
prestação, minha morte” e hoje os “velhinhos”, em breve, vão ficar sem sua
aposentadoria, se não se tomarem as providências necessárias para corrigir o “o
desequilíbrio cidadão”.
Estávamos aproveitando esta crise
para fazer passar as Reformas necessárias, mas, infeliz ou infelizmente, havia
um Joesley no meio do caminho. O atual governo, legítimo inicialmente, mas, com
grandes possibilidades de tornar-se ilegítimo pelos desmando cometidos pela
corrupção, não parece ser o certo para tirar-nos do buraco.
Então já estão a espocar as
soluções radicais como antecipações de eleições, intervenção militar, e outras
já vistas por nós e que nos trouxeram apenas de volta a um buraco mais fundo.
Bem ou mal, a Constituição cidadã é a que temos no momento e devemos segui-la,
mesmo tentando reformá-la para que seja mais realista com a nossa realidade de
escassez de recursos, levando em conta mais de perto a regra de que “não há almoço grátis”.
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