“A mentira mais verdadeira
Por Marco Aurélio Nogueira
Foi Lula quem a descobriu, no depoimento
prestado a Sergio Moro, dia 13 de setembro. Fez parte do lançamento de um
míssil contra Antonio Palocci, seu ex-auxiliar preferido. A intenção foi
estigmatizar o delator, tachá-lo de “traidor”. Lula, por isso, buscou a
jugular: Palocci é “frio e calculista, tão esperto que é capaz de simular uma
mentira mais verdadeira que a verdade”.
O expediente de Lula não é novo
nem original. Na atual fase de denúncias e investigações, todos os acusados –
sem exceção – tentam fugir de seus acusadores valendo-se da presunção de
inocência e da falta de provas materiais. Todos alegam não saber do que se
trata, que sempre agiram dentro da lei, que as acusações não passam de
“mentira” para “criminalizar” a atividade política, tudo nada mais sendo que o
resultado das pressões ilegais que a Polícia Federal e o juiz Moro fazem para
arrancar delações de pessoas emocionalmente fragilizadas.
Mentiras, como sabemos, têm
pernas curtas. Depois de três anos de Lava Jato, se algo houvesse de mentira na
montanha de investigações e depoimentos acumulados pela operação certamente já
teria aparecido. As narrativas dos que denunciam são convergentes. Todos falam
as mesmas coisas, apresentam os mesmos fatos, citam as mesmas datas e os mesmos
personagens. Seria preciso que houvesse por trás de tudo um plano sórdido,
urdido em segredo e coeso o suficiente para ser assimilado pelos inúmeros
agentes do MP e da PF, bem como pelos igualmente numerosos delatores e
testemunhas. Não é razoável que se pense assim, ainda que se possa imaginar que
no peito de Moro bata um coração antipetista, o que não está a ser corroborado
pelos fatos.
Mentira verdadeira pode se
aproximar de um oxímoro: mentira e verdade, associação de dois termos que se
contradizem. Uma verdadeira mentira, porém, é uma mentira categórica, evidente,
que se impõe com clareza. Não contar a verdade e mentir são coisas distintas, e
nem todo mentiroso oculta a verdade, ou porque não o consegue ou porque não lhe
interessa: sua intenção pode ser finalmente sair da zona cinzenta da mentira
para a área iluminada da verdade, ganhando alguma imunidade ou paz de espírito
com isso. Como Palocci.
Já as verdades de Lula não são
tão transparentes e coerentes assim. São verdades fracas, pouco convincentes,
mais próximas da mentira ou da dissimulação.
Em suas diferentes nuances, a
mentira é um traço constitutivo da conduta dos políticos, especialistas em
simular e dissimular. Não foi por acaso que tantos pensadores associaram a
política à “arte do engano”. O demagogo circula com facilidade nos ambientes
políticos. Ele promete, adula, busca seduzir, sem se importar com o cumprimento
de suas promessas. Ilude, mais do que mente. Durante os períodos eleitorais, a
mentira transita livremente. Hoje, com as redes, as fake news complicam ainda
mais a situação.
Você não precisa gostar do Dr.
House para achar que todos mentem, em maior ou menor grau. A mentira integra o
rol de características e de recursos dos humanos. Mente-se para ocultar algo,
para se defender de ataques, encobrir atos feios, dissimular emoções. Há até
mesmo as mentiras altruístas, tidas como “inofensivas”, próximas de “nobre
mentira” de Platão, que são cometidas para proteger alguém, preservar os
interlocutores de alguns dissabores ou poupá-los de más notícias. Os poderosos
costumam se cercar de assessores que somente lhes contam o que gostariam de
ouvir.
Quando alguém se torna mentiroso
contumaz, compulsivo, tem-se uma patologia. A mitomania é uma doença, mas há
muitas pessoas não diagnosticadas que se acham acima do bem e do mal, não
admitem ser criticadas e que se descontrolam quando pegas com a mão na botija,
ou seja, quando se revelam coisas que elas gostariam de manter escondidas.
Em suma, a mentira é muito mais
frequente nas interações humanas do que se pensa. Na política, ela tem status
especial, pois admite-se que possa ser praticada como parte de uma ética que
também é especial.
Maquiavel escreveu que se o
príncipe não puder ser competente em tudo, deve ao menos parecer sê-lo,
especialmente quando isso diz respeito à imagem que deseja passar aos
governados. O Cardeal Mazarin, em seu famoso Breviário, não teve qualquer
prurido em recomendar aos políticos que disfarçassem todas as emoções e
vestissem a máscara da “perpétua amenidade”, ocultando tudo o que pudesse
comprometê-los. O filósofo inglês Francis Bacon chegou mesmo a considerar que
as mentiras costumam receber “os maiores favores” porque carregam consigo “um
natural mas corrompido amor pela própria mentira”.
A mentira verdadeira de Palocci
está sendo elaborada para salvar a pele e escapar da prisão. Ela obriga o
ex-ministro a comprometer antigos companheiros, parceiros de trambicagens e
meros conhecidos, pessoas que caíram numa rede de ilícitos difícil de escapar.
Deve ter se desiludido com tudo e nas conversas que tem mantido com o
travesseiro na cela onde tem passado os últimos meses deve ter chegado à
conclusão de que lhe sobram pouquíssimas alternativas. Contar a verdade pode
significar, para ele, a porta da liberdade. Se “mentir simulando uma mentira
mais verdadeira que a verdade”, como pensa Lula, o ex-ministro entrara em
contradição com suas próprias intenções: se mentir, não obterá o prêmio
almejado.
A verdade de Lula, por sua vez,
poderia ser vista como “mentirosa”, feita para dissimular, esconder e ganhar
tempo. Lula nega tudo, peremptoriamente, com a maior cara de paisagem, chegando
ao ponto de descarregar parte das responsabilidades nas costas da finada Dona
Marisa. Não há um fato, um papel, uma conta, uma reunião, um encontro, uma
viagem, uma transação, um episódio que ele admita. Em sua narrativa, parece nem
sequer conhecer bem Palocci, um personagem com quem teria se encontrado poucas
vezes nos últimos anos.
Palocci, agora, afirma que chegou
a entregar pessoalmente a Lula, em 2010, maços de 30 e 50 mil reais in cash, além
de quantias maiores para o Instituto Lula por meio de emissários. O dinheiro
teria vindo da conta “Amigo”, mantida pela Odebrecht, e serviria para custear
as despesas pessoais do ex-presidente. Lula, por certo, dirá que a revelação
integra a mesma estratégia dedicada a criminalizá-lo injustamente.
A grande diferença é que a
mentira verdadeira de Palocci parece ter lastro. É coerente, bate com outros
relatos e desvenda um mapa articulado. Já a verdade nem tão verdadeira de Lula
sustenta-se exclusivamente em negativas.
No primeiro caso, parece uma
verdade que se quer apresentar como se fosse mentira. No segundo, tem a cara de
uma mentira que se pretende difundir como verdade.
Mazarin e Maquiavel olhariam a
cena de soslaio e voltariam para seus gabinetes com tédio e indiferença.
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AGD comenta:
O texto acima se impõe por si
mesmo. O que é a “verdade” (ou mentira) já era uma preocupação de
Jesus quando perguntou no templo o que seria isto. Mas, foram tantas as
mentiras que o Lula pregou a esta nação nos últimos tempos que é difícil não
associar suas palavras a definições definitivas de mentiras.
Já diziam quando a esperteza é
muito grande pode comer o experto. Penso que a mentira também, mesmo que não
coma, enrola muito.
E vejam o caso do Palocci que
está sendo expulso do PT por ter falado o que falou de Lula. Então só pode ser
porque mentiu. Ou não? De qualquer forma o PT criou uma definição muito cômoda
para verdade e mentira, sua antítese, dentro da política brasileira.
Quem fala mal de Lula mente, e
quem fala bem diz a verdade. É incrível, porque, pensando bem, nas campanhas
eleitorais esta é a definição mais precisa que existe para afirmações ou
negações de todos.
E numa República, na qual os
poderes são divididos, os julgadores se algo é mentira ou verdade são
basicamente dois: O eleitorado ou o Judiciário. É óbvio, como comentamos ontem
aqui, que a lerdeza temporal deste último para os casos passados, levam a que
suas decisões nunca venha em igualdade de condições como o primeiro que
normalmente julgam casos futuros.
Então, voltamos sempre à estaca
zero, e neste caso de Palocci x Lula, uma decisão de quem está mentindo ou não,
vai depender de um tempo que só o Judiciário tem, mas, o eleitorado não tem.
Certamente, só vamos saber a solução do eleitorado em 2018 e a solução do
Judiciário, alguém sabe?
Lembrei do caso do Fernando
Collor que foi defenestrado pelo legislativo e inocentado pelo judiciário. Já
no caso de Lula, pessoalmente, acho que ele está mentindo, tanto por um quanto
por outro.
A conferir!
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