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terça-feira, 19 de setembro de 2017

BOCA DE SEPULTURA!




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho


No bar de Dona Nair em Rio Doce se reúne diariamente os bêbados do bairro. Logo cedinho começa a chegar àqueles que já estão à beira da sepultura, somente basta empurrar para a cova aberta no cemitério de Santo Amaro. Cada um tem um apelido que é chamado carinhosamente, muito não sabem o seu nome de origem nem a comunidade. Alguns andarilhos e outros moram nas imediações. Chegam por volta das sete horas da manhã. Vão se reunindo em torno de uma mesa posta no terraço e ali começa o dia. Uma garrafa da caninha 51 colocada na mesa com alguns copos já esperando os outros que devem chegar dentro de pouco tempo. Chegam sorridentes, cabelos assanhados, olhos vermelhos e lábios ressequidos. Uns já de tornozelos inchados, barrigudos e bochechas flácidas. Vêm alguns de chinelas já acabadas, camisas abertas no peito, alguns com um trancelim de santo ou mesmo um escapulário, para dar sorte, dizem cada um deles. Cabeleireira, já tem as mãos tremulas ao segurar o copo para a primeira bicada e como tira gosto um pedaço de manga verde; Boca Mole, outro ao chegar senta-se passando a mão nos rosto enxugando o suor e vem de um delírio tremulo; Boca Murcha um mulato de trancelim dourado pendurado no pescoço com a cruz de Cristo comprado nas mediações do Mercado São José, somente um dente onde raspa uma pitomba; Peia Mole, galego e sarara com seu metro e oitenta, ostenta uma tatuagem de uma moça dançante feita na Marinha quando servia, mas de acordo com a molecada, perdeu a consistência perdida pela cachaça; Todo Duro, um pequeno homem de barba desalinhada, pele enrugada, mostrando a sua idade de 70 anos, usando um boné vermelho desbotado com o escudo do Santa Cruz. Anda firme, elegante, tênis preto gabando-se aos seus amigos que é homem pra todo obra; Mole Ruge, um moreno finíssimo contando suas estórias do tempo que vivia na zona portuária do Recife. Era assídua das noitadas ali passeando pelas Ruas Vigário Tenório, Marques de Olinda, Madre Deus, Rio Branco nunca a Rua da Guia, olhando as meninas escoradas nas paredes, com um sorriso convidativo. Gostava de sentar-se e ouvir musica de Valdick Soriano, Orlando Dias e Silvinho diante de uma dose de Rum. Num dia de sábado por volta da meia noite, sentou-se a sua mesa uma bela morena, de sorriso escancarado, roupa curtinha, e ouvindo olhando para ele a musica de Ângela Maria – Será que eu sou feia? Respondia, Não é não senhor! Então eu sou linda? Você é um amor! E assim saíram os dois para um passeio noturno. Todos riram. Pregava ele, e todos os cachaceiros ouvia com atenção. Frequentava o Mole Ruge, Chantecler, Maria Mole, tomando aperitivos e dançando nos salões, voltando para casa no raiar do dia; outro freguês de Dona Nair, Boca de Sepultura, este sim, já beira da cova rasa. Já velho, desdentado, olhos repuxados, barba pra fazer e cabelos despenteados, sandálias japonesas, vestindo camiseta suada e bermuda velha mostrando as varizes que acumulava nas pernas e nos pés com as unhas defeituosas. Era o mais velho e bebia desde menino, na bodega de seu Zeca no interior vindo para a capital para viver bem. Era analfabeto, mas ouvinte sabia de todas as noticias pelo seu radinho de pilha. Lá pelo meio dia já estavam de porre. A algazarra era vista cada um falava desordenadamente, contava suas fantasias, a musica bregas e roedeiras ecoavam no pequeno bar/terraço, uns dançavam sozinhos, outros ria, outros já deitava a cabeça na mesa redonda já com algum tira gosta, outros sai cambaleando pela avenida falando e gesticulando falando com alguém imaginário. Dona Nair apreciava aquela cena. Gostava. Chamava meus meninos. Às vezes ria com suas estórias e assim mais um dia era vivenciado por ela com o pequeno rendimento e muitas vezes acostumada com o fiado.  Todos morreram, ficando o mais velho Boca de Sepultura, hoje, sentado num barzinho curtindo os últimos dias para ser jogado na sepultura. Dona Nair fecha o seu terraço/bar.  

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