Por Zezinho de Caetés
Por algum tempo me ausentei deste, cada vez mais lido, blog.
Fui fazer um retiro espiritual e, como hoje acontece, retiro espiritual passa
pela abstinência em redes sociais, blogs e mídia em geral. Por um mês inteiro
fiz este sacrifício e agora estou voltando, para cumprir minha parte como
cidadão brasileiro, em nosso debate político.
Ainda estou com os motores fora de forma e espero que eles
fiquem mais ágeis para cumprir minhas tarefas aqui. O Zé Carlos me pediu para
fazer textos mais curtos e com mais frequência e isto será feito em seu devido
tempo. Para começar, apenas transcrevo um texto do Pedro Malan, ex-ministro da
Fazenda do FHC, e cujo título vale por ele inteiro, no que se refere à economia,
principalmente a brasileira: “Verdadeiro,
falso e fictício” (Estadão 09/08/2015).
Para não dizerem que não falei de flores, cito alguns de
seus espinhos. A melhor frase do texto é de um arquiteto citado por ele: “O recurso mais escasso não é dinheiro, mas
coordenação”. Pois depois que estou tomando pé da situação sobre o governo do
PT, vi que neste mês só mudou para pior. E como falar em coordenação se a
mulher que diz que comanda é uma tremenda incompetente. Mas, fiquem com o Malan
que voltarei depois.
“O título deste artigo é o subtítulo de um belo livro de
ensaios do italiano Carlo Ginzburg (O Fio e os Traços), cativante homenagem
àqueles que “têm como ofício alguma coisa que é parte da vida de todos:
destrinchar o entrelaçamento do verdadeiro, falso e fictício que é a trama de
nosso estar no mundo”.
O excelente e oportuno artigo de André Lara Resende
Corrupção e Capital Cívico (no Valor de 31/7) merece leitura e reflexão por
parte de todos os que estamos envolvidos pelo espesso nevoeiro de uma crise que
é, a um só tempo, política, econômica e de valores – a trama de nosso viver no
Brasil e no mundo de 2015.
Mas a urdidura desta trama que nos trouxe ao nevoeiro atual
não surgiu de repente, como uma surpresa de origens exógenas. Pelo contrário, a
trama foi sendo construída aqui mesmo, por ações e omissões muito nossas,
brasileiras, ao longo de muitos anos. É verdade que é sempre possível (por
vezes necessário) voltar no tempo para identificar em distantes passados as
origens maiores de nossos males e atrasos. Ou para dar o devido valor a nossos
avanços.
Mas também é verdade que temos um mesmo governo há mais de
12 anos e sete meses, e este tem responsabilidades, das quais não se pode
eximir, pelas críticas situações econômica, política e de valores em que nos
encontramos. Pode ser doloroso o processo de destrinchar o entrelaçamento a que
se refere Ginzburg.
O fato de uma situação ser muito difícil não significa que
não existam opções e escolhas, ainda que difíceis, a serem feitas. E, por
paradoxal que possa parecer, a crise poderia, talvez, estimular a busca das
convergências e das cooperações possíveis para a adoção de medidas voltadas a
uma necessária recuperação gradual da confiança ao longo dos próximos meses e anos.
Parece haver um elusivo quase-consenso sobre esta imperiosa
necessidade de maior confiança, mas uma miríade de visões sobre as maneiras
mais eficazes de alcançá-la. Não é que não se tenha ideia do que fazer. O que
as pessoas parecem não saber é como se pode viabilizar politicamente aquilo que
precisa ser feito.
“O recurso mais escasso não é dinheiro, mas coordenação”, disse um
arquiteto chileno de passagem pelo Brasil. Ele se referia especificamente a
“intervenções urbanas”. Mas os problemas de falta de coordenação valem para
tudo: é preciso coordenação na área política, coordenação na área econômica,
coordenação entre as duas áreas e coordenação entre o Executivo e o
Legislativo. Estamos com carências em todas essas dimensões – exatamente no
momento em que mais são necessárias.
Vale lembrar que em seu discurso de posse, em janeiro de 2011, a
presidente Dilma, eleita para seu primeiro mandato, afirmou: “O Brasil optou,
ao longo de sua história, por construir um Estado provedor de serviços básicos
e de previdência social pública. Isso significa custos elevados para toda a
sociedade”. Preço a pagar, disse ela, pela “garantia do alento da aposentadoria
para todos, e de serviços de saúde e educação universais”. No mesmo discurso, a
presidente deu a entender que não se recusaria a enfrentar nossas flagrantes
realidades e irrealidades fiscais, ao prometer fazer mais – e melhor – com os
recursos existentes, controlar a velocidade de crescimento dos gastos
governamentais e mudar sua composição em favor do investimento.
Quatro anos e meio depois, seu novo ministro da Fazenda volta ao tema,
agora com renovado e apropriado sentido de urgência, em artigo publicado na
Folha na última semana: “Manter estes mecanismos (de transferência de recursos
do Tesouro através da folha do setor público, da Previdência e de inúmeros
outros programas) exigirá avaliação permanente de sua sustentabilidade e dos
resultados obtidos. Dada a atual carga tributária, é urgente reforçar a
avaliação da qualidade do gasto, inclusive o obrigatório, cujo volume reduz a
latitude dos governos federal, estadual e municipal para investir na
infraestrutura”.
Neste contexto, as crescentes demandas por maiores gastos públicos para
a promoção do desenvolvimento econômico e social com frequência excedem a capacidade
do Estado em tributar e se endividar, para atendê-las. Desejos não configuram
políticas e nem tudo é possível porque desejável. E, como bem notou Rogoff anos
atrás, “nenhum fator de risco é mais perigoso para uma moeda que a recusa de
lideranças políticas em enfrentar realidades fiscais”.
Este enfrentamento não se pode restringir à área fiscal ou mesmo à área
macroeconômica, em que a percepção de estabilidade e consistência intertemporal
é condição necessária, embora não suficiente para o crescimento econômico. Como
vem afirmando Mario Draghi desde que assumiu a presidência do Banco Central
Europeu, “é mais fácil manter a confiança no curto prazo se há uma âncora no
futuro”. O sequenciamento das ações de curto, médio e longo prazos é facilitado
pela existência de um claro e crível objetivo futuro. A confiança, diz ele,
“funciona do futuro para o presente”.
Volto ao tema do brilhante artigo de André Lara Resende, esperando que
o significado da expressão “capital cívico” possa assumir relevância crescente
no debate sobre nossa situação – e nosso futuro.
Capital cívico é o estoque de crenças e valores que estimulam a
confiança e a propensão a cooperar e a coordenar as atividades entre as pessoas
de uma sociedade. Estas são traços culturais, forjadas ao longo da história,
reforçadas pela experiência de cooperação bem-sucedida.
A forma como a população avalia o Estado e suas instituições é uma boa
aproximação do capital cívico. Onde este é alto, o Estado é visto como aliado
confiável. Onde o capital cívico é baixo, o Estado é percebido como um criador
de dificuldades para todos e de vantagens para seus ocupantes, funcionando como
poderoso fator de erosão do capital cívico. As boas instituições são
imprescindíveis para sua preservação. Como o Brasil está aprendendo, ao tentar
distinguir verdadeiro, falso e fictício.”
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