O CACHORRO DE BOTAS |
Por Zé Carlos
Da última vez que me travesti de Vovô Zé deixei no ar a possibilidade
de contar as estórias do Cachorro de Botas. E, não por acaso, encontrei o dito
animal, outro dia e falei do Miguel (meu neto mais novo) para ele. Ele fez uma
cara estranha, pior do que sua verdadeira cara (vejam foto que ilustra esta
postagem, que segundo ele é sua foto oficial) que é mais feia do que a da mula
sem cabeça, que corria solta lá em Bom Conselho, eu suponho, porque nunca a vi
ao vivo, e perguntou, com aquela voz cavernosa, muito imitada pelo Cid Moreira:
- Eu adoro crianças!
Ontem comi duas!
Eu, já comecei a ficar com o pé atrás, talvez pelo hábito de
ler as histórias do Gato de Botas, e nunca ouvir que ele comesse criancinhas.
Obviamente, eu não contei nada disto para o Miguel. E ele só irá saber quando
puder ler o Vovô Zé, e espero, junto com o Davi, o mais velho, que deverá lhe
explicar alguma coisa que ele não entenda.
Mas, o encontro com o Cachorro de Botas, cujo nome é Nick e
mora no mesmo prédio que eu, apesar da surpresa da afirmação inicial, levou a
várias estórias, que resolvi contar, mesmo sabendo que os meus netos, com as
idades que têm hoje, mesmo que soubessem ler, não iriam entender muito bem.
Mas, no futuro, quem sabe, lhes sejam úteis. Eu farei um relato, resumido pois
conversamos por várias horas, e toda vez que nos encontramos ele vem com outra
estória. E já peço perdão ao Nick, se não interpretei direito alguns dos seus
pensamentos e isto não atrapalhe a compreensão dos meus netos, no futuro, pois
neste momento o entendimento do Miguel foi pouco, pelo número de vezes que ele
falou sua frase mais usada em caso de dúvida:
- Oi?!!!!!
Começando do começo, o Nick fez sua apresentação:
- Bem, como é
evidente, eu sou um cachorro e sou comprovadamente um mau-caráter.
Miguel e Davi começaram a prestar atenção, pois não entenderam
o que era mau-caráter. E Miguel já se manifestou:
- Oi?!!!!
Óbvio que eu tinha que explicar alguns termos usados pelo
Nick para que os meus netos ficassem atentos, e farei isto sempre que ouvir a onomatopeia
(será que é isto mesmo?) do Miguel, porque eles têm pelo menos que entender
alguma coisa agora.
Depois de explicar que mau-caráter é tudo de ruim, e que,
portanto, o Cachorro de Botas não seria muito confiável, resumi dizendo que ele
era um vilão.
- Igual ao Pinguim do
Batman?
Perguntou Davi de pronto. Fiquei alegre porque eles
entenderam que não seria bom seguir as pegadas do Nick em suas vidas. Só fiquei
em dúvida se realmente deveria contar as façanhas daquele cachorro, réu
confesso quanto ao mau-caratismo. Continuei minha fala, contando a outra fase
dele em nossa primeira conversa:
- Eu sou de uma longa
linhagem brasileira de maus-caracteres.
- Oi?!!! Vovô Zé, o
que é isto?
Eu explico Miguel, já começando a história do Cachorro de
Botas, segundo ele próprio, com possíveis erros meus de interpretação.
O Nick era descendente de um cachorro de Pero Vaz de
Caminha, que veio nas primeiras caravelas para o Brasil, junto com Pedro
Álvares Cabral. Ele começava sua história, sempre dizendo isto, para mostrar
que o mau-caratismo no Brasil vem de muito tempo. Quando o Pero Vaz de Caminha
mandou pedir ao rei de Portugal um emprego para um seu parente, o parente do
Nick estava por perto e contou a estória para seus descendentes, que, pelas
suas naturezas, adoraram.
O Nick sempre enfatizou que nem sempre os cachorros seguiam
os valores dos seus donos, mas, diante de certos fatos, é muito difícil tirar a
culpa deles no comportamento dos pobres animais. E, também, sempre frisava que,
a partir daquela época do descobrimento, o mau-caráter da cachorrada sempre foi
aumentando. Se foi mera coincidência ou não, fica para os historiadores humanos
decidirem, se isto se aplica também aos donos. E eu continuo contando as
estórias e peripécias de um cachorro. Portanto, qualquer semelhança com seus
donos, é mera coincidência mesmo. Será?
O Nick disse que era natural de Caruaru, filho de um cadela
pertencente a um vereador da cidade, do qual ele não lembra o nome. Veio para o
Recife ainda pequeno e não demorou muito para se tornar um revoltado, pois não
via em seus novos donos nenhuma de suas características de maldade, que ele
presenciou nos anteriores que o abandonaram ainda com os olhos fechados. Era
como um estranho fora do ninho, desde pequenininho. Para não ficar tão isolado
ele visitava outros cães da cidade que tivessem tão mau caráter quanto ele.
Isto agora, que já está em idade avançada, pois antes ele viajou para muitos
lugares, sempre a procura de cachorros maus-caracteres para interagir com eles.
- Oi?!!!!
Interagir que dizer brincar, neste caso, Miguel. Apesar dele
ter contado estórias de suas andanças com cachorros de outros lugares, por
exemplo, quando ele esteve com a cachorro do Lula (que lhe deu, segundo ele,
bons maus exemplos de comportamento), lá em Brasília, ele resolveu contar
algumas façanhas dele aqui em Recife mesmo, nestas primeiras conversas.
Recentemente, ele encontrou um cachorro vira-lata que,
sentindo-se careca, resolveu fazer implante de cabelo. Dizem que foram 10.000 e
tantos cabelos, retirados do seu rabo para colocar em sua cabeça. O seu dono
aproveitou a vinda do animalzinho pelado e também praticou um implante.
- Oi?!!!!
Já sei Miguel! Você quer dizer que não há nenhum
mau-caratismo em implantar cabelos. Eu também acho que não, mas, o amigo do Nick
usou avião da FAB, e fez xixi na cabine do comandante, para marcar território.
Dizem que um cachorro do Zé Dirceu fez a mesma coisa. Embora digam que ele fez
o número 2 no colo do pobre comandante.
Quando olhei para o Miguel, nesta hora, depois do almoço,
não houve jeito. Ele estava dormindo. O Davi já estava jogando bola. Mas, eles
não perdem por esperar. Continuarei contando depois as façanhas do Cachorro de
Botas, o cachorro sem nenhum caráter.
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