POR CARLOS SENA. (*)
Tal qual a música de Chico
Buarque com um trecho "todo dia ela faz tudo sempre igual", de novo
novo ano bate em nossa porta cheio de promessas. E as promessas são todas assim
meio que prometendo ser diferente, mas "fazendo tudo igual" como na
canção. Mas, isso é de alguma maneira a resposta do tempo ao destempero dos
homens que , prometem o que não podem cumprir e cumprem o que nunca foi
pactuado fazer... Ou não? Senão vejamos: em plena antevéspera do natal,
trânsito maluco no bairro de Boa Viagem, pasmem: de repente, dentro de um carro
CHIC, eis que a mão de uma mulher faz gestos insistentes. Como eu estava atrás
daquele carro, flagrei esse fato com detalhes. Pois bem, era uma senhora
acenando para um senhor de muletas que pedia esmola no sinal. Quando o pedinte,
atendendo à solicitação chega perto, ela lhe dá uns trocados e, certamente,
saiu dali com seu espírito natalino alimentado, até mesmo empanturrado.
Presenciei essa cena exatamente porque regressava do shopping center e lá, não
por coincidência, cansou-me as gentilezas das pessoas. Por tudo pediam
desculpas, por nada desejavam "feliz natal". Isso por parte dos
vendedores e de boa parte de outras pessoas que como eu lá estava fazendo
compras, exercitando o consumo como se ele fosse o motivo do natal. "Meno
male" - ora direis, pois pelo menos nesta época a solidariedade, embora
disfarçada, acontece, exercita-se! Nem tanto, arremato! Porque agora me remeto
a uma passagem de criança: houve um eclipse da lua e, plenas dez horas da
manhã, as galinhas se recolheram ao galinheiro como se fosse suas horas
habituais de recolhimento. O galo cantava, as penosas cacarejavam e tudo parecia
mesmo um anoitecer em plena manhã. Remeti essa história lembrando-me de que
poderíamos também inverter o calendário e fazer natal todo mês durante todo o
ano... Vê-se pois, que "todo dia ela faz tudo sempre igual e se acorda às
seis horas da manhã", explico: todo ano no natal as pessoas ficam
boazinhas, como aquela senhora que quase implorou ao pedinte para pegar uns
trocados em seu carro. Detalhe: em todos os meus anos de Recife nunca vi cena
igual de gentileza no trânsito tão exuberante!
Pela certeza de que mesmo as
gentilezas de natal que em sua maioria são na base do script, que aconteçam.
Quem sabe não chegue o dia em que isso vira modus vivendi e a gente não precise
mais ser gentil apenas no natal?
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(*) Publicado no Recanto de Letras
em 23/12/2013
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