Zezinho de Caetés
No último dia 30/08/2013, o jornalista Sandro Vaia publicou,
no Blog do Noblat, um texto intitulado “O
vandalismo moral”. Ele trata, principalmente, do caso em que a Câmara de
Deputados manteve o mandato do deputado Donadon, mesmo sendo ele julgado e condenado
por crime de formação de quadrilha e peculato, e mesmo assim iria continuar no
presídio da Papuda com seu gabinete plenamente instalado.
Hoje, já se sabe, que através de uma liminar, o ministro
Barroso, do STF, analisando um pedido do PSDB, já tirou os efeitos da decisão
da Câmara, e o deputado voltou a ser somente presidiário, como merece.
No entanto, sabemos que uma liminar é uma liminar, nada mais
do que um liminar. Apesar de boa para os padrões de moralidade na política, ele
é não é definitiva e pode, algum dia, ser derrubada pelo plenário do STF. Para
quem conhece o ritmo da corte, talvez quando esta decisão chegar, o deputado já
esteja solto e não valerá mais nada. O que espero é que a decisão sobre o
destino dos mensaleiros saia antes.
Então, como o STF ainda pode voltar atrás quanto ao caso do
Donadon, ainda vale a pena prever algumas situações, que a revista Veja desta
semana levanta, e a que as chama de “realismo
fantástico”. Eu diria apenas, como o Sandro Vaia, uma jabuticaba, que é uma fruta genuinamente brasileira. Vamos a elas.
Quanto ao gabinete, cada parlamentar tem direito a quatro
linhas de celular, cinco ramais telefônicos, fax, cinco computadores com
internete rápida (que inveja!), TV a cabo, frigobar e mobiliário, com
poltronas, etc. O presidiário pode apenas ter uma TV de 14 polegadas se tiver
bom comportamento, o que o Donadon já perdeu porque reclamou da comida da
Papuda.
Cada parlamentar tem direito a contratar 25 funcionários. No
presídio ele não pode contratar gente de fora, então teria que contratar 25
colegas seus. Muitos sairão ricos porque o salário é compensador.
O Donadon continuará recebendo seu salário de 26.723 reais,
que deve ser poupado porque ele só pode comprar num supermercado clandestino
que existe na Papuda, e quanto ao que receberá como cota para alimentação e
despesas de gabinete (32.700 reais), não pode ser gasto porque o supermercado
não pode emitir nota fiscal para comprovação das despesas.
Através de emendas parlamentares o Donadon pode dispor de 15
milhões para aplicar em obras de sua região. A Papuda poderá ficar um brinco e
atrair outros políticos se a verba for usada para melhorá-la. E além disso
ainda tem auxílio-moradia, passaporte diplomático, assinatura de jornais e
revistas e o chamado auxílio-paletó que é um salário no inicio e fim do
mandato.
O problema é que o deputado propõe e aprova leis, enquanto o
presidiário está na Papuda exatamente por desrespeitar as leis. Durma-se com uma
jabuticaba destas!
E agora fiquem com o Sandra Vaia, que vai além, ao descrever
esta fruta tão comum e tão brasileira, de uma forma clara e concisa.
“Diz a lenda que existem coisas que só dão no Brasil, como a
jabuticaba. Não é verdade, mas quando a lenda é melhor do que a realidade,
publique-se a lenda, como dizia aquele personagem de “O Homem que Matou o
Facínora”, de John Ford.
A jabuticaba pode ser uma lenda, mas um deputado condenado e preso por
corrupção ter o seu mandato mantido pelo voto secreto de seus pares ( para ser
gentil e não chamá-los de comparsas), certamente deve ser uma primazia e uma
contribuição original brasileira para o livro Guinness.
Mas não é uma contribuição singela que começa e termina em si própria.
Ela tem requintes que uma pessoa normal teria dificuldade em explicar a um
colecionador de aberrações políticas universais: o próprio condenado compareceu
à sessão que manteve o seu mandato e pôde votar, e com toda certeza o fez em
causa própria, a não ser que além de larápio, seja maluco.
Mais ainda: esse centauro de três cabeças que só a criatividade da
política brasileira foi capaz de construir, teve o toque artístico de uma
decisão do Supremo Tribunal Federal, que levou ao pé da letra a disposição
constitucional segundo a qual só o Legislativo pode cassar o mandato de seus
membros.
Acontece que existe outra disposição constitucional, essa ignorada pela
maioria do colegiado do STF, segundo a qual a condenação transitada em julgado
cassa automaticamente os direitos políticos do condenado -- e supõe-se que
entre esses direitos esteja o de legislar.
O nosso centauro de três cabeças, então, não tem direitos políticos mas
pode fazer leis.
Num acesso inevitável de pudor, o presidente da Câmara Federal resolveu
fazer o possível para amenizar o escândalo, e chamou o suplente para assumir o
cargo do deputado preso mas não cassado.
Uma pergunta inevitável: se o voto dos deputados fosse aberto e não
secreto, os que votaram contra a cassação e os que sorrateiramente fugiram do
plenário para ir lavar as mãos na bacia de Pôncio Pilatos, teriam coragem de
fazer isso?
Outra pergunta também inevitável: o presidente da Câmara terá a
coragem, doravante, de expulsar manifestantes invasores do plenário clamando
que “esta é uma casa de respeito”?
E, por fim, a mais inevitável e óbvia das perguntas: os deputados sabem
que boa parte das pessoas que saiu às ruas em junho para protestar contra
ônibus, estádios e etc., também estavam revoltados contra a falta de vergonha
dos políticos?
Se alguns manifestantes se excederam depredando bens públicos, lojas,
bancos e quebrando vitrines, puderam ser chamados de vândalos -- como foram --
seria possível evitar a constatação de que o que os deputados praticaram uma
espécie mais sutil mas não menos nociva de vandalismo?
Manter o mandato do deputado Donadon foi, sim, um ato de vandalismo moral.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário