Em manutenção!!!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Vandalismo Moral, Realismo Fantástico e a jabuticaba do Donadon




Zezinho de Caetés

No último dia 30/08/2013, o jornalista Sandro Vaia publicou, no Blog do Noblat, um texto intitulado “O vandalismo moral”. Ele trata, principalmente, do caso em que a Câmara de Deputados manteve o mandato do deputado Donadon, mesmo sendo ele julgado e condenado por crime de formação de quadrilha e peculato, e mesmo assim iria continuar no presídio da Papuda com seu gabinete plenamente instalado.

Hoje, já se sabe, que através de uma liminar, o ministro Barroso, do STF, analisando um pedido do PSDB, já tirou os efeitos da decisão da Câmara, e o deputado voltou a ser somente presidiário, como merece.

No entanto, sabemos que uma liminar é uma liminar, nada mais do que um liminar. Apesar de boa para os padrões de moralidade na política, ele é não é definitiva e pode, algum dia, ser derrubada pelo plenário do STF. Para quem conhece o ritmo da corte, talvez quando esta decisão chegar, o deputado já esteja solto e não valerá mais nada. O que espero é que a decisão sobre o destino dos mensaleiros saia antes.

Então, como o STF ainda pode voltar atrás quanto ao caso do Donadon, ainda vale a pena prever algumas situações, que a revista Veja desta semana levanta, e a que as chama de “realismo fantástico”. Eu diria apenas, como o Sandro Vaia, uma jabuticaba, que é uma fruta genuinamente brasileira. Vamos a elas.

Quanto ao gabinete, cada parlamentar tem direito a quatro linhas de celular, cinco ramais telefônicos, fax, cinco computadores com internete rápida (que inveja!), TV a cabo, frigobar e mobiliário, com poltronas, etc. O presidiário pode apenas ter uma TV de 14 polegadas se tiver bom comportamento, o que o Donadon já perdeu porque reclamou da comida da Papuda.

Cada parlamentar tem direito a contratar 25 funcionários. No presídio ele não pode contratar gente de fora, então teria que contratar 25 colegas seus. Muitos sairão ricos porque o salário é compensador.

O Donadon continuará recebendo seu salário de 26.723 reais, que deve ser poupado porque ele só pode comprar num supermercado clandestino que existe na Papuda, e quanto ao que receberá como cota para alimentação e despesas de gabinete (32.700 reais), não pode ser gasto porque o supermercado não pode emitir nota fiscal para comprovação das despesas.

Através de emendas parlamentares o Donadon pode dispor de 15 milhões para aplicar em obras de sua região. A Papuda poderá ficar um brinco e atrair outros políticos se a verba for usada para melhorá-la. E além disso ainda tem auxílio-moradia, passaporte diplomático, assinatura de jornais e revistas e o chamado auxílio-paletó que é um salário no inicio e fim do mandato.

O problema é que o deputado propõe e aprova leis, enquanto o presidiário está na Papuda exatamente por desrespeitar as leis. Durma-se com uma jabuticaba destas!

E agora fiquem com o Sandra Vaia, que vai além, ao descrever esta fruta tão comum e tão brasileira, de uma forma clara e concisa.

“Diz a lenda que existem coisas que só dão no Brasil, como a jabuticaba. Não é verdade, mas quando a lenda é melhor do que a realidade, publique-se a lenda, como dizia aquele personagem de “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford.

A jabuticaba pode ser uma lenda, mas um deputado condenado e preso por corrupção ter o seu mandato mantido pelo voto secreto de seus pares ( para ser gentil e não chamá-los de comparsas), certamente deve ser uma primazia e uma contribuição original brasileira para o livro Guinness.

Mas não é uma contribuição singela que começa e termina em si própria. Ela tem requintes que uma pessoa normal teria dificuldade em explicar a um colecionador de aberrações políticas universais: o próprio condenado compareceu à sessão que manteve o seu mandato e pôde votar, e com toda certeza o fez em causa própria, a não ser que além de larápio, seja maluco.

Mais ainda: esse centauro de três cabeças que só a criatividade da política brasileira foi capaz de construir, teve o toque artístico de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que levou ao pé da letra a disposição constitucional segundo a qual só o Legislativo pode cassar o mandato de seus membros.

Acontece que existe outra disposição constitucional, essa ignorada pela maioria do colegiado do STF, segundo a qual a condenação transitada em julgado cassa automaticamente os direitos políticos do condenado -- e supõe-se que entre esses direitos esteja o de legislar.

O nosso centauro de três cabeças, então, não tem direitos políticos mas pode fazer leis.

Num acesso inevitável de pudor, o presidente da Câmara Federal resolveu fazer o possível para amenizar o escândalo, e chamou o suplente para assumir o cargo do deputado preso mas não cassado.

Uma pergunta inevitável: se o voto dos deputados fosse aberto e não secreto, os que votaram contra a cassação e os que sorrateiramente fugiram do plenário para ir lavar as mãos na bacia de Pôncio Pilatos, teriam coragem de fazer isso?

Outra pergunta também inevitável: o presidente da Câmara terá a coragem, doravante, de expulsar manifestantes invasores do plenário clamando que “esta é uma casa de respeito”?

E, por fim, a mais inevitável e óbvia das perguntas: os deputados sabem que boa parte das pessoas que saiu às ruas em junho para protestar contra ônibus, estádios e etc., também estavam revoltados contra a falta de vergonha dos políticos?

Se alguns manifestantes se excederam depredando bens públicos, lojas, bancos e quebrando vitrines, puderam ser chamados de vândalos -- como foram -- seria possível evitar a constatação de que o que os deputados praticaram uma espécie mais sutil mas não menos nociva de vandalismo?


Manter o mandato do deputado Donadon foi, sim, um ato de vandalismo moral.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário